Antonio Capistrano: Consciência Negra
Assisti na última segunda-feira, dia 16, no Programa Roda Viva, da Tevê Cultura, exibido também pela Tevê Brasil, uma excelente entrevista com Zulu Araújo, Presidente da Fundação Palmares. Já o conhecia a bastante tempo. Zulu é arquiteto, formado pela Universidade Federal da Bahia, militante das lutas dos afro-descendentes. Essa entrevista marcava na Tevê Cultura, o inicio das comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, data comemorada no dia 20 de novembro.
Publicado 24/11/2009 12:56 | Editado 04/03/2020 17:08
Zulu Araújo é um intelectual, um profundo conhecedor dos problemas dos afro-descendentes e das políticas alternativas de inclusão dos negros efetuadas pelo governo federal e por outros governos em outros países. Políticas que, aqui no Brasil, tem gerado polêmica, principalmente entre uma pequena elite privilegiada que comanda esse país há 500 anos e, que tem se posicionado sempre contra os movimentos sociais.
Foi uma entrevista esclarecedora e muito inteligente, mostrando as lutas e os avanços da sociedade brasileira na busca de caminhos e soluções para a questão do negro, aqui, como no restante do mundo, sempre com incontestáveis argumentos.
O dia 20 de novembro de 1695, provável data do assassinado de Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares, é comemorado como o inicio da luta pela liberdade do povo negro. Essa data transformou-se oficialmente no Dia da Consciência Negra através de projeto de lei de autoria do ex-deputado comunista, eleito pelo estado da Bahia, Haroldo Lima (PCdoB), sendo feriado em algumas cidades. Merecia ser feriado nacional, mas como é uma data que relembra uma luta popular, isso não interessa as elites.
Dizem os especialistas da causa negra que quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea esqueceu de assinar a carteira de trabalho do ex-escravo. Eles foram deixados ao deus-dará, à maioria: analfabetos, desprovidos de qualquer patrimônio, sem terra para trabalhar, sem perspectivas de melhorias na sua qualidade de vida, amontoados em favelas e marginalizados do processo de inclusão social, além de sofrerem uma discriminação racial camuflada pela hipócrita democracia racial brasileira.
Como sempre as nossas elites têm uma capacidade imensa de evitar rupturas em qualquer processo histórico que possa tirar ou diminuir seus privilégios.
A luta contra a escravidão é um exemplo clássico dessa capacidade de evitar mudanças no status quo do poder dominante. Até bem pouco tempo essa luta histórica se resumia na generosidade de uma elite branca que tinha “concedido” por “livre espontânea vontade” a libertação dos escravos no dia 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel, Zumbi não aparecia nessa “história”.
Aqui, na nossa estimada cidade de Mossoró, o 30 de setembro é o exemplo da abolição da escravidão sem a participação do maior interessado, o negro. As festas do 30 de setembro de 1883 tem sido muito mais uma festa da generosidade de um elite branca do que a festa de um povo pela conquista da sua liberdade.
O sociólogo Florestan Fernandes no seu livro “O Significado do Protesto Negro”, Editora Cortez, 1989, diz, “o episódio do 13 de Maio se desnuda, nas décadas de 30 e 40, como uma falácia social. A Abolição não passara de uma artimanha, pela qual os escravos sofreram a última espoliação. Do próprio negro dependia uma “Segunda Abolição”, que o convertesse em um cidadão investido dos requisitos econômicos, sociais, culturais e morais para assumir os papéis históricos que ainda se reduziam a uma ficção legal. Mais tarde, em anos recentes, o episódio se mostra como uma efemeridade das classes dominantes. É uma data histórica dos senhores brancos, de interesse indireto para o negro. Como tal, não deve ser ignorada. O 13 de Maio se contrapõe ao 20 de Novembro. A escravidão não impediu que seu agente de trabalho e a sua vítima construísse sua própria história, independentemente dos mitos consagrados pela “história oficial”. A liberdade não é uma dádiva, mas uma conquista. Essa conquista pressupõe que os negros redefinam a história, para situá-la em seus marcos concretos e entrosá-la com seus anseios mais profundos de auto-emanicipação coletiva e de igualdade racial”.
A abolição do dia 13 de maio de 1888 foi um golpe no processo que estava latente dentro da sociedade brasileira, que era o fim da escravidão. Mais uma vez a nossa elite se antecipou evitando uma verdadeira abolição, uma prova disso é que após a abolição não houve ações positivas de políticas públicas de inclusão daqueles que durante mais de 300 anos sofreram o flagelo da escravidão, com isso marginalizando expressiva parcela da população brasileira.
Hoje o Brasil sofre as consequencias dessa falta de políticas. Só nos últimos anos, principalmente após a Constituição de 1988, 100 anos depois da abolição, vem sendo implementadas, como resultado das lutas das organizações negras. Portanto, o dia 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra é um marco da luta dos afros-descendentes.