Fisk confirma a "desdolarização"
O plano para desdolarizar o mercado do petróleo, discutido em segredo e em público há pelo menos dois anos e amplamente desmentido ontem pelos suspeitos de sempre – a Arábia Saudita, como se esperava, entre os primeiros a desmentir – reflete o crescente ressentimento no Oriente Médio, Europa e China contra as décadas de dominação política e econômica pelos EUA.
Por Robert Fisk, para o The Independent
Publicado 07/10/2009 21:14
Em nenhum outro ponto do mundo o plano tem maior importância simbólica que no Oriente Médio, onde só os Emirados Árabes Unidos têm reservas de 900 bilhões em dólares; e onde a Arábia Saudita, já desde 2007, está coordenando em silêncio suas políticas de defesa, de armamento e do petróleo com os russos.
Nada disso indica uma guerra comercial contra os EUA – não já –, mas os regimes árabes do Golfo mostram-se cada dia mais incomodados com sua dependência econômica e política de Washington, que já dura muitos anos. Dos $7.2 trilhões em reservas internacionais, $2,1trilhões estão nos países árabes – a China tem cerca de $2,3 trilhões – e calcula-se que as nações agora interessadas em afastar-se do mercado de petróleo em dólares detenham mais de 80% das reservas internacionais de dólares.
Os protestos da Arábia Saudita, negando que tais ideias lhe passem pela cabeça, são consideradas pelos banqueiros árabes como parte normal da política do Golfo. Os sauditas deram jeito para continuar a negar que o Iraque tivesse invadido o Kuwait em 1990 – mesmo quando as legiões de Saddam Hussein já estavam estacionadas na fronteira saudita, até que os EUA tivessem conseguido distribuir para todo o planeta o noticiário sobre as agressões do Iraque contra o mundo.
Os banqueiros sauditas sabem muito bem que em nove anos – prazo atualmente definido para que se abandone o dólar no comércio do petróleo, substituído pelas moedas japonesa, chinesa, euro, ouro e alguma provável nova moeda do Golfo – a China terá dobrado sua renda nacional para $10 trilhões (assumindo-se uma taxa de crescimento de 7%); e que, àquela altura, os EUA não poderão controlar mais do que 20% da renda bruta mundial.
Esses massivos movimentos financeiros, encorajados pela desdolarização do mercado do petróleo, terão enormes efeitos políticos no Oriente Médio, especialmente se a rivalidade de superpotências econômicas entre EUA e China vier a dominar o mundo árabe. O apoio econômico que os EUA dão a Israel permanecerá intocadamente leal durante nove anos, se China e árabes passarem a determinar o ritmo da dança nos mercados financeiros globais? De fato – provavelmente porque já consideraram esse cenário – alguns financistas israelenses já vem manifestando interesse, nos dois últimos anos, por investimentos não em dólares em bancos árabes. Por mais que uma mudança dessa magnitude ocorra ao longo de vários anos, ela não foi iniciada em segredo.
Tampouco se pode negar que o próprio projeto de afastar o comércio de petróleo do mercado em dólares tem profundas raízes políticas. O colapso da União Soviética permitiu que os EUA dominassem o Oriente Médio mais do que dominam qualquer outra região do mundo; e os árabes – que já não têm meios para considerar a possibilidade de qualquer boicote do petróleo, do tipo do que impuseram ao Ocidente depois da guerra do Oriente Médio de 1973 – estão ansiosos para demonstrar que são capazes de flexionar os músculos de seu poder econômico para promover mudanças.
A oferta pan-árabe apresentada pela Arábia Saudita, de reconhecer Israel e sua segurança, em troca de Israel retirar-se de terras árabes ocupadas não é – como já declararam os próprios sauditas – eterna. Se eles forem ou ignorados ou rejeitados, procurarão outros aliados mediante novas instituições financeiras, para forçar a mão rumo a uma nova paz para o Oriente Médio. A China adorará ajudá-los.
Fonte: Vi o Mundo. Original em http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-a-financial-revolution-with-profound-political-implications-1798712.html
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