Cem dias após golpe, Honduras entra em semana crucial de diálogo
Cem dias após a retirada de Manuel Zelaya da Presidência de Honduras, a crise política instaurada no país entra em uma semana crucial com a chegada da missão de chanceleres da OEA (Organização dos Estados Americanos) que vai mediar a negociação entre as partes e tentar resolver a prolongada crise política no país. O desembarque da delegação, na quarta (07), enche de espectativas as partes envolvidas. Zelaya se mostra otimista, mas já advertiu que as conversas só se darão sob quatro condições.
Publicado 05/10/2009 13:34
A primeira delas é que a ditadura revogue o decreto do último dia 27 que estabelece estado de sítio no país. "Pedimos que se derrube o decreto que suprime garantias constitucionais de locomoção, organização, reunião e liberdade de expressão", disse. O presidente deposto insiste ainda que, para iniciar um diálogo sincero, o governo Micheletti deve cumprir ainda com outras condições essenciais. Um delas seria a reabertura da rádio Globo e do canal 36 de televisão, os únicos dois meios de comunicação que mantinham uma clara oposição ao golpe de Estado de 28 de junho e que foram fechados pelo governo na segunda-feira passada (28).
Zelaya vinculou ainda o início da nova rodada de negociações ao fim do cerco das forças de segurança à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde está refugiado desde que voltou ao país, em 21 de setembro. Por fim, Zelaya solicita que lhe seja dado o poder de escolher as pessoas de sua equipe que participarão no diálogo, o que é dificultado pelo fato de que os membros de seu gabinete estão proibidos de entrar na representação diplomática do Brasil em Tegucigalpa.
Zelaya afirmou, ontem, que só seu retorno ao poder poderá garantir eleições legitimadas. "Há eleições convocadas. A minha restituição garante as eleições. Minha restituição garante uma transição pacífica. Minha restituição permite a alternância de poder. Pelo contrário, a minha não restituição significaria o desconhecimento das eleições. Fraude nas eleições, mais repressão. Isso ninguém quer para a Honduras. Por isso, tenho fé, confiança de que o problema vai se resolver", afirmou, declarando que está disposto a fazer concessões.
Segundo ele, a negociação tem 90% de chance de prosperar. "Meu retorno é um símbolo, para negar o golpe de Estado. Isso independe do processo político. Os processos políticos da sociedade não vão parar porque eu regressei ou porque eu não regressei. Os processos políticos continuam. O ato de retornar significa uma lição para quem quer dar um golpe de estado. Temos que dar um exemplo", analisou.
O presidente deposto de Honduras ainda descartou qualquer possibilidade de aceitar um acordo, no qual ele e Roberto Michelleti renunciem para que uma terceira pessoa assuma o poder. "Isso é outro golpe de estado. Os países do mundo estão lutando pela restituição do presidente. Colocar uma terceira pessoa seria legitimar o golpe de estado. Então, poderiam tirar todos os presidentes da América e trocar por outras pessoas. Isto não é possível. É inaceitável."
Zelaya fez um apelo para que o diálogo que se inicia na quarta-feira tenha resultado positivo: "Além disso, pedimos que não se macule a dignidade dos países latino-americanos, fazendo uma nova zombaria com os chanceleres", disse Zelaya, em referênciaà primeira visita de minsitros de Relações Exteriores doi hemisfério, que, há algumas semanas, partiu sem resultados concretos.
O assessor de Zelaya, Carlos Eduardo Reyna, afirmou ainda que é preciso revisar o Acordo de San José, nome dado à proposta do presidente e mediador da crise, Óscar Arias, que prevê uma volta condicionada de Zelaya. Reyna diz que é preciso alterar temas para que o acordo, idealizado em julho, seja "operacionalmente possível", como não mais antecipar em um mês as eleições gerais de 29 de novembro.
"Os temas de fundo não teriam maiores mudanças", afirmou ele. Sobre a convocação de uma nova Constituinte -pivô da crise que levou à deposição de Zelaya-, Reyna diz que só seria impulsada no ano vem, depois do fim do mandato de Zelaya, em janeiro. "Que seja no próximo governo, com o trabalho e a força da Resistência [defensores da convocação], para que se chegue a um consenso e se instale a nova Constituição."
Zelaya completa hoje duas semanas abrigado na embaixada brasileira, que continua sob forte cerco militar. Reyna afirmou que existe uma grande expectativa para que tudo seja resolvido até a próxima semana, sob a pena de que a campanha eleitoral fique inviabilizada.
Já Micheletti, que declarou que o Acordo de San Jose pode sofrer mudanças para ficar "aceitável", disse no fim de semana que está trabalhando pelo diálogo. "Estamos praticando e vamos nos sentar e dialogar, não tenham a menor dúvida disso", disse o presidente interino, ressaltando que mantém o calendário para as eleições de 29 de novembro.
Os preparativos para missão de alto nível da OEA continuam. Ontem, integrantes da missão avançada entidade, que prepara o encontro de chanceleres de quarta-feira, se reuniu com diplomatas em Tegucigalpa. O encontro ocorreu na Embaixada do México. Foram discutidas apenas questões logísticas para a visita oficial.
Segundo Víctor Rico, secretário de Assuntos Políticos da Organização de Estados Americanos (OEA), o entrave continua sendo a volta ou não de Zelaya à presidência. "Esse é um ponto que até o momento travou a possibilidade de acordo." Os chanceleres chegam na quarta-feira e devem ficar no país por um dia e meio.
Em Bruxelas, o chanceler Celso Amorim avaliou que o clima começa a se amenizar e já vê espaço para diálogo entre Zelaya e o governo golpista de Roberto Micheletti. "Todas as coisas que temos ouvido indicam disposição de negociar", disse o chanceler. "Espero que em breve se possa comprovar o que sempre dissemos e que outros disseram: que a presença do presidente Zelaya é um fator que contribui para que haja um diálogo e se saia da estagnação", afirmou.
Indagado sobre o tema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quis comentar. "Para mim, Honduras agora é problema da OEA."
Com agências