São Paulo e o dilúvio bíblico

Há 15 anos no governo, tucanos são incapazes de minimizar efeitos da chuva que vitimou quase 70 pessoas

Por Fernando Borgonovi*

Conta o Velho Testamento que Noé foi incumbido por Deus de criar uma arca para salvar espécies animais do dilúvio de 40 dias que se abateu sobre a Terra. Pois bem, que diria Noé ao saber que, no dia que escrevo essas mal traçadas, completam-se 45 dias seguidos de chuva em São Paulo?

E, como canta a marchinha, "as águas vão rolar", porque nada indica que até março a estiagem chegue por essas plagas. Mas a constatação de que está mesmo chovendo além da conta não exime a dupla Serra/Kassab das suas responsabilidades pelas tragédias que já vitimaram quase 70 pessoas.

O governador-candidato, por exemplo, vire e mexe aparece no twitter praguejando contra São Pedro, mas não fala uma palavra sobre o que fez o seu PSDB para amenizar a situação nesses 15 anos que controlam o estado.

Ocorre que em São Paulo, em particular na capital, todas as intervenções urbanas importantes dizem respeito ao trânsito caótico. Há sempre espaço para um plano genial de alargamento de vias, construção de novas pistas, sempre visando fazer fluir a torrente do transporte individual. Como não podia deixar de ser, temos uma cidade impermeabilizada, com enchentes diárias.

Exemplo clássico é o da Marginal Tietê, cujos operários que constroem a nova pista terão de levar escafandro e pé da pato para o trabalho, já que alaga constantemente. Também virou motivo de piada a obra de rebaixamento da calha do Tietê, a um custo faraônico, que prometia acabar com o transbordamento do rio e acabou com as próprias placas de propaganda naufragadas.

Que dizer do prefeito Kassab? Os moradores do jardim Pantanal, na populosa zona leste, estão com ele atravessado, porque afinal ninguém aguenta ficar, desde dezembro, com um metro e meio de água e esgoto parados na frente de casa. Não a toa levou uma vaia retumbante quando, a uma lentidão de tartaruga manca, resolveu se dignar a visitar o local alagado.

A oferta da prefeitura beirou a ofensa: três meses de auxílio-aluguel para as famílias. E, claro, a remoção do local – de fato inapropriado como moradia por ser várzea do rio, mas que foi ocupado décadas atrás e já conta inclusive com equipamentos públicos. Como, então, simplesmente remover as pessoas? É preciso que se dê destino seguro para aquelas famílias (e outras tantas atingidas em outros lugares), com moradia digna e a assistência necessária.

É fato que a cidade de São Paulo e sua região metropolitana são vítimas de seu próprio gigantismo. O crescimento e a ocupação desordenados, o completo desprezo pelos rios e suas margens, pelos morros e suas encostas, a febre do asfalto que não deixa um palmo de chão livre para ajudar na absorção das águas levaram a uma situação de semi-catástrofe.

O conluio tucano-pefelê comanda o governo estadual desde 1995 e a prefeitura da capital desde 2005, tempo bastante razoável para se construir políticas públicas de prevenção e combate das enchentes. De maneira que as tristes cenas que ora nos estarrecem são também reveladoras de um problema político: o esgotamento do ciclo de tais forças à frente do governo e da prefeitura.

Um novo ciclo para São Paulo

Não sou nenhum urbanista, mas, na escuridão da minha ignorância, vejo que grandes e pequenas intervenções têm de ser feitas para que São Paulo recobre um mínimo de normalidade. Algumas provavelmente dão menos votos do que mais asfalto e ampliação de vias, mas são visivelmente necessárias.

Deve-se fazer a revitalização do Tietê e a devolução de uma parte de suas margens, pois do jeito que está, apenas cavá-lo é malhar em ferro frio. Isso, obviamente, teria de ser acompanhado de muito (mas muito mesmo) investimento em transporte público, na capital e em toda a região metropolitana, bem como mais medidas que desestimulem o transporte individual, como a ampliação do rodízio de veículos, campanhas de incentivo à carona e tudo mais. Nada de padágio urbano como querem os tucanos e demos.

Ampliar significativamente as áreas verdes da cidade, como parques e praças, além de obrigar prédios e condomínios a não impermeabilizar um percentual do solo de seus terrenos. Investir pesadamente na habitação popular, de modo a garantir que as famílias que moram em áreas de risco não fiquem à mercê da sorte.

Colocar São Paulo nos eixos será uma tarefa hercúlea, mas fundamental. A qualidade de vida dos paulistas vai de mal a pior. Um novo projeto para o estado e para a cidade é necessário. Mas isso só pode ser conduzido por uma outra conformação de forças políticas no governo, capazes de dar novo impulso ao desenvolvimento do estado e combater seus enormes flagelos, dentre eles as enchentes e todo o sofrimento que ocasionam.

Do contrário, restará ao povo de São Paulo aguardar, pacientemente, a chegada de Noé e sua arca.

*Fernando Borgonovi,  é diretor de Comunicação da UJS e membro da Comissão Política do Comitê Municipal de São Paulo do PCdoB

Fonte: www.ujs.org.br