BC: Emprego cresce e pobreza cai em regiões mais pobres
O Brasil registrou avanços sociais significativos em todas as regiões entre 2003 e 2008, mas as maiores reduções na pobreza e a formalização mais intensa do mercado de trabalho ocorreram nos locais mais pobres do país, aponta estudo do mais recente “Boletim Regional”, do Banco Central (BC).
Por Sergio Lamucci, no jornal Valor Econômico
Publicado 22/02/2010 13:31
Segundo o BC, a evolução favorável do rendimento da população de baixa renda, incluindo aí os recursos dos programas de transferência do governo (como o Bolsa Família), e “o crescimento contínuo no nível de ocupação nessa mesma classe” são os aspectos que mais chamam a atenção nos últimos dois anos, contribuindo decisivamente para a melhora no quadro de distribuição de renda do país.
Um dos destaques no estudo do BC é o crescimento muito mais forte do emprego com carteira assinada do que o da ocupação total no Norte e Nordeste – as duas regiões mais pobres do país. No Norte, os postos de trabalho formais cresceram a uma taxa média anual de 6,6% entre 2003 e 2008, bem acima do 1,6% registrado pela ocupação como um todo na região. No Nordeste, os postos de trabalho formais aumentaram 5,2% ao ano no período, enquanto o emprego total avançou 1,3%. Para comparar, o Sul viu os empregos com carteira assinada subirem a uma taxa média de 4,4% no período, ante 1,4% do nível total de aumento da ocupação na região.
Para a professora Tania Bacelar, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), esse movimento se explica em parte pelo fato de que há muita informalidade no mercado de trabalho no Norte e no Nordeste. Com a melhora das condições da economia, há uma maior formalização dos empregos. Em muitos casos, o trabalhador informal continua com o mesmo patrão, mas passa a ter carteira assinada. “Nesse período o Norte e o Nordeste cresceram a um ritmo mais rápido que o resto do país”, diz Tania, citando outro motivo para o avanço mais forte da formalização nas duas regiões. Entre 2003 e 2007 (ainda não há dados para o PIB por regiões para 2008), o Norte cresceu a uma taxa média de 6% e o Nordeste, de 4,5%, enquanto a taxa média do Brasil ficou em 4%.
A professora também acredita que, nas cidades menores, programas como o Bolsa Família ajudam a criar empregos, inclusive formais. “São economias muito frágeis, em que os recursos do programa ajudam a mobilizar a atividade econômica local.” Já o pesquisador Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia que os programas sociais não têm um impacto significativo na criação de mais empregos formais. “Eu gostaria que fosse verdade, mas esse processo é muito mais consequência do crescimento da economia e do fato de a informalidade ser maior nesses lugares.”
O relatório do BC também destaca a forte redução da pobreza nos últimos anos. De 2003 a 2008, a incidência da pobreza no Nordeste caiu 19 pontos percentuais (de 61% para 42% da população) e 15 pontos no Norte (de 48% para 33%), segundo números do Ipea. “Em horizontes de cinco anos, esses foram os maiores decréscimos registrados nas séries regionais, iniciadas em 1981″, aponta o relatório. “Ainda que a pobreza permaneça concentrada no Norte e no Nordeste, os dados apontam para uma redução das divergências regionais”, continua o estudo do BC, ponderando, contudo, que em termos relativos essas duas regiões reduziram em menos de um terço a incidência de pobreza, ao passo que nas outras regiões a queda ficou em torno da metade. No Sudeste, por exemplo, a incidência de pobreza recuou de 24% para 13% da população.
Uma característica importante dos últimos anos é que o rendimento real (acima da inflação) per capita dos mais pobres tem avançado a um ritmo superior ao das outras camadas da população, considerando todas as fontes de renda. É um fenômeno que ocorreu em todas as regiões do país, como mostra o relatório do BC. Entre 2003 e 2008, os rendimentos reais dos indivíduos de baixa renda cresceram entre 8,3% ao ano, na região Norte, e 10,1% no Centro-Oeste , um “ritmo de expansão comparável apenas aos observados para as economias com maiores taxas de crescimento no mundo”, diz o BC, ecoando os especialistas em políticas sociais, que apontam a expansão a um ritmo chinês da renda dos mais pobres nos últimos anos.
A expansão média anual do rendimento real das demais faixas da população ficou entre 4% no Sudeste e 6,7% no Centro-Oeste. O recorte para definir a baixa renda considera a população abaixo da linha média de pobreza de 2003 a 2008, que ficou em 51,3% no Nordeste e 17,6% no Sudeste.
Medida pelo coeficiente de Gini, a desigualdade de renda mostrou queda em todas as regiões entre 2003 e 2008, com exceção do Centro-Oeste, onde se manteve em 0,57 (o índice de Gini vai de zero a 1 e, quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade). As maiores quedas do Gini ocorreram no Sudeste, no Sul e no Norte, com recuo médio de 1,4% ao ano, segundo o BC. No Norte, caiu de 0,57 em 2003 para 0,50 em 2008.
A autoridade monetária ressalta a importância do crescimento mais vigoroso da economia no período, do expressivo aumento do salário mínimo e dos benefícios assistenciais e previdenciários no período para todo esse processo de avanços sociais, mas também destaca o papel da manutenção da estabilidade de preços – uma tarefa do Banco Central. Segundo o BC, ela contribui principalmente “para que os ganhos sociais obtidos não se diluam pelos efeitos nocivos e regressivos da inflação”.
Para Tania, a estabilidade de preços é fundamental para manter o poder de compra, protegendo especialmente os mais pobres, que não têm como se defender da inflação. Soares diz que, num ambiente hiperinflacionário, como o vivido no fim dos anos 80 e começo dos anos 90, o combate à pobreza e à desigualdade eram tarefas impossíveis, mas afirma ser difícil afirmar em que medida uma inflação de 4% ou de 7% ao ano faz grande diferença aí.
E em 2009, um ano de crise, em que o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter registrado variação próxima de zero? Para Soares, a pobreza e a desigualdade continuaram a cair no ano passado, apesar da turbulência na economia. Com o forte aumento do salário mínimo, o reajuste dos benefícios do Bolsa Família e o impacto modesto da crise sobre o mercado de trabalho, a pobreza e a desigualdade devem ter mantido a tendência de queda, avalia ele. “Pode ter havido alguma desaceleração no ritmo de recuo, ou nem isso.”