Segunda e última parte da entrevista com Luciano

Na segunda e última parte da entrevista, Luciano Siqueira discorre sobre o atual momento do PCdoB, o novo programa socialista e os desafios do partido para 2010 e lança ainda um novo olhar sobre o papel do vereador.

luciano siqueira

Seu mandato de vereador se somou a presença cada vez mais significativa do PCdoB na frente institucional, uma novidade para o partido. Esse é um novo momento da legenda?

LUCIANO SIQUEIRA – É sim. Nos últimos anos, a cada eleição, o PCdoB tem aumentado sua presença na esfera institucional, tanto em governos quanto no Parlamento, bem como em instâncias da esfera pública, como os Conselhos Tutelares, conselhos municipais, estaduais e até federais, fóruns institucionalizados pelos governos que se constituem em espaços públicos da explicitação e mediação de conflitos, o que transcende a participação do partido na esfera institucional. E meu mandato faz parte disso. Quando fui deputado na década de 1980 a nossa presença (do partido) era muito pequena e à época nós não disputávamos eleições majoritárias, seja para o Senado, seja, sobretudo, eleições para governos, uma ou outra exceção. Agora não, o partido se apresenta como alternativa de governo, como alternativa de poder, e tem ampliado bastante a sua presença na esfera institucional.

O que muda no PCdoB após a realização do 12º Congresso, onde foi aprovado o novo programa socialista?

LS – Como militante do PCdoB a minha expectativa é de que passado o carnaval, que é quando o ano começa efetivamente no Brasil, sobretudo nas cidades litorâneas, principalmente Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, creio que as atividades do partido, a presença do partido nas diversas esferas da vida política e social, se reforçarão muito sob a influência das resoluções do 12º Congresso. Primeiro porque nós tivemos o programa partidário, que no caso do PCdoB nunca foi nem será apenas um documento para cumprir as exigências da lei, mas antes de tudo o programa é a carta de compromissos do partido para com o povo, a Nação brasileira. O programa foi atualizado expressando um salto qualitativo tanto do ponto de vista teórico, na compreensão do próprio papel do programa, que conteúdo deva ter nas atuais circunstâncias do mundo e do Brasil, quanto do ponto de vista do conhecimento da realidade brasileira.

Então, nós dizemos, e isso é absolutamente verdadeiro, concreto, que o programa do PCdoB hoje é um documento que serve para orientar o militante, o amigo do partido, o ativista mais próximo na luta cotidiana. O programa traz a esperança para o cotidiano e a torna palpável porque ele cuida da luta imediata, daquilo que é visível no horizonte, e aponta no sentido de conquistas de nível estrutural seja no plano da ativação da independência da Nação seja do ponto de vista do aprofundamento da democracia, seja ainda da consolidação e ampliação de conquistas sociais, que uma vez alcançadas terão duas resultantes muito importantes, em uma perspectiva de médio e longo prazo.

A primeira é o fato de que essas conquistas uma vez obtidas alteram na prática aquilo que nós chamamos de correlação de forças da sociedade. O povo que conquista, por exemplo, uma reforma tributária progressiva, na qual os que ganham pouco não pagam nada, os que ganham medianamente pagam pouco e os que ganham grandes fortunas pagam muito, impostos, ou uma reforma agrária plena ou a reforma urbana que democratize o uso e a ocupação do solo, que resolva uma parte fundamental dos problemas que as populações das médias e grandes cidades enfrentam hoje, etc., é um povo que acumula força política real nas diversas instâncias da sociedade.

A segunda resultante, a segunda consequência, está relacionada à consciência política. É próprio do ser humano conquistar algo, valorizar o que conquistou e logo em seguida querer mais. Os brasileiros vão querer mais e apontam para a superação do capitalismo pelo socialismo a partir da conquista de um novo poder político. Isso se tornando assim relativamente claro, compreensível, por milhares de militantes e ativistas dá outro élan, outro entusiasmo no cotidiano. Aí qualquer um que estiver em uma greve por melhores condições de trabalho ou de salários ou estiver se movimentando no bairro para melhorar a infraestrutura local, passa a compreender a relação entre aquela luta cotidiana com a luta geral. Cada conquista vai elevar a autoconfiança do próprio povo, que acredita em si mesmo, melhorando as condições de vida e ampliando o espaço para o debate político que nos permite correlacionar o cotidiano com o estratégico.

Ao mesmo tempo o nosso Congresso aprovou uma resolução política que é imediata e expressa o programa, mas na atual conjuntura, que contém uma plataforma, um conjunto de proposições que nós queremos que o candidato ou candidata, provavelmente, no caso, a candidata Dilma Roussef assuma, e uma vez concretizado significará avançar nas mudanças que o presidente Lula tem proporcionado, numa qualidade superior. Isso também é outro fator de mobilização importante.

A terceira peça mais importante é o documento que trata da política de quadros, cuja essência no meu entender é promover as condições objetivas e subjetivas do dia a dia, da forma como o partido se organiza e funciona, é promover as condições para que a militância partidária seja cada vez mais uma fonte de felicidade pessoal, de prazer e não um fardo, uma obrigação que se tem, por mais consciente que seja, seja algo incômodo, difícil de realizar. Eu penso que a política de quadros aprovada no 12º Congresso coroa o processo de amadurecimento que vem de outros congressos.

É como se nos permitisse casar a vida pessoal e a vida militante. Como as próprias motivações de ordem individual podem ser bem exploradas, e elas serão bem exploradas se houver liberdade para isso, se as tarefas, se as missões que o partido delega ao militante não desarrumam sua vida ou não entram em choque direto, frontal, com sua vida pessoal. Eu acho que são energias que se somam e acho que o partido deu um passo importantíssimo nessa direção. Assim como também de valorização dos militantes, dos quadros, seja onde estiverem.

Isso vale para um quadro que tem responsabilidades com a direção partidária, foi eleito para isso, ou dirija um sindicato importante ou exerça um mandato parlamentar ou uma função no governo, mas vale muitas vezes para um professor, um intelectual, um artista que aparentemente não está envolvido numa tarefa explicitamente partidária, mas fruto da sua consciência, da sua capacidade, onde está difundindo o espírito, a orientação, os propósitos do partido.

E a política de quadros valoriza isso. Considera quadros influentes pessoas que, inclusive, não tem função de responsabilidade maior, mas estão contribuindo. Eu acredito que isso se reflita também nos mandatos parlamentares, inclusive no meu mandato. Nós ainda não fizemos a decodificação do que foi o 12º Congresso e suas consequências para o nosso trabalho, da nossa equipe, vamos fazer depois das férias de janeiro, mas tenho certeza de que nós nos beneficiaremos muito do 12º Congresso do PCdoB.


Do ponto de vista eleitoral o que é que está posto como desafio para o PCdoB em 2010, especialmente em Pernambuco?

LS – O PCdoB se diferencia no cenário partidário brasileiro por características próprias muito marcantes. Uma delas é a de ser um partido uno, nacional e uno. Então, quando chegam as eleições, cada Estado, cada município, se organiza para participar da peleja conforme a orientação nacional, ou seja, todas as partes integram um todo. E do ponto de vista nacional, além obviamente de contribuir para eleger a sucessora de Lula, Dilma Roussef, provavelmente, com o objetivo de dar continuidade em um patamar superior à obra do governo de Lula e também de eleger governadores não necessariamente da legenda do PCdoB, aliados, nós temos um foco importante que é ampliar a bancada de deputados federais. Isso não quer dizer que eleger deputados estaduais não seja importante, muitíssimo importante, mas o foco do partido do ponto de vista do projeto partidário é eleger deputados federais.

Não só porque uma bancada maior exerce uma influência mais significativa na cena política nacional, a partir da Câmara dos Deputados, como também tem rebatimento no cálculo do tempo de televisão nas eleições municipais futuras em que o partido certamente disputará muitas prefeituras com candidatos próprios. Então, o partido coloca esse foco e, portanto, esse é um desafio que vale para todos.

Em Pernambuco, o PCdoB avalia que dependendo da evolução do cenário eleitoral e também das condições em que o partido se apresente para a luta – e essas condições estão sendo construídas gradativamente até o início da luta eleitoral -, talvez o PCdoB em Pernambuco possa contribuir para esse objetivo nacional com dois deputados federais. Esse é o grande desafio que está colocado para nós no Estado e vale para o Recife e as demais cidades.

Obviamente não se trata apenas de conquistar votos e mandatos, mas de fazer uma campanha e de conquistar mandatos com compromissos claros perante o povo, cujo conteúdo é a expressão do programa partidário e da resolução política do 12º Congresso e cujos resultados não se resumem ao voto e ao mandato. Uma campanha bem conduzida e com conteúdo avançado e apoiado no povo resulta também no crescimento partidário, na ampliação significativa do número de militantes e na capacitação de mais e mais militantes que assumem responsabilidades na direção do partido e em outras esferas da ação política.

O Brasil vive um momento muito particular de sua história, um momento pós-crise capitalista global, um presidente operário tem mostrado ao mundo que este é um país de grandes potencialidades, com condições de se tornar uma grande potência mundial. Como o senhor avalia esse momento da nossa história e o desafio de manter esse rumo que está posto agora para o povo brasileiro?

LS – Isso me remete a uma formulação que nosso partido faz no seu programa atual, e é só o nosso partido quem a faz, nenhuma outra corrente política. Nós identificamos na história recente do País dois momentos marcantes que nós chamamos de saltos no processo civilizatório brasileiro. Um momento que vai da Independência até o advento da República, com todas as suas implicações e consequências, e o momento que vai da Revolução de 1930 aos anos mais próximos. Da Independência à República, passando pela Abolição, nós demos passos importantes para nos constituirmos como Nação, de criar uma instituição estatal inspirada nos padrões modernos, embora ela seja patrimonialista, conservadora, fruto da hegemonia da elite conservadora do País, nós demos passos importantes.

Avançamos na democratização do processo político no País, com interregnos ditatoriais, mas avançamos, e também criamos condições para uma inversão da relação entre o elemento agrário e o elemento industrial que ocorreria adiante, a partir da Revolução de 1930. O conteúdo essencial da Revolução de 1930 é o antiagrarismo, ou seja, a luta para fazer com que a indústria, não mais a agricultura, passasse a ser o principal vetor do desenvolvimento econômico do País.

De lá pra cá há momentos extremamente contraditórios, porém de acúmulos gradativos de novas conquistas. No período de Getúlio Vargas, ou varguismo, por exemplo, tanto na ditadura do Estado Novo quanto depois em seu curto governo nos início dos anos 1950, o Brasil acumulou conquistas que lhe permitiram almejar um projeto de desenvolvimento nacional. Com as mudanças ocorridas no mundo, inclusive a débâcle das experiências do campo socialista, uma alteração brutal na correlação de forças mundial, e também até pela força das armas, com o golpe militar de 1964, esse processo civilizatório foi interrompido, represado, e nos coloca hoje em uma verdadeira encruzilhada.

Isso porque, ou o Brasil reúne condições para um novo salto civilizatório ou corre sério risco de soçobrar sob o peso das ingerências da economia mundial globalizada e dos interesses imperialistas, dos interesses estrangeiros. É preciso nunca esquecer que o Brasil é um dos maiores países do mundo e dentre os maiores países do mundo é um dos que abrigam em seu território um manancial de riquezas naturais, desde as indispensáveis à sobrevivência da humanidade, acrescidas agora das reservas do pré-sal, e que no País a economia incorporou ao longo do tempo interesses poderosos, inclusive estrangeiros.

Então, é preciso avançar na afirmação da Nação, ampliar a democracia para que o povo possa efetivamente participar do processo político e elevar seu grau de consciência e a compreensão desses problemas, bem como melhorar a vida do povo e, sobretudo, construir uma vontade nacional orientada para a realização de mudanças sociais de grande envergadura, a partir da própria conquista de um novo poder político sem as limitações do atual Estado brasileiro – que é constituído e apoiado em um emaranhado de dispositivos legais, jurídicos, constitucionais destinados a privilegiar as elites e não a atender ao povo.

Ou seja, um novo poder político sob a hegemonia dos trabalhadores e dos setores mais esclarecidos da sociedade capaz de abrir um novo tempo de mudanças no País em que esteja na ordem do dia a superação do capitalismo por um socialismo que nós pretendemos tenha a feição brasileira. É esse o desafio que está colocado adiante no pensamento mais estratégico da sociedade brasileira, sendo que, para alcançar esse salto civilizatório é preciso travar o bom combate agora.

É por isso que no programa do PCdoB que nós pretendemos dar feição agora no mandato parlamentar, a partir de janeiro, colocamos seis reformas estruturais importantes, note-se que são reformas que são marco do capitalismo, que não tem caráter socialista, mas tem o dom de reunir em seu conteúdo três aspectos: o fortalecimento da Nação, a ampliação de direitos para o povo e a melhoria do padrão social de vida. Essas reformas são: a agrária, tributária, educacional, urbana e as reforma política e dos meios de comunicação.

As condições estão dadas para se realizar essas reformas? Não estão. Mas, se levantarmos a bandeira dessas reformas com força … É aquilo que eu disse aqui ainda a pouco, essas reformas traduzem a esperança do cotidiano e quem sabe seja possível outro movimento por essas reformas, de construir uma vontade nacional em torno de objetivos mais ousados. É isso que se coloca nas atuais circunstâncias da realidade brasileira.

E são considerações como essas que justificam um vereador do Recife abordar os problemas da eleição e não ficar circunscrito aos problemas locais, ou dito de outra forma, abordar os problemas locais sempre a partir de uma visão nacional, sobretudo, em uma cidade como o Recife, uma das oito principais capitais do País, que recebe influência do que acontece no Brasil e no Mundo e tem peso específico no curso dos acontecimentos na cena política nacional.

Dessa forma, é impossível um vereador do Recife tratar apenas de calçamento de ruas ou mesmo de questões estruturais da cidade, como a lei de uso e ocupação do solo, por exemplo, sem considerar a variável nacional. Primeiro, porque, objetivamente, as coisas se relacionam. Segundo, porque o vereador do PCdoB procura se orientar pelo programa partidário, pelas orientações nacionais que lhe dão elementos para enxergar, para exercitar a tentativa de imitar os grandes poetas, de enxergar no factual, no imediato, no localizado, no circunstancial, o que há de universal nele contido.

Mesmo assim tem de ser o militante comunista. Ele tem de entender que na greve dos professores da rede municipal não está contida apenas a luta por melhores salários e de condições de trabalho nas escolas, mas que ali está a expressão concreta da necessidade de reforma do sistema educacional do Brasil orientada por concepções que nos levem não apenas a melhorar efetivamente o sistema educacional, mas a fazer dele um instrumento de elevação da consciência cidadã, condição sine qua non das transformações estruturais que nós queremos para o País.

E isso que nos permite não fazer o discurso doutrinário, de falar em reformas, em socialismo, em projeto nacional de desenvolvimento dissociados do concreto, e também nos ajuda a evitar o discurso localista, meramente circunstancial, que não esclarece nada. Por isso, em nosso desempenho parlamentar nós procuramos tratar os problemas locais sempre à luz das questões nacionais.

Acredito que o mandato parlamentar tem também uma dimensão pedagógica que deve ser exercida pelo discurso, pelo projeto de lei, pela iniciativa concreta, pela pressão sobre o Poder Executivo, pelo apoio à luta popular, pela solidariedade, pela participação ativa, mas entendendo sempre que há o discurso e há o gesto e que às vezes um gesto ajuda a pensar muito mais do que um discurso bem elaborado.

Posso citar como exemplo esse gesto simples de estarmos de manhã cedo nas ruas entregando a nossa prestação de contas, com a presença do vereador. A reação das pessoas é impressionante, porque é inusitado, não é comum. Já ocorreu de um parlamentar mandar uma equipe distribuir seu material, mas nós estamos na rua entregando uma prestação de contas e pedindo a avaliação crítica das pessoas, apertando as mãos e olhando nos olhos dessas pessoas. E eu escuto muito isso: “O senhor é um dos poucos que tem a coragem de nos olhar nos olhos”. Isso tem um peso, tem um valor pedagógico importante.

Fonte: site do Vereador Luciano Siqueira