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Meirelles: Crise na Europa corrige euforia sobre Brasil

Mesmo cuidadoso com as palavras, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, não pensa duas vezes ao afirmar que o Brasil não será afetado diretamente pela crise que atinge as economias de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha — batizados de Piigs (na sigla em inglês).

Por Patrícia Duarte, no jornal O Globo

Nem pelo fato de boa parte de esses países terem grandes investimentos aqui. Em 2009, por exemplo, a Espanha respondeu por quase 11% dos investimentos estrangeiros produtivos no Brasil, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Holanda. Para Meirelles, a grande pergunta ainda é como se dará a recuperação da economia americana. Quanto aos países europeus, ele enxerga um lado bom: foi reduzida a euforia em relação ao Brasil e ao real.

Meirelles diz, em entrevista concedida ao jornal Globo na semana anterior ao carnaval, que isso acabaria acontecendo, cedo ou tarde, diante das expectativas sobre a conta corrente brasileira. O mercado aponta para déficit de mais de US$ 50 bilhões neste ano.

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O Globo: A atual turbulência na Europa vai afetar o Brasil?

Henrique: Meirelles: A economia brasileira está crescendo, impulsionada pela demanda doméstica e os investimentos em 2010. Em 2009, foi fundamentalmente o consumo. Portanto, o Brasil, hoje, é menos vulnerável a flutuações da economia internacional. Nossas expectativas de crescimento do Brasil se mantêm em 5,8% (este ano). Também não esperamos grandes efeitos no mercado de crédito. Na crise de 2008, o Brasil foi afetado porque houve a falência de um grande banco americano (Lehman Brothers), que gerou o colapso do sistema de crédito internacional. E 20% do crédito no Brasil tinham financiamento de fora.

Mas o país agiu rapidamente. Hoje o crédito está crescendo a taxas elevadas, 20% neste ano. Em razão disso tudo, não vemos paralelo com aquela época. Agora, existe um problema de crédito soberano de alguns países. A Itália é o que está em situação melhor. A Grécia tem uma participação pequena no PIB europeu, portanto, a exposição dos bancos não é grande. Portugal também. Na Espanha, é um pouco maior, mas o país tem um sistema financeiro mais forte. Então, não se prevê nada parecido ao colapso que houve. Por esses canais não haverá impacto direto sobre o Brasil.

O Globo: Onde poderemos ver os efeitos dessa crise?

Meirelles: No fluxo de capitais. Porque existe um aumento na aversão ao risco, e, em consequência, isso pode ou não afetar de uma forma mais importante o fluxo de capitais no mundo. O Brasil hoje é uma das destinações favoritas de aplicação de recursos, seja para investimento direto (produtivo), por causa do grande crescimento do mercado interno, seja na Bolsa de Valores. O risco, na realidade, é que estávamos com muita euforia. Afeta sim, mas corrige um pouco a euforia que existia em relação ao Brasil e ao real.

O Globo: Quando o senhor fala que o atual momento europeu corrige a euforia, pode-se entender que a crise, nesse ponto, é benéfica?

Meirelles: Eu normalmente acho um pouco de exagero dizer que qualquer crise é benéfica, no sentido de que ela gera problemas. Mas não há dúvida de que a euforia, qualquer exuberância de mercado, tende a ser corrigida cedo ou tarde. Agora, tudo isso é muito preliminar, porque não sabemos qual será a ação dos demais países europeus.

A crise com os Piigs é um prenúncio da tão falada recuperação em “W” (quando há uma recaída antes da retomada definitiva) no mundo? MEIRELLES: Acho que é muito pouco provável termos uma recuperação em “W” por causa desses países europeus. Ela está mais relacionada à recuperação do consumo privado americano.

As empresas americanas estão tendo uma recuperação fortemente baseada em redução de custos e, portanto, o desemprego se mantém elevado. Vamos ver, no momento em que as empresas esgotarem as possibilidades de reduzir custos, se elas vão manter o aumento de produção e contratar, ou se vão diminuir o ritmo e não contratar. É a grande incerteza que pode gerar problemas mais sérios.

O Globo: Estamos mais para um cenário positivo ou negativo nos EUA?

Meirelles: O cenário base é uma recuperação gradual dos EUA. Os bancos americanos têm ainda grandes questões de capitalização e regulatórias. Também há algumas coisas na Europa, cujo crescimento deve ser um pouco menor que o americano. Acho que poderá haver ainda situações parecidas como essa na Europa.

O Globo: Problemas de que natureza?

Meirelles: Principalmente de ordem fiscal. Acredito que essa questão fiscal vai demandar ainda alguns anos para ser equacionada.

O Globo: O senhor falou que o crescimento do Brasil este ano se sustenta no consumo interno e nos investimentos em geral. Os Piigs têm muitos investimentos produtivos no Brasil. Isso vai atrapalhar o crescimento?

Meirelles: A diversificação dos investimentos no Brasil tem crescido muito. Nossa previsão é de US$ 45 bilhões em 2010. Pode haver mudanças, de uma ou outra companhia cuja capacidade de financiamento esteja sacrificada na Europa. Mas será compensado por outros países. A Ásia está crescendo bastante. Há companhias europeias fortes também interessadas em investir no Brasil. No Brasil há muitas empresas espanholas, portuguesas e italianas.

O Globo: Devido à crise dos Piigs, o senhor acredita que haverá aumento nas remessas de lucros e dividendos para cobrir eventuais despesas nas matrizes? Isso pode afetar ainda mais a conta corrente brasileira, com as expectativas elevadas de déficits?

Meirelles: Algumas dessas empresas podem remeter mais capital, ou não. Mas não acredito que tenha nada similar ao que aconteceu em 2008, que foi generalizado. Agora estamos falando de coisas mais localizadas e, de novo, num momento em que os investimentos estão crescendo bastante no mercado doméstico.

O Globo: No mercado de capitais, o senhor já sentiu algum impacto dessa crise dos Piigs?

Meirelles: Sentimos a diminuição da euforia. Eu não diria que é boa. Pelo menos é algo previsível, algo que ocorreria cedo ou tarde. O câmbio tem outro componente importante, que é a questão da conta corrente brasileira. Evidentemente os mercados vão reagir, com o tempo, às previsões da evolução da conta corrente brasileira.

O Globo: O senhor está dizendo que mais desvalorizações cambais podem vir?

Meirelles: Não fazemos previsões sobre taxa de câmbio. O que estou dizendo é que, no Brasil, temos um componente importante: os mercados vão olhar com cada vez mais atenção à questão da evolução da conta corrente. E as taxas de câmbio obviamente se adaptam a isso com o tempo. O Brasil tem uma característica importante agora, diferentemente do passado, com câmbio flutuante, reservas elevadas, crescimento econômico e sistema de crédito e mercado de capitais fortes. Tudo isso dá tempo para que qualquer ajuste, caso venha a acontecer, ocorra com tempo e tranquilidade.