Um espectro de racismo assusta o planeta
Enquanto, entre os seus pares, as fronteiras da União Européia estão sendo cada vez mais dissipadas, verifica-se em toda a forte Comunidade Européia uma onda de xenofobia contra estrangeiros de várias origens, sobretudo os pobres, que para lá tentam imigrar em busca de sobrevivência.
Publicado 29/11/2009 19:42
Sonhos de uma vida mais digna e justa têm sido quebrados com perseguições, prisões, maus tratos e expulsões sumárias com um perigoso teor discriminatório que, em muito, lembra os anos 30 a 40 do século passado. Esses fatos têm acirrado a já histórica aversão ao outro, fruto do eurocentrismo, que vê os migrantes como negativamente diferentes, como aqueles que vêm perturbar a ordem e colocar em risco a segurança do europeu.
Nesses últimos meses a Europa tem dado exemplos de intolerância, discriminação e racismo. Como se tal absurdo não bastasse, os últimos acontecimentos na Itália deixaram o planeta em alerta. Na já chamada "deriva fascista", denúncias colocaram a público que 70 eritreus permaneceram durante 20 dias em alto mar tentando entrar na Itália pela costa da Ilha de Lampedusa – a principal rota marítima que liga a África à Europa.
A notícia virou manchete quando se constatou que esses imigrantes ilegais haviam morrido antes de pisar em terra firme, sem qualquer ação de socorro por parte da marinha italiana. Esta, ciente do que ocorria, os abandonou à míngua, com fome e sede, ignorando por completo uma histórica lei marítima que prevê o socorro em casos dessa envergadura.
Enquanto isso, outros países europeus, como Alemanha, Inglaterra, Espanha e França, também têm promulgado legislações evidentemente xenófobas visando criminalizar a imigração, tornando-a ilegal. Esta postura não visa apenas às populações africanas, alvo do racismo. Ela é muito mais ampla e atinge muçulmanos, ciganos, latino-americanos e habitantes de muitos países da Europa Oriental.
A Europa talvez nunca tenha sido realmente tolerante, mas, quando os empregos considerados inferiores não eram aceitos pela maioria dos europeus, um grande número de imigrantes foi recebido para preencher esses cargos indesejados. Com a recente crise econômica mundial, no entanto, esse mesmo europeu, assolado pelo medo do desemprego, voltou a enxergar o estrangeiro como um inimigo à espreita, pronto a dar o bote e roubar seu espaço no mundo do trabalho. Por conta de um possível medo da concorrência, uma parcela da população européia voltou a eleger o estrangeiro como bode expiatório. Assim, criou-se um perigoso espaço para partidos políticos de extrema direita, de cunho nazi-fascista.
Apesar de não ser considerado xenófobo, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, eleito com uma plataforma de extrema direita, chegou a apoiar a tese de que a França só deve receber "trabalhadores inteligentes e diplomados". Defendeu ainda a realização de testes de DNA para estrangeiros, vindos da África, que queiram provar graus de parentesco na França e, assim, serem liberados a entrar. Aprovada pelo Parlamento francês em 2007, essa idéia acabou não sendo posta em prática em função de fortes pressões externas.
Conquanto o governo francês tenha enfatizado a não obrigatoriedade dos testes, analistas e estudiosos estão alertando que, graças ao avanço da engenharia genética, tal medida pode abrir um precedente perigoso. Testes como esses podem servir para detectar a origem dos pretendentes a ingressar no território francês, o que lembra justamente no país que proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos a sombria política de eugenia (que significa "bem nascido" em grego), que assustou o mundo na Alemanha nazista.
Para completar esse quadro, já foi aprovado no Senado italiano, e está em discussão na Câmara dos Deputados, uma proposta do partido de extrema direita Liga Norte, defendida pelo governo Berlusconi, que impõe aos médicos delatarem imigrantes ilegais que buscarem tratamento. Uma medida que deixaria orgulhoso o fascista Mussolini. A respeitada instituição "Médicos sem Fronteiras" reagiu e afirmou: "somos médicos e não espiões".
Essa aversão ao estrangeiro não é nova na historiografia mundial. Segundo a historiadora Pietra Diwan, foi nos Estados Unidos – o mesmo país que ergueu o chamado "muro da vergonha" que separa os estadunidenses dos mexicanos – que o número de instituições eugênicas cresceu vertiginosamente entre os anos de 1905 e 1920. O medo era de que a "raça pura" norte-americana pudesse ser contaminada com a entrada maciça de asiáticos, libaneses, moradores do Leste Europeu, além de todo europeu pobre, incluindo, por ironia do destino, países como a Espanha e a própria Itália.
Nesse sentido, o que a Alemanha nazista fez foi transformar em política de Estado um processo que já vinha ocorrendo, inclusive, nas escolas estadunidenses. Talvez não seja por acaso que temáticas como a inclusão tenham surgido depois que o mundo presenciou até onde o homem pode chegar ao dividir a humanidade em binômios excludentes, tais como superior e inferior, apto e não apto. Esperemos que a Europa não venha, em pleno século 21, a reeditar essa política discriminatória e estigmatizante contra o "diferente".
Por Guga Dorea, José Juliano de Carvalho Filho, Luis Eça, Marietta Sampaio e Thomaz Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo – um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.
Fonte: Correio da Cidadania