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Estadão se contradiz ao vislumbrar a nova "crise" do governo Lula

“Depois da crise aberta pelo conteúdo do Programa Nacional de Direitos Humanos e da polêmica de controle de mídia proposta pela Conferência Nacional de Comunicação, o governo já tem nova confusão interna com data marcada para acontecer.” É assim, sem meias palavras, que O Estado de S.Paulo volta a resmungar contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste domingo (17), às vésperas da 2ª Conferência Nacional de Cultura.

Por André Cintra

Marcado para os dias 11, 12, 13 e 14 de março, o encontro tem em seu texto-base, segundo o Estadão, “conceitos e propostas que atacam a mídia, preveem interferência em áreas como ciência e tecnologia e meio ambiente e defendem ampliação da atuação do Estado”. Mais adiante, eleva-se o tom: “O texto dispara em várias direções, defende a intensificação da participação do Estado e critica ou deseja intervir de alguma maneira sobre atividades de mídia.”

O blábláblá do jornal, que começa genérico, atém-se depois ao campo da comunicação social e cita como exemplo o item 1.4 do texto-base: “O monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural”.

Fiquemos em três pontos da discussão.

1) O governo Lula não põe a grande mídia em risco
Tratando-se de monopólio midiático, não dá sequer para pensar que há crise à vista. A própria realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro, não impediu que o governo federal continuasse a injetar verbas nos veículos da grande mídia, sobretudo a TV Globo. Acrescente-se que a exabundante concentração de publicidade oficial na mídia burguesa — dinheiro do povo destinado a interesses antipopulares — ainda é o principal sustentáculo da produção jornalística em larga escala no país.

Além do quê, se o governo tivesse realmente determinado a demolir os superpoderes dos barões da mídia, Lula poderia começar seu embate com uma simples canetada, assinando a demissão de Hélio Costa, o pérfido ministro das Comunicações. A situação está invertida: o prestígio de Costa em certos setores do governo cresceu tão absurdamente que ele é cotado para ser o vice da ministra Dilma Rousseff na disputa presidencial de outubro.

2) O texto-base está amparado pela Constituição
Uma breve nota postada no blog do jornalista Luis Nassif revela que o Estadão quer fazer fumaça sem fogo. Segundo Nassif, a fraca matéria “destaca duas propostas que representam a ameaça que tanto preocupa o professor Hariovaldo, ambas já existentes na Constituição Federal e apenas aguardando regulamentação:

1. A obrigação da regionalização na produção cultural. Ou seja, a TV Globo, ou Bandeirantes, ou Record, ou a CBN, solicitando de suas próprias afiliadas que produzam parte da programação. Tudo sob controle das redes e das afiliadas.

2. Em vez do sistema de jabá, preferência às ‘finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, à promoção da cultura nacional e regional e à produção independente’. Ou seja, as concessões públicas cumprindo uma função pública."

 

A xiadeira do Estadão já havia sido rebatida pela secretária de Articulação Institucional do Ministério da Cultura, Silvana Lumachi Meireles, que defendeu o texto-base sem titubear. “As propostas passaram pela análise em 2.992 municípios de todos os estados que fizeram suas conferências. Nesse universo representativo, esses temas não geraram polêmica.” Sobre o que o Estadão insinua como censura, Silvana explica: “Estamos falando de direito à informação, e não de controle da liberdade”.

Na opinião de Nassif, o jornalão paulista, ao acusar “o perigo vermelho na Cultura”, dá curso à série “que saudades que tenho da guerra fria” e confirma que “o espírito de Pavlov é invencível: qualquer besteira, depois que entra no circuito de manchetes da mídia, ganha vida própria”.

3) O Estadão se contradiz
O mais curioso nesse escarcéu todo é que o tradicional jornal paulista, depois de dedicar uma página com imenso destaque ao assunto — com direito a chamada de capa —, acaba por relativizar a importância da Conferência de Cultura. Aliás, minimiza o valor de todo e qualquer encontro do gênero:

“No governo Lula, as conferências nacionais têm sido realizadas constantemente e produzido propostas polêmicas, mas inócuas. Na prática, servem para que o presidente Lula dê voz ao público interno do PT e dos movimentos sociais, que levantam bandeiras controvertidas, mas acabam não tendo consequências”.

 

Lula, de fato, valorizou esse expediente democrático. Em sete anos, seu governo promoveu 60 conferências nacionais, reunindo 4 milhões de pessoas. Somente a agora “autoritária” Secretaria Especial de Direitos Humanos fez 12 conferências nesse período. Mas eventos similares ocorrem desde 1941, e até  governo Fernando Henrique Cardoso realizou suas 21 conferências. À época, a grande mídia não se prestou a esbravejar contra as propostas aprovadas nem os textos-base, tampouco acusou FHC de usar os encontros para “dar voz” aos tucanos.

Novas indignações à parte, resta saber por que o Estadão dá tanta visibilidade a um evento que, a seu ver, tende a gerar apenas “propostas polêmicas, mas inócuas”? Que “ameaça” é esta?