"Polêmica deu visibilidade aos direitos humanos no Brasil"
"A maioria da mídia brasileira demorou 18 dias para descobrir a importância do PNDH3 por absoluta falta de aptidão para temas que saiam da área econômica, onde seus interesses estão, geralmente, concentrados". A avaliação é de Rogério Sottili, ministro em exercício da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Para ele, a polêmcia criada em torno do programa tem como lado positivo a visibilidade inédita que o tema ganhou no país.
Publicado 19/01/2010 12:32
Por outro lado, observa, também houve uma série de interpretações equivocadas, que refletem ainda o preconceito e um debate viciado com os temas de direitos humanos. "Em parte isso se dá pelo despreparo de parcela da mídia ao tratar de forma superficial, ao invés de entrar nos temas relevantes para o país. Ao ser surpreendida nestas situações, a mídia passa a procurar, como disse o Presidente Lula, 'chifre em cabeça de cavalo'", disse o ministro, em entrevista à Carta Maior. Confira abaixo:
Carta Maior: Qual sua avaliação sobre toda essa polêmica em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos e da proposta da Comissão da Verdade?
Rogério Sottili: Minha avaliação é muito positiva. Nunca se discutiu tanto direitos humanos no Brasil como neste momento, com a mobilização social em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). O debate também mostra que existe uma rede de direitos humanos que está atenta para a discussão, com a diversidade de opiniões. O PNDH-3 representa um avanço histórico nesta área no Brasil. No processo de construção, a participação social e o envolvimento direto de 31 ministérios, como co-responsáveis pelas ações e pelo seu monitoramento, é algo inédito.
Também houve uma série de interpretações equivocadas, que refletem ainda o preconceito e um debate viciado com os temas de direitos humanos. Em parte, isso se dá pelo despreparo de parcela da mídia ao tratar de forma superficial, ao invés de entrar nos temas relevantes para o país. Ao ser surpreendida nestas situações, a mídia passa a procurar, como disse o Presidente Lula, “chifre em cabeça de cavalo”.
O Programa é abrangente pela própria natureza dos Direitos Humanos – que envolve os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. É resultado de um amplo e longo processo de debate com a realização de conferências em todos os estados e no Distrito Federal. As polêmicas que ganharam espaço e se multiplicaram na mídia se deram em temas que já eram polêmicos historicamente, e refletem a pluralidade da sociedade brasileira, que precisa debatê-los.
Assim, posso afirmar, sem dúvida, que o Brasil construiu um documento de vanguarda. Conseguiremos avaliar melhor quando nos afastarmos um pouco dessa discussão acalorada. Em relação à proposta da criação da Comissão da Verdade, trata-se de um passo fundamental para nossa democracia e para garantir o Direito à Memória e à Verdade.
O decreto, assinado pelo presidente Lula no dia 13 de janeiro, criando o grupo de trabalho para elaborar o anteprojeto de lei a ser enviado ao Congresso, já é a primeira medida concreta para execução do PNDH-3. Ele permite o desenho do formato dessa Comissão, a partir das diretrizes do PNDH-3 e das experiências de outros países. Isso contempla toda nossa expectativa, como uma grande vitória na construção histórica dos direitos humanos.
Carta Maior: O que esse debate indica a respeito do atual estágio da democracia no Brasil?
Rogério Sottili: Para a democracia brasileira o debate é fundamental por excelência, mobilizou e chamou a atenção de parcelas importantes da sociedade. Nós não esperávamos essa repercussão, que já consideramos um avanço para o amadurecimento da sociedade, em torno de algumas discussões históricas que precisam e devem ser feitas.
Eu destacaria as manifestações públicas de personalidades e de entidades representativas como a Ordem dos Advogados do Brasil, Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, entre outras centenas de manifestações.
No Brasil, o período democrático acaba de completar 21 anos como a própria Constituição Federal promulgada em 1988, chamada de Constituição cidadã. Nosso governo já avançou muito nos temas de Direitos Humanos, como o combate à fome, e temos muitos outros desafios, como a expansão de Direitos Humanos para todos os brasileiros e brasileiras. Isso tudo mostra que o Brasil quer discutir esses temas, quer debater a promoção e defesa dos Direitos Humanos
Carta Maior: Na sua opinião, as propostas de mudança de texto, sugeridas pelo governo, comprometem em alguma coisa o programa como um todo?
Rogério Sottili: De forma nenhuma. O texto do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) não sofreu qualquer alteração. É a partir dele que continuaremos trabalhando. Nessa perspectiva, o decreto assinado pelo presidente Lula no dia 13 de janeiro, criando o grupo de trabalho que vai elaborar o anteprojeto para instituir a Comissão Nacional da Verdade, é a primeira medida concreta para implementar o PNDH-3. Pretendemos cumprir os prazos estabelecidos e encaminhar ao Congresso Nacional o anteprojeto de lei, esperando que seja aprovado pelos legisladores como um grande avanço democrático.
Carta Maior: Diante da reação conservadora, há alguma chance de avanço no país do debate sobre os crimes cometidos durante a ditadura (tortura e desaparecidos)?
Rogério Sottili: A proposta de criação da Comissão da Verdade já é fruto de um amplo debate sobre isso, o que mostra que o Brasil quer e está preparado para discutir esse tema, a sociedade quer conhecer sua história. É um avanço civilizatório.
Sobre a interpretação da abrangência da Lei da Anistia, isso será debatido e julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), na arquição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Carta Maior: Qual sua opinião sobre a participação da chamada grande imprensa neste episódio?
Rogério Sottili: Boa parcela da grande mídia não teve interesse no tema durante todo o seu processo de construção, uma anomalia que se torna regra para temas importantes discutidos pela sociedade.
A mídia demorou 18 dias para descobrir a importância do PNDH-3 por absoluta falta de aptidão para temas que saiam da área econômica, onde seus interesses estão, geralmente, concentrados. Todo o processo público de elaboração do documento, que levou um ano até a realização da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, dezembro de 2008, foi ignorado, como acontece com a maioria das conferências realizadas no Brasil.
Diante deste quadro preocupante de desinformação, as novas mídias tiveram o papel de reduzir danos e dinamizar a mobilização da sociedade em torno do tema.
Carta Maior: Como responderia à "acusação" de revanchismo, levantada pelos adversários da proposta da Comissão da Verdade?
Rogério Sottili: Não há revanchismo em buscar a verdade. O Direito à Memória e à Verdade é um direito fundamental, inquestionável, garantido pela Constituição. Ninguém está debatendo punição. Enfrentar esse tema, conhecer a verdade é essencial para virarmos essa página da história de forma transparente e evitar que ela não se repita.
Fonte: Carta Maior