Antonio Capistrano: Velhos Carnavais
Quando chega o carnaval me dá uma saudade danada dos carnavais da minha mocidade. Vêm à lembrança os velhos carnavais. Mas, isso faz parte das reminiscências de todos. Claro, cada geração tem as suas lembranças. Em regra geral, tem saudades do seu tempo de adolescente, época marcante na vida de qualquer pessoa.
Publicado 05/02/2010 12:06 | Editado 04/03/2020 17:08
Vivi a minha infância e adolescência, fascinado com o carnaval, a maior festa popular do nosso país. Era uma espera ansiosa pelo Reinado de Momo. Terminada as festas natalinas, com os festejos de Santos Reis, com os seus pastoris e bumba-meu-boi, a expectativa passava ser o carnaval, começava os ensaios das escolas de samba e das tribos de índios, a partir de janeiro eu escutava da minha casa os batuques dos ensaios, existia todo um clima carnavalesco que empolgava os moradores do bairro.
As Rocas tinha suas figuras pitorescas, alguns craques do futebol, que no carnaval, como diz a gíria, soltava a franga, saiam nas troças, às famosas bagunças, eram irreverentes, conhecidos valentões, como o famoso Luiz Rola, um malandro das antigas, sem falar em Burro Preto, jogador de futebol e folião, personagens populares.
Período momesco, quatro dias de folia, esperado ansiosamente por todos. Serpentina, confete, lança perfume, fantasia, máscara, tudo isso fazia à festa do povo. São lembranças que com o passar dos anos ficam mais vivas na minha memória.
Lembro da Rua São João, uma verdadeira avenida dos antigos carnavais. Os cortejos carnavalescos desembocavam no largo da Feira, defronte à Igreja São Jorge, as troças, cheias de graça, com os papangus, dançando e cantando as machinhas e frevos, caminhava desde o Areal até o Canto do Mangue, momento mágico que ficou gravado nas minhas reminiscências. Era uma verdadeira bagunça organizada.
Meu pai, Benjamim Capistrano, telegrafista do DCT, tirou uma casa na Vila do IPASE. Vila de funcionários públicos federais e, a partir de 1957, fomos morar no Tirol, na Rua João Lindolfo, vizinho a Escola Domestica. Nessa época eu tinha 10 anos, ainda criança, mas já acompanhando as festas da minha cidade. A nossa casa ficava bem localizada, esquina com a Hermes da Fonseca, próximo ao Juvenal Lamartine, perto do Aéreo Clube, do 16° RI, e, da sede do América Futebol Clube, uma área privilegiada.
No Tirol o carnaval era diferente do carnaval das Rocas, predominava os blocos e os bailes nos clubes da elite natalense. No final da tarde íamos para o corso na Deodoro da Fonseca e, a noite, para o desfile das Escolas de Samba na Ribeira.
Sinto saudades dos vesperais carnavalescos do Aéreo Clube, parece que quanto mais o tempo passa a nostalgia aumenta. Era uma festa alegre, o clube ornamentado com máscaras, serpentinas, um cheiro agradável de lança perfume, à orquestra tocando marchinhas, samba e frevo, a garotada pulando, jogando confetes, serpentinas e jatos de lança perfume para todos os lados. Momento mágico, guardado na memória como uma relíquia. O carnaval era esperado por todos. Festa de rua e de clube, desfile de escolas de samba e das tribos de índios. O corso, momento aguardado com muita alegria, começava no final da tarde inicio da noite, o percurso era praticamente o mesmo todos os anos, da rádio Poti a Rua Apodi, na Avenida Deodoro da Fonseca. A turma jogando pó de arroz e água nas pessoas que passeavam nos carros, era festa do povo. Um dos grandes foliões era o prefeito Djalma Maranhão.
No mês de dezembro tinha o lançamento das músicas para o carnaval do ano seguinte. Os principais intérpretes da MPB gravavam seu LP com sucessos para o reinado da folia. As emissoras começavam a tocar e o público ia escolhendo a preferida, uma delas marcava aquele carnaval, um samba, uma machinha ou um frevo.
O frevo, geralmente na voz de Claudionor Germano, intérprete de Capiba e de Nelson Ferreira, frevos como: “Deixe o Homem Se Virar” de Capiba, ou “Chora Palhaço” de Nelson Ferreira, ou ainda, “Voltei Recife” de Luiz Bandeira, fazia os foliões, nos clubes e nas avenidas, enlouquecer, era uma alegria geral.
No final dos anos 70 fui morar em Mossoró, face final dos grandes carnavais de clube. Participei dos últimos carnavais na ACDP, no Clube Ipiranga (ACEU) ou na AABB, carnavais animados por boas orquestras, tocando frevos, machinhas e o velho samba, com a presença de blocos de salão, muita fantasia e grande animação. Nesse período o carnaval de bairro já estava em decadência, não só em Mossoró, mas na maioria das cidades brasileiras. Início da ocupação das bandas baianas e, por incrível que pareça, das bandas de forró cearense, comercialização dos grandes carnavais, fim da era romântica, da espontaneidade, da irreverência, do deboche e da critica.
Tenho saudades, não a saudade doentia, mas, a saudade gostosa dos velhos carnavais, da alegria do nosso povo, da sua irreverência.
Ultimamente iniciou-se um resgate, em todo o país, dos velhos carnavais, isso é bom, sinal de que a cultura não morre. Não morre e nem pode morrer, ela se moderniza. Em Natal a resistência continua com os velhos carnavais. O bloco das Bandas do Potengi, neste sábado, 6 de fevereiro, estará saindo do Bar de Nazaré, na Rua Cel. Cascudo, Cidade Alta, as 15 horas, percorrendo algumas ruas da cidade, terminando no Largo do Atheneu. Muito bom! Um bom sinal. Prova de que a cultura de um povo não se mata, ela resiste. Vá lá, vamos prestigiar, veja um bom carnaval, vamos matar a saudade dos Velhos Carnavais no bloco das Bandas do Potengi.