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Direita racista vence referendo e proíbe minaretes na Suíça

Um referendo de iniciativa do Partido Popular Suíço (PPS, de direita e no governo) aprovou neste domingo, com 57,5% dos votos, a proibição de minaretes na Suíça. A decisão xenófoba foi amplamente condenada, inclusive por autoridades cristãs, judaicas e pela ONU. Mas os intolerantes de outros países europeus já se agitam, querendo imitar os suíços.

Por Bernardo Joffily


A Suíça possui apenas quatro mesquitas com minaretes – a mais antiga, em Zurique, é quase cinquentenária. Os muçulmanos, pelo censo de 2000, formam modestos 4,3% da população – recrutados pelo capital suíço para os trabalhos mais duros e mal pagos –, atrás dos católicos (42%), protestantes (33%) e ateus (11%). Mas o PPS forçou o referendo, acusando as esguias torres das mesquitas de ser um "símbolo político-religioso".

"Um autêntico murro na cara"

O surpreendente e assustador é que a maioria dos eleitores acreditou nessa pregação. O comparecimento foi elevado, 53,4%, quando a participação em referendos costuma girar em torno de 30%. E a proposta intolerante passou na maioria dos 26 cantões: se foi derrotada em grandes cidades como Genebra, chegou a faturar 70% dos votos em Appenzell-Rhodes Interior e Exterior (onde o voto feminino só foi conquistado, respectivamente, em 1989 e 1990.

A decisão, que implica em inscrever a proibição na Constituição suíça (sem chegar a demolir os quatro minaretes existentes), sofreu uma onda de condenações.

"Os muçulmanos da Suíça não receberam uma bofetada, mas um autêntico murro na cara", afirmou, consternado, o deputado Ueli Leuenberger, presidente do Partido Verde suíço. "É o resultado de uma propaganda extremamente bem feita, que jogou com os preconceitos", avaliou.

Navi Pillay, alta comissária das Nações Unidas para os direitos humanos, disse que a proibição é "profundamente desagregadora", "claramente discriminatória" e não condiz com as "obrigações legais internacionais" da Suíça. "É um passo completamente infeliz para a Suíça tomar, e que arrisca colocar o país em rota de colisão com suas obrigações internacionais de direitos humanos", comentou Navi, uma advogada sul-africana de raízes indianas.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU afirmou no mês passado que a proibição equivaleria a um descumprimento pela Suíça da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

"Se a proibição for implementada, é uma violação", disse à Reuters Nigel Rodley, membro do Comitê. "Ela é discriminatória em questão de religião e infringe a liberdade religiosa. É o equivalente a banir as torres das igrejas", disse Rodley, professor de Direito da Universidade de Essex, na Grã-Bretanha.

"Encher as igrejas seria mais útil"…

Autoridades de diferentes religiôes se somaram aos protestos. Uma argumentação incisivamente sensata veio do grão-rabino da França, Gilles Bernheim: "O problemático na questão colocada aos suíços é a discriminação que ela instaura, ao autorizar campanários e edifícios altos a outras religiões, exceto o Islã", disse o rabino, lembrabdo que no passado os judeus europeus já foram proibidos de erguer sinagogas mais altas que a igreja católica.

"É uma defesa da identidade católica que se equivoca no método. Encher as igrejas seria mais útil que reduzir a visibilidade das mesquitas", comentou ainda Bernheim, em uma irônica menção à crise das religiosidades.

A Restauração europeia pós-1989

Mas se o referendo suíço provocou repulsa e temor nos defensores da liberdade e tolerância em matéria de religião, foi abertamente festejado pela direita e a ultradireita de vários países europeus. Estas forças, umas mais, outras menos abertamente racistas, veem no resultado um exemplo a seguir.

A Liga do Norte, coalizão separatista italiana, passou a exigir um referendo semelhante. Marine Le Pen, herdeira da Frente Nacional francesa, disse que foi "uma lição para as elites" (sic!). Mas também Xavier Bertrand, o porta-voz da UMP, o partido da direita "bem comportada" que serve de base ao presidente Nicolas Sarkozy, comentou que a França não "precisa necessariamente" de minaretes…

A crise econômica que ainda castiga o continente ao que parece só agravou essas tendências tenebrosas. O racismo, a xenofobia, a intolerância e o uso dos imigrantes como bodes expiatórios permanecem. A Europa, nos 20 anos pós-Guerra Fria, vive uma fase de restauração, comparável às de 1815-1848 (após a derrota de Bonaparte) e 1922-1943 (ascensão do nazifascismo). O mundo dos direitos humanos e das liberdades democráticas espera que também essa Terceira Restauração acabe.