Messias Pontes – É imperioso democratizar as Forças Armadas (II)

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Continua na ordem do dia, como prioridade máxima, a ampliação dos espaços democráticos no Brasil, e isto só será possível com a democratização das Forças Armadas. É inconcebível, e até irracional, que setores ponderáveis da cúpula militar insista em impedir o avanço da democracia em nosso País. As viúvas da ditadura militar não podem nem devem estar dando palpites e fazendo ameaças. É preciso que compreendam que a guerra fria acabou e que a famigerada doutrina de segurança nacional já foi jogada na latrina.

Como comandante em chefe das Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve exigir respeito e impedir que as viúvas da ditadura militar continuem comemorando dentro dos quarteis o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 que redundou numa sanguinária ditadura, notadamente depois do golpe dentro do golpe em 13 de dezembro de 1968, quando foi instituído o terrorismo de Estado, verdadeira tragédia nacional.

É patológica a reação ao terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos decretado pelo presidente Lula em dezembro do ano passado e que prevê a criação da Comissão da Verdade. Se quando o PNDH-3 foi lançado o presidente Lula tivesse dado um chega pra lá nos comandantes militares e no próprio ministro da Defesa, Nelson Jobim, certamente teria desencorajado outros militares à aventura de conspirar contra a democracia.

Como recuou diante das pressões, agora o presidente Lula foi obrigado a exonerar o general Maynard Marques de Santa Rosa do Departamento Geral de Pessoal do Exército. Aliás esse general não deveria sequer ter ascendido ao DGPE, pois infringiu a disciplina militar quando se posicionou publicamente contra a decisão governamental de retirada dos brasileiros não-índios da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em setembro de 2007.

Confiado na impunidade, o general Santa Rosa assinou nota, semana passada, chamando a Comissão de Verdade, proposta para investigar os crimes cometidos pela ditadura, de Comissão da Calúnia. Pior ainda, ele afirmou que a Comissão seria composta de fanáticos que, no passado recente adotaram o terrorismo e cometeram outros crimes.

Se o então capitão Olímpio Mourão Filho tivesse sido punido pelo embuste do malfadado “Plano Cohen”, em 1937, seguramente ele, como general em1964, não teria se aventurado a sair com tropas de Minas Gerais para garantir o golpe militar em abril que depôs o presidente João Goulart, legal e constitucionalmente eleito.

O “Plano Cohen” foi elaborado por Mourão Filho a pedido do fascista Plínio Salgado para isolar os comunistas da sociedade. Segundo o “Plano”, os comunistas seqüestrariam autoridades como governadores de estado, ministros, desembargadores, prefeitos e parlamentares e assim se fortalecerem para tomar o poder. Com a sua ampla divulgação, criou-se as condições para justificar a instalação da ditadura do Estado Novo.

O general Santa Rosa, fazendo coro com o imperialismo norteamericano e os segregacionistas da África do Sul, deve ter chamado de terrorista o grande Nelson Mandela que o mundo todo o consagra e que agora comemora os 20 anos de sua libertação depois de 27 anos de prisão. Mesmo preso, Mandela comandou a luta contra o apartheid que negava à grande maioria negra direitos políticos, sociais e econômicos.

Como os resistentes brasileiros pós AI-5, Mandela também foi obrigado a recorrer às armas para defender a democracia no seu país. Isso aconteceu em 1960 depois que a polícia sul-africana praticou verdadeira carnificina, matando 69 pessoas e ferindo outras 180. No ano seguinte Mandela se tornou comandante do braço armado do Conselho Nacional Africano fundado por ele e outros democratas . Ele coordenou a justa campanha de sabotagem contra alvos militares e do governo racista, tendo viajado para a Argélia em 1961 para treinamento paramilitar.

Como os democratas brasileiros que se opunham à tirania militar passaram a ser tachados de terroristas e perseguidos como inimigos perigosos, Nelson Mandela também recebeu a pecha de terrorista, sendo preso em 1962 com o auxílio da CIA e condenado a cinco anos em regime fechado. Em 1964 foi condenado à prisão perpétua, acusado de sabotagem, que ele confirma, e por conspirar para ajudar outros países a invadir a África do Sul, acusação que até hoje ele nega.

Hoje, general Maynard de Santa Rosa, aquele “terrorista” que comandou a derrota da minoria reacionária branca, sepultou o apartheid e se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul é Nobel da Paz e cidadão do mundo. Qual de vocês, viúvas da ditadura militar, externou o repúdio à criminosa política de segregação racial naquele país africano?

Por tudo isso e muito mais é que é imperioso democratizar as Forças Armadas brasileiras!

Messias Pontes é jornalista e colaborador do Vermelho/CE

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