Bresser-Pereira:: Nova lógica das alianças internacionais
Nas alianças de hoje, o critério da divisão de interesses são o preço da mão de obra e os investimentos das múltis
Por Luiz Carlos Bresser-Pereira, no jornal Folha de São Paulo
Publicado 23/11/2009 14:42
A União Europeia , que, na última semana, escolheu seu primeiro presidente, vai assim se transformando em uma federação de Estados-nação. Dessa maneira, o maior projeto de engenharia política da história continua em marcha, mas essa construção política extraordinária ocorre em meio a dúvidas e ansiedades. Principalmente porque alguns de seus membros resistem à transformação da Europa em um Estado-multinação ou país multinacional.
Além de enfrentar essa questão crucial, a União Europeia sente-se pouco à vontade diante da tese repetida por muitos analistas internacionais segundo a qual, com a emergência da China como potência mundial, sua condição de parceiro preferencial dos Estados Unidos teria desaparecido. Esse papel seria agora cumprido pela China, ficando a Europa em posição secundária.
Essa tese, entretanto, é equivocada porque ignora a lógica contemporânea das relações internacionais. Essas relações são sempre complexas e contraditórias, porque os interesses nacionais são intrinsecamente dessa natureza. Nem sempre o que interessa aos ricos interessa aos pobres nas relações de um país com outro. E esse é apenas um dos critérios de classificação de interesses que tornam difícil tornar as relações entre países claras e congruentes.
Nas alianças internacionais de hoje, porém, existe um critério fundamental de divisão de interesses. Esse critério não é mais o da simples segurança nacional, como era na época da diplomacia do equilíbrio de poderes, nem o critério ideológico, como foi o da Guerra Fria, mas o duplo critério do preço da mão de obra e dos investimentos das empresas multinacionais.
Os países ricos contam com mão de obra cara e, por isso, têm interesses diferentes dos países em desenvolvimento, os quais têm mão de obra barata. Contar com mão de obra barata é a vantagem que vem permitindo aos países em desenvolvimento mais competentes fazerem o "catching up". Um processo de alcançamento que, como tudo em economia, tem efeitos positivos e negativos sobre os países gradualmente alcançados. Entre os últimos, o mais grave é o de que, no limite, leva algumas empresas à quebra e, sempre, à diminuição dos salários ou ao desemprego de trabalhadores.
Os países ricos compensam esse alcançamento por meio dos investimentos diretos de suas empresas multinacionais. Essas empresas ocupam os mercados internos dos países de renda média e remetem lucros para suas sedes sem oferecer, em reciprocidade, seus próprios mercados internos. Não os oferecem porque as empresas multinacionais dos países de renda média só agora estão aparecendo. Assim, por meio desse mecanismo, os países ricos logram transferir para si lucros elevados que compensam as perdas originadas de sua mão de obra mais cara -uma compensação, porém, perversa porque ganham os ricos acionistas das multinacionais, perdem os empresários que não se deslocaram para o exterior e todos os trabalhadores nos países ricos.
EUA e União Europeia (assim como o Japão e hoje também a Coreia) sabem dos seus interesses comuns -ou os de suas elites-, como os países de renda média estão voltando a compreender seus próprios interesses. Por essa razão, não há motivo para a União Europeia se preocupar com a perda de sua posição de sócio principal dos EUA. Essa associação, que é inclusive militar, continua forte. Quem tem que se preocupar é a Europa dos trabalhadores e dos empresários locais. E, naturalmente, os países em desenvolvimento.