Renato Rabelo: estratégia para 2010 é o caminho do plebiscito
Em reunião do Comitê Central realizada neste final de semana em São Paulo, o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, fez uma detalhada análise da conjuntura nacional e internacional e apontou os desafios que estão postos para o compo popular e progressista, particularmente para os comunistas neste ano de 2010, ano de eleições gerais no país.
Publicado 08/02/2010 00:29 | Editado 13/12/2019 03:30
Segundo Renato Rabelo, para avançar na análise política da atual conjuntura, deve ser considerado um contexto mais amplo, nacional e internacional. É preciso destacar os diversos aspectos, no quadro político e econômico mundial, que afetam a situação nacional, e que foram mencionados por Renato.
Cenário da crise econômica mundial
Tendo em vista a conjuntura econômica do cenário de crise financeira mundial, disse ele, deve-se analisar a realidade dos países ricos e dos países emergentes, assim chamados. No caso dos países ricos, nota-se a aceleração do declínio progressivo dos Estados Unidos de sua posição hegemônica no sistema de poder mundial e — por outro lado — a relativa ascensão da China. Em perspectiva, disse o dirigente partidário, a retomada será lenta e duvidosa nos países centrais. O caminho se apresenta longo para retomar a situação pré-crise nestes países.
As intervenções estatais nos países ricos chegaram à casa dos trilhões de dólares, resultando em dívidas e déficits fabulosos. Somente os EUA deverão atingir a cifra de 1,53 trilhão de dólares de déficit em 2010, volume que já foi consagrado no orçamento deste ano do governo Barack Obama. A situação de vários países europeus — como Portugal e Grécia, entre outros — vêm abalando a confiança das Bolsas de Valores em todo o mundo. Os índices de desemprego chegam aos dois dígitos dos EUA e na Europa Unida também. A Espanha chegou ao nível de 18% de desemprego da força de trabalho. Detroit, o antigo centro mundial da indústria americana de automóveis, agora com inúmeras fábricas desativadas, simboliza a situação da deterioração econômica evidente.
Países emergentes
Em relação aos chamados países emergentes, como a Índia, o Brasil, a Federação Russa e a China – a situação mais favorável é a da República Popular da China, com um crescimento extraordinário de 8,7% e que pode crescer ao patamar de dois dígitos em 2010. A Rússia teve um encolhimento, mas tem condições de voltar a crescer. O processo de transição entre China e EUA — em se tratando da luta pela hegemonia — se dá de forma contraditória, não de maneira pacífica, mas com muitas tensões, pois os EUA não vão abandonar sua posição hegemônica espontaneamente. A China pode chegar à posição de segunda economia do mundo, suplantando o Japão, e é atualmente o maior exportador mundial. Neste começo de ano a indústria automobilística da China suplantou a produção de carros norte-americana. Entretanto, divergências comerciais, como a que ocorreu com a empresa americana Google, o encontro previsto de Obama e Dalai Lama, a venda de armas americanas a Taiwan, no valor de 6 bilhões e 400 milhões de dólares, são fatores de crescentes tensões. Quem sai da crise mais rapidamente, fica numa posição relativa melhor.
No cenário latino-americano, é preciso registrar a vitória da direita no Chile, um sopro de vida para a direita no continente. Existem problemas econômicos na Argentina, e a Venezuela enfrenta várias dificuldades de desabastecimento, apagões de energia elétrica, industrialização fragilizada etc. A tragédia dos terremotos no Haiti resultou na desorganização do país, provocou mais de 200 mil mortos, e o imperialismo entra em cena para se insinuar nesta situação e tentar tirar proveito do caos criado. Cerca de 11 mil homens das Forças Armadas dos EUA foram mobilizados, para intervir no país atingido pela catástrofe, passando a controlar o aeroporto da capital, contrapondo-se ao comando brasileiro na condução das tropas sob a bandeira da ONU.
A crise no Brasil
Renato, nesta fase do debate político, insistiu que a crise atingiu o Brasil, interrompendo uma trajetória de crescimento de seu PIB. Grandes empresas e bancos, envolvidos com grandes e arriscadas operações de derivativos, foram socorridos ou se fundiram para não quebrarem oficialmente. Tal foi o caso do Banco Votorantim, do Unibanco, da Sadia, da Aracruz Celulose. O país enfrentou também dificuldades de financiamento. O saldo da Balança Comercial caiu muito, as remessas de rendas aumentaram, resultando em déficit nas transações correntes em 2008 e 2009. Dólares especulativos passaram a inundar o país, o câmbio se valorizou muito. O governo foi obrigado a vender parte de suas reservas internacionais para ajudar os exportadores em dificuldades. Com a taxa Selic estável em 8,75%, o Brasil continua a ter os juros reais mais altos do mundo. Isto dificulta o investimento e o crescimento.
Porém, continuou Renato em sua exposição, o governo Lula agiu no sentido anti-cíclico, impedindo que a crise fizesse estragos maiores. O documento de autoria de Nelson Barbosa, secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, “Counter-cyclical policy in Brazil: 2008-2009”, sistematiza o conjunto destas medidas dividindo-as em três grupos. Algumas de caráter emergencial adotadas durante a crise e as novas medidas de caráter estrutural que estão em curso.
No primeiro bloco, Barbosa arrola aquelas oriundas de um “papel mais ativo do Estado na promoção do desenvolvimento econômico e na redução da desigualdade de renda”. Seriam elas: 1) os mecanismos de proteção social, especialmente o Bolsa-Família, programa que mesmo durante a crise teve aumento no aporte de recursos alcançando 9,3% do PIB e que, com isso, garantiu que não se reduzisse significativamente o consumo privado; 2) o crescimento contínuo do salário-mínimo; 3) o crescimento do investimento público desde 2006, especialmente na infra-estrutura, que ganhou forma com o PAC; 4) uma nova política industrial e 5) uma reestruturação geral das principais carreiras do serviço público, feita em acordo com as Centrais Sindicais.
Entre as medidas temporárias, num segundo bloco, Barbosa destaca a pronta resposta do governo para fornecer liquidez em moeda doméstica e estrangeira, visando conter a especulação contra o Real e oferecer facilidades temporárias de crédito ao setor exportador. As intervenções do BC relativas ao câmbio externo atingiram o volume de US$ 72 bilhões. Internamente, houve redução dos depósitos compulsórios. O Tesouro Nacional aportou recursos de vulto ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica. Com muita relutância do BC, as taxas de juros reais foram reduzidas durante a crise para 5% ao ano, depois de quatro meses da quebra do Lehman Brothers. Registro necessário deve ser feito de que o “BC havia elevado sua taxa anual de juros para 13,75% em 10 de setembro de 2008 a exatos cinco dias antes do colapso dos mercados financeiros mundiais”.
Um terceiro conjunto de iniciativas foi tomado relativas à renúncia fiscal para estimular as vendas e a produção. Por fim, Barbosa se refere às novas medidas de caráter estrutural adotadas durante a crise, que continuariam a ser aplicadas, tais como: 10 redução do importo de renda com a introdução de duas novas categorias intermediárias de renda; 2) o programa “Minha Casa, Minha Vida”, que visa construir um milhão de moradias para famílias pobres e de renda média.
Como resultado de todas estas medidas, finalizou Renato, em 2009 o PIB (que ainda não foi anunciado) não deverá variar em relação a 2008. Pode-se dizer que, relativamente aos países de capitalismo desenvolvido, bem como em relação a vários outros em desenvolvimento (México e Venezuela, por exemplo) o resultado brasileiro foi razoável. Para 2010, oficialmente se espera um crescimento na ordem dos 5%, retomando rapidamente a rota anterior à crise.
Projeto político de Serra é neoliberal
Para sua transformação numa grande e influente nação, próspera, justa e solidária, o Brasil precisa ter pelo menos 20 anos de desenvolvimento contínuo e o aprofundamento de uma linha e condução democrática e progressista com amplo respaldo popular e lideranças populares reconhecidas. Segundo o pensamento de Renato — do ponto de vista histórico — com os dois mandatos presidenciais de Lula, de maneira insólita, o Brasil começa a reunir condições de esboçar objetivamente um novo projeto nacional de desenvolvimento. A força da liderança nacional de Lula e a dimensão da sua liderança internacional — com o protagonismo do Brasil na cena mundial – faz com que a elite conservadora faça de tudo para tentar barrar a continuidade do projeto e das forças lideradas por Lula. Ela reage a um projeto que lhe é estranho, comandado por forças que não são da sua confiança.
O projeto político de Serra, em última instância, estará comprometido com forças políticas e sociais que sustentaram o governo inaugurado pelas duas gestões de Fernando Henrique Cardoso na década de 1990. Vem a ser um projeto restritivo ao progresso social e à ampliação da democracia, anti-estatal, sendo que a posição dos tucanos na política externa é de subserviência aos interesses norte americanos e europeus. Um divisor de águas é saliente, conclui Renato: a direita pretende criminalizar o movimento social, usando a polícia e não diálogo.
A questão da integração continental – para esses setores conservadores — é inviável, uma demagogia. Vão continuar a lutar para reduzir o papel do Estado nacional. Essa é a linha da base política do PSDB (partido estruturante da direita), o DEM e o PPS. Além disso, a direita conta com grande estrutura política na grande mídia (que faz uma opção aberta pró-Serra). A base social principal em grandes camadas médias da população, sobretudo no sul e sudeste do país, grandes empresários, banqueiros e novos agentes financeiros.
Por isso Renato Rabelo insistiu que a estratégia correta da campanha presidencial deva ser o caminho do plebiscito — comparar este governo com último tucano (FHC) que dirigiu o país e explorar o desejo de continuidade. São dois modelos antagônicos entre o campo de Lula e os tucanos. Diluir este fato é ajudar a direita. Os setores conservadores vão fazer tudo para impedir esta polarização. Renato conclamou a direção a reunir forças políticas e sociais, democráticas e progressistas, fortalecendo um núcleo de esquerda, em torno da liderança de Lula (oportunidade histórica para perseguir grandes transformações), considerando principalmente sua proposta de candidatura sucessora.
Ao cabo da reunião foi aprovado o documento relativo ao projeto eleitoral do PCdoB para a campanha de 2010 (clique aqui para ler).
Foram aprovadas também algumas moções, entre elas a alusiva às comemorações dos 100 anos do 8 de Março (Dia Internacional das Mulheres). Leia aqui
De São Paulo,
Pedro de Oliveira
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Atualizada dia 08/02 às 15h57