Renato Rabelo: é preciso isolar a direita e unir progressistas
O ano de 2010 pode ser considerado um momento de tudo ou nada na política nacional. Com uma disputa polarizada se desenhando para a presidência, a batalha será entre a possibilidade de continuar o ciclo progressista aberto por Lula em 2002 ou de regredir com a volta da direita. Nos bastidores, os partidos se articulam para fazer valer sua posição.
Publicado 20/01/2010 21:07
Nesta entrevista, o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, diz que é preciso “isolar as forças conservadoras” e “unir as forças progressistas e democráticas” para garantir mudanças mais estruturais para o país.
De acordo com o dirigente, embora haja um esforço da direita para dar ao pré-candidato José Serra (PSDB) ares mais democráticos e tirar a figura de Lula da disputa, o candidato tucano “só poderia se eleger dentro de um esquema que não é democrático, popular e nem de esquerda. É um esquema que, justamente, se contrapõe ao campo representado por Lula. Serra está, sim, comprometido com os setores dominantes e conservadores”.
Segundo Rabelo, o interesse do PCdoB nestas eleições é – além de buscar aumentar sua força – contribuir para que a esquerda como um todo consiga “melhores condições de influir e dar consequência ao núcleo de um futuro governo mudancista, garantindo assim um programa avançado para o Brasil”
Partido Vivo: Quais devem ser as principais tarefas do PCdoB para estas eleições?
Renato Rabelo: Vencer a eleição presidencial é a principal guerra política que travaremos neste ano porque se a corrente de direita vencer, todo esse curso político iniciado com a posse de Lula estará barrado. Não se trataria exatamente de um retorno ao que foi o governo de FHC porque as coisas mudaram, mas de qualquer forma, seria um retrocesso. E, como forma de iludir a opinião pública e o eleitorado, a oposição diz que a disputa deve ser entre Dilma Rousseff e José Serra. Na verdade, não devemos fazer comparações em torno desses nomes, mas sim em torno de programas; ou seja, a disputa é entre duas forças políticas completamente diferentes. Serra, por exemplo, tem origem na esquerda, participou de governos progressistas como o de Montoro, mas hoje ele só poderia se eleger dentro de um esquema determinado que não é democrático, popular e nem de esquerda. É um esquema que, justamente, se contrapõe ao campo democrático e popular representado por Lula. Serra está, sim, comprometido com os setores dominantes e conservadores.
Há ainda a candidatura de Marina Silva que, se não tiver apoio de setores políticos mais à direita, não terá muito futuro. E, ao que tudo indica, a direita não vai se interessar por ela uma vez que já conta com uma candidatura com melhores condições de vitória: a de José Serra. A tendência, portanto, é de polarização entre a direita, cujo núcleo estruturante é o PSDB, e o campo composto pelas forças que sustentam o governo Lula. Mesmo outra candidatura deste campo – como a de Ciro Gomes – só teria condições de acontecer com o beneplácito do Lula; aliás, o próprio PSB fala isso. E acho que, até agora, a compreensão de Lula é que deve haver apenas uma candidatura unificando o campo progressista e levando de fato a uma situação plebiscitária.
Partido Vivo: Ainda hoje, há um discurso que tenta igualar Lula e FHC…
RR: Sim, é uma tentativa de encobrir e confundir a disputa dizendo que Lula é uma continuidade de FHC porque a política macroeconômica é a mesma. Primeiramente, a atual política macroeconômica não é a mesma dos tucanos. FHC seguia um tipo de orientação conhecida como Consenso de Washington e que foi pregada para toda a América Latina como fundamento a partir da década de 1990. Quando Lula se elegeu, não reunia ainda força necessária para mudar essa política. Mas o importante é que Lula foi fazendo um movimento que tenta mitigar esse viés. Faz parte desse movimento – e aí está uma grande diferença entre os dois presidentes – as políticas de fortalecimento do Estado nacional e das estatais, barrando assim o desmonte feito durante a era FHC. Além disso, Lula adotou uma política mais expansiva, de maiores investimentos, criou o Fundo Soberano – algo inimaginável no governo tucano –, começou a diminuir os juros – que ainda são altos – e aumentou o investimento social – o que, no governo de Fernando Henrique era só fachada. Por tudo isso, costumamos dizer que o resultado foi uma política econômica contraditória.
Partido Vivo: Também mudou a política externa…
RR: Este é outro aspecto importantíssimo. Com FHC, a relação do Brasil era com o Norte, uma concepção de alinhamento com os Estados Unidos e a Europa. Agora, a relação é Sul-Sul, com o Brasil se voltando para a América Latina, África e Ásia. Hoje, o País conquista sua soberania e, como disse o (ministro das Relações Exteriores) Celso Amorim “não pede licença” para ninguém. Aqueles que eram responsáveis pela política de FHC são hoje contratados para criticar a política atual taxando-a de terceiro-mundista, dizendo que é subordinada à Bolívia, ao Paraguai, quando na verdade é uma política de integração do continente que FHC sequer esboçou. E integração significa atitude solidária para que todos os países atinjam patamares melhores. Além disso, nos livramos da Alca e do FMI. São diferenças fundamentais e estratégicas para o país. Diante desse quadro e levando em conta uma série de outros fatores, concluímos que nosso grande objetivo político deve ser reunir forças para que a base que hoje apóia o governo Lula se mantenha unida para eleger o seu sucessor, para dar continuidade a esse ciclo político. Já são oito anos e se essa linha continuar por mais quatro ou mais oito anos, teremos 16 anos de um mesmo projeto, tempo que possibilitará transformações maiores em nosso país.
Partido Vivo: O Brasil vive ótima fase de reconhecimento internacional, mas esse “oba-oba” com o país não pode acabar limitando ações mais mudancistas?
RR: Na verdade, devemos aproveitar esse momento favorável para lutar pela continuidade desse ciclo. Houve um grande empenho do governo em dialogar e levar para sua base forças democráticas e populares, o que é raro no Brasil, país onde a elite conservadora – que por tantos anos dominou o poder – nunca fez. O golpe de 1964, por exemplo, foi uma tentativa de barrar o ascenso de forças com esse caráter. A elite conservadora não quer acabar com seus privilégios e ainda tem muita força econômica e política. Temos, portanto, que impulsionar os setores que apoiam Lula para continuar por esse caminho e trabalhar para superar seus limites.
Partido Vivo: Que limites destaca como sendo os principais da gestão atual?
RR: Primeiramente, a política macroeconômica que, apesar das mudanças que mencionei, ainda é conservadora. Um de seus principais problemas é a questão dos juros altos, o que resulta na enorme transferência de recursos para um setor muito pequeno da sociedade, que ganha dinheiro com a especulação, em detrimento do setor produtivo. O setor financeiro, como se sabe, é responsável por essa crise mundial. Outro limite que deve ser superado é a questão da desigualdade social, a concentração de renda e riqueza, que ainda são muito grandes. Para isso é preciso, entre outras coisas, de uma reforma tributária progressiva. Este é um fator que cria um círculo vicioso gerador de desigualdades. Afinal, quem ganha menos é relativamente mais tributado do que quem ganha mais porque o tributo recai sobre o consumo, atingindo todo mundo. O que devemos fazer é tributar as grandes rendas e retirar os impostos cobrados sobre o consumo, sobretudo o consumo básico e popular. A distribuição de renda feita por Lula com o Bolsa Família e outros programas de transferência de renda, que são positivos, é primária, um socorro que consiste em dar uma pequena renda a quem não tem nada. Mas, a desigualdade é mais profunda e para resolvê-la é preciso haver mudanças estruturais como a reforma tributária. Também é preciso melhorar a educação e a saúde e garantir seu acesso universal, o que igualmente contribui para diminuir as desigualdades, assim como a segurança pública.
Partido Vivo: Para garantir a continuidade, será preciso mais uma vez fazer aliança com setores como o PMDB, que não estão necessariamente comprometidos com esse sentimento de mudança…
RR: A necessidade de alianças reflete uma determinada correlação de forças no plano político. Se a base necessária para que a gente dê continuidade a esse ciclo requerer aliança com o PMDB, será preciso contar com seu apoio. Afinal, como governar se não tivermos o maior partido do país pelo menos neutralizado ou nos apoiando? A saída, portanto, é compor alianças e garantir um núcleo formado por forças mais consequentes e que defenda um programa comprometido com um projeto de país mais soberano, democrático e socialmente justo. A própria Dilma coloca que essas forças devem formar o núcleo do governo. Uma coisa é o governo ficar submetido a forças de centro ou de direita; a outra é fazer alianças amplas, porém garantindo a execução de um programa mais democrático e progressista. O PCdoB vê a aliança ampla como necessária para que se dê prosseguimento a esse curso político e para que se garanta a governabilidade; mas, ao mesmo tempo, essa aliança precisa ter um rumo definido que nos permita avançar. Além disso, no próprio PMDB, há também setores comprometidos com esses objetivos.
Partido Vivo: Há alguns pontos no governo Lula que decepcionaram setores progressistas da sociedade, justamente porque, por vezes, o governo estava amarrado a uma aliança que impossibilitava avançar em certos assuntos, como ocorreu com a questão da reforma agrária. Como lidar com esse tipo de dificuldade?
RR: Primeiramente, isso depende muito de mudar as forças que hoje dominam o Congresso Nacional. Se não conseguirmos isso, ficaremos sempre sujeitos à pressão e à influência desses setores. Os ruralistas, por exemplo, são comprometidas com interesses dos grandes proprietários rurais e empresas multinacionais, e têm muita influência. Não podemos permitir que o Brasil, país de grande extensão territorial, tenha um sistema baseado em grandes propriedades rurais. É preciso democratizar a terra com uma reforma agrária que, de fato, permita aos que queiram trabalhar na terra ter acesso a ela. É preciso isolar essas forças conservadoras e trabalharmos para que as forças progressistas, democráticas e de esquerda se unam cada vez mais para defender os interesses do povo. Em resumo, mudar esse cenário depende de luta política.
Partido Vivo: Nesse sentido, é importante saber qual deverá ser a tônica das candidaturas do PCdoB, especialmente no Congresso Nacional…
RR: A direção do partido está empenhada no projeto político de 2010, focando-se sempre no objetivo de contribuir para a formação de uma aliança exitosa e que garanta a eleição do sucessor ou da sucessora de Lula. O segundo ponto é fazer com que o próprio partido – e também a esquerda – possa também se fortalecer. Para o PCdoB, nas condições atuais, a meta é conquistar uma bancada com mais de duas dezenas de deputados federais. Se conseguirmos isso, passaremos para um próximo patamar que resulta em ampliação do fundo partidário, maior tempo de rádio e TV, maior estrutura e força para atuar no Congresso e por aí vai. Queremos também formar uma bancada no Senado. Hoje temos um senador e queremos conseguir ao menos mais dois, o que é bastante factível, formando assim uma bancada. O cenário para isso é bastante positivo, especialmente no Acre e no Amazonas. Podemos, ainda, disputar governos de estado, como é o caso do Maranhão. Tudo isso é uma forma de fazer com que PCdoB tenha mais força e maior influência. Mas, o nosso interesse é que não só o PCdoB cresça, mas sim toda a esquerda para que tenhamos melhores condições de influir e dar consequência ao núcleo de um futuro governo mudancista garantindo assim um programa avançado para o Brasil.
De São Paulo,
Priscila Lobregatte