O poder “naturalizado” da grande mídia
Um dos principais obstáculos à democratização da mídia tem sido a dificuldade histórica que grande parte da população experimenta para compreender a mídia como um poder e a comunicação como um direito. Já ouvi que essa era uma luta impossível porque pessoas se mobilizam e se envolvem na ação política por emprego, segurança, educação, saúde, mas nunca para protestar contra as telenovelas ou o noticiário dos jornais. Como negar essa realidade?
Publicado 03/11/2009 11:57 | Editado 04/03/2020 16:12
O poder da grande mídia no mundo contemporâneo tem se caracterizado exatamente por ela estar de tal maneira imbricada no ambiente social que consegue “passar despercebida”, naturalizada, como se não existisse. A essa característica se junta uma outra que é a incapacidade que ela tem de agendar as questões públicas e, por óbvio, de sonegar ao público a discussão sobre seus direitos e sobre ela própria.
A grande mídia privada, impressa e/ou eletrônica, sobretudo o rádio e a televisão, se constitui na forma dominante através da qual a maioria de nossa população ainda hoje recebe, sem possibilidade de interação, as informações que moldam a sua percepção do que é e de como funciona o mundo, próximo e distante. E aí se incluem as construções de longo prazo dos direitos, dos valores e das representações sociais, inclusive de gênero, de etnia e, claro, da política e dos políticos.
Esse enorme poder, em nosso país, foi potencializado pela entrega do serviço público de radiodifusão à exploração da iniciativa privada; pelo vínculo histórico desse serviço com as oligarquias regionais e locais (o “coronelismo eletrônico”); pela ausência de controle da propriedade cruzada e pela capacidade que até aqui os grupos privados têm demonstrado de impedir a aprovação no Congresso Nacional de um marco regulatório através do qual algum tipo de controle social democrático seja exercido sobre o setor das comunicações.
Nas duas últimas décadas, todavia, brechas importantes no poder da grande mídia começam a ser abertas. A revolução digital provocou a convergência tecnológica que fez diluírem-se as fronteiras entre as diferentes formas de comunicação de textos, sons e imagens. E as conseqüências dessas transformações, paradoxais e ainda em processo de desenvolvimento, revelam um enorme potencial democratizante do setor.
Não há duvida de que o acesso à internet através de suportes como o computador pessoal e os celulares está provocando uma mudança profunda na produção, distribuição e no “consumo” de informações e de entretenimento. Não há dúvida, também, de que essas mudanças indicam uma quebra da unidirecionalidade histórica da velha “comunicação de massa” e a possibilidade de maior pluralidade e de diversidade no espaço público com o surgimento, por exemplo, de sites alternativos, blogs e a revitalização e/ou criação capilar de novas redes sociais.
É nesse contexto extraordinário de paradoxos, mudanças e de novas possibilidades que se insere o precioso e oportuno A ditadura da mídia, de Altamiro Borges. Em linguagem simples e direta ele oferece ao leitor não só um quadro atualizado sobre os grupos que disputam o controle da grande mídia no mundo e no nosso país, como também um roteiro justificado de metas que devem orientar as reivindicações populares na I Conferência Nacional de Comunicação que se realiza em dezembro de 2009.
“A ditadura da mídia” é, sobretudo, importante porque – evocando a famosa passagem (adaptada) de Antonio Gramsci (1891-1937) nos Cadernos do Cárcere – “o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”.
Um dos riscos que se corre em relação às profundas transformações em andamento no setor de comunicações é se esquecer que o velho resiste, sobrevive e está mais ativo do que nunca em defesa de seus antigos privilégios. Perder de vista essa realidade significaria não só ignorar importantes lições do passado, como adiar possíveis conseqüências que, tudo indica, permitirão que a maioria excluída população brasileira participe da construção de um novo espaço público e que, finalmente, avançaremos rumo à consolidação do direito à comunicação entre nós.
De Manaus,
Anderson Bahia