Mileide Flores – Panorama das Livrarias no país

Gostaria de iniciar a minha intervenção, transcrevendo um trecho da minha participação no II Fórum do Livro e da Leitura do Nordeste (Bahia, 22 a 23 de abril de 2009) e que consta nos anais do I Fórum da Rede em Fortaleza (14 e 15 de outubro de 2008), a respeito de uma provocação feita aos representantes do MinC e do MEC presentes ao evento.

A provocação: Como são vistas as livrarias, como são definidas e como nos situamos dentro dos projetos das políticas públicas que estão sendo estabelecidas pelo MinC? Após alguns minutos fomos respondidos da seguinte forma pelo representante do MEC, o Sr. Carlos Xavier, no seguinte: “… Quando se fala livraria, as coisas começam a entrar num terreno meio pantanoso. É aquele tipo de coisa: todo mundo elogia, todos acham ótimo, mas é o setor menos equacionado. Talvez, até pela nossa tradição cultural na área da indústria do livro, nós temos nas livrarias realmente o elo mais fraco dentro dessa cadeia, economicamente falando. Ao mesmo tempo, eu só entendo que as livrarias terão um poder maior de fogo a partir do momento em que elas tiverem uma proposta ousada, unida, e que possa ser uma bandeira nacional para a união de todos. Eu acredito que falta para as livrarias, como não falta, por exemplo, para o setor editorial, como não falta, por exemplo, para os autores, uma bandeira que possa unir as livrarias, nacionalmente, numa luta política mesmo. Pode ser a questão do preço fixo.”

Quando este representante falou em preço fixo, lembrei-me da nossa Lei do Fomento do Livro e da Leitura. Já temos uma bandeira. E quando falou em “terreno pantanoso” me veio a famosa frase do Geir Campos, sempre lembrada por mim, de que “quando se coloca o pé em uma livraria é que começam todos os problemas sociais e econômicos, culturais e políticos que cercam a produção e a circulação do livro, em nosso país (Cartas aos Livreiros do Brasil, 1960)

Acho que esta é a resposta calada. Somos “pantanosos” e, por isso, acredito que este seja o motivo da livraria estar posicionada, de forma inconveniente para os livreiros, apenas no 4º eixo do PNLL, isto é, o eixo da Cadeia Produtiva. Vejam, as livrarias também devem ser encaixadas no eixo da Cadeia Mediadora. A nossa responsabilidade vai além do econômico, somos também, agentes culturais, mediadores, formadores e mantenedores da leitura e dos leitores. Desta forma, a livraria tem de ser vista, obrigatoriamente, como parceira ideal e fundamental para qualquer política pública do livro e da leitura. Sem o envolvimento das livrarias, das bibliotecas e dos escritores nas políticas de aquisição de livros, tais políticas seriam meramente mercantis. E é por isso que se gasta tanto, há tanto tempo, sem se ter retorno paritário necessário na relação do custo x formação/manutenção de leitores. O Governo Brasileiro é o maior comprador individual de livros no mundo, há algum tempo. Na sua maioria, a compra é de Livros Didáticos, livros de informação, mas não de formação.

As Livrarias são um fenômeno institucional complexo, com missão complexa e de grande fragilidade. Não existimos apenas para espelhar as fragilidades de uma política social carente de mudanças, não existimos apenas para revelar as condições precárias de comercializar livros em um país de baixa renda e de renda mal distribuída, de um país cheio de analfabetos e de alfabetizados funcionais, sem elite ilustrada, e sem crenças arraigadas na revelação do livro.

Não podemos ser interessantes apenas a nós mesmos ou aos poetas que com ironia ferina ou admiração manifesta, sempre nos colocaram a par com as musas. Gregório de Matos, no século XVII, em A um livreiro que havia comido um canteiro de alfaces com vinagre, polemiza as habilidades de sobrevivência dos livreiros da seguinte forma:

“Levou um livreiro a dente / de alface todo o canteiro / e comeu, sendo livreiro / desencadernadamente / Porém, eu digo que mente / a quem disso o quer taxar / antes é para notar / que trabalhou como mouro / pois meter folhas no couro / também é encadernar”

Carlos Drummond de Andrade, em Espaço Livraria, no século XX, fala dos poderes de salvação e de perdição da livraria:

“Primeira livraria, Rua da Bahia / A Carne de Jesus, por Almáquio Diniz / não leiam! obra excomungada pela igreja / rutila no aquário da vitrina / terror visual na tarde de domingo / Um dia, quando? / vou entrar naquela casa / vou comprar / um livro mais terrível que o de Almáquio / nele me perder – e me encontrar”

Por isso, é fato dizer, sem medo da repetição de que sem envolver as livrarias nas compras governamentais e, sobretudo, sem resolver a falha fundamental da baixa escolaridade e da baixa renda nacional, o Brasil continuará sendo, paradoxalmente, um ótimo produtor e um péssimo consumidor de livros. Assim, o efeito-demonstração e o efeito-vitrine, realmente motivador, que bienais e feiras de livros apresentam, não surtirão os efeitos esperados de uma democratização do livro, útil como cultura, como direito e como negócio. As livrarias têm que ser percebidas como parceiras estratégicas das políticas públicas destinadas a qualificar nossos processos civilizatórios.

Feita estas observações, necessárias para compreensão da importância deste segmento para a formação de leitores e disseminador de leituras, agente formador de uma população consciente de seu papel como cidadão, povo em exercício pleno de seus direitos, passemos ao tema específico.

Começo apresentado dados da região, em alguns momentos comparando com a região de melhores índices para estabelecer comparações.

QUADRO 1 – DISTRIBUIÇÃO DAS LIVRARIAS BRASILEIRAS POR REGIÕES

Fonte: Diagnóstico do Setor Livreiro, 2007, ANL

As Livrarias, no Brasil, são muito poucas e muito mal distribuídas.

QUADRO 2 – DISTRIBUIÇÃO DAS LIVRARIAS BRASILEIRAS NA REGIÃO NORDESTE

Fonte: Diagnóstico do Setor Livreiro, 2007, ANL

As Livrarias, no Nordeste, são em muito menor número e reproduzem internamente a mesma distribuição perversa. Os estados que apresentam o maior percentual de livrarias em relação ao seu total são Bahia, Ceará e Pernambuco, que, somados, representam mais da metade das livrarias do Nordeste, mas apenas 11% do país.

QUADRO 3 – DISTRIBUIÇÃO DAS LIVRARIAS BRASILEIRAS NA REGIÃO SUDESTE

Fonte: Diagnóstico do Setor Livreiro, 2007, ANL

Minas Gerais, apesar de ser o terceiro estado mais importante no mercado editorial, aparece como o 2º em número de livrarias, acima do Rio de Janeiro e abaixo de São Paulo, o maior mercado do país. Fato que se explica por Minas Gerais possuir um maior número de municípios de porte médio em relação ao Rio de Janeiro.

QUADRO 4 – NÚMERO DE HABITANTES POR LIVRARIA NO BRASIL

Fonte: Diagnóstico do Setor Livreiro, 2007, ANL

A menor relação brasileira, entre habitantes e livrarias, é encontrada no Distrito Federal, com 1 livraria para 30.840 habitantes, e a pior relação encontra-se em Tocantins, com 1 livraria para 181.131 habitantes.

QUADRO 5 – INTERVALO DE NÚMERO DE HABITANTES POR LIVRARIA

Fonte: Diagnóstico do Setor Livreiro, 2007, ANL

Os Quadros 4 e 5 nos permite observar a relação da distribuição de livrarias com os indicadores sociais: o menor número de livrarias associasse aos maiores índices de pobreza, analfabetismo e desqualificação no ensino médio (FGV, 2001; PAIXÃO, 2003). A análise comparada permite concluir que pobreza e desqualificação cidadã extinguem livrarias e leitores, e que a extinção de livrarias e leitores aumenta a pobreza e a desqualificação cidadã, num ciclo vicioso de extrema perversão.

No Nordeste os estados do Rio Grande do Norte e Sergipe destacam-se entre os que apresentam os melhores índices de livrarias em relação ao número de habitantes. Sabemos, apesar de não termos números absolutos, de que a concentração maior de livrarias na região Nordeste ainda são as livrarias mistas que dominantemente trabalham com livros didáticos.

Para a Organização das Nações Unidas-ONU a situação ideal para a quantidade de livrarias em relação à população situa-se na proporção de uma livraria para cada 10 mil habitantes (ANL, 2007). Dado este não observado em nenhum estado brasileiro. O nosso melhor resultado é três vezes pior que a expectativa da ONU. O nosso pior resultado é seis vezes pior que o melhor brasileiro e dezoito vezes pior que a expectativa da ONU. Apesar dos esforços da União, dos Estados e dos Municípios, nos últimos anos, em relação às campanhas de leitura, o Brasil apresenta índices muito longe dos recomendados.

O Estado do Ceará, onde atuo, ocupa a 13ª posição no ranking com 1 livraria para cada 79.167 habitantes. Numa análise mais detalhada é percebido que os Estados do Norte e Nordeste (Quadro 5 comparado ao quadro 4) apresentam os piores índices, reforçando o que já foi comentado no quadro anterior na relação desqualificação do ensino básico e maior concentração de pobreza. Dos 10 estados com a relação habitantes x número de livrarias, 5 encontra-se no Norte, 3 no Nordeste e 2 no Centro-Oeste.

Além dos dados já apresentados, incluo mais estes para que o problema não se restrinja a uma situação pontual, regional.

– 70% das livrarias brasileiras são de médio e pequeno porte.

– O faturamento mensal fica entre R$ 35 mil e R$ 45 mil e o ganho líquido é de 5%, o que explica o fato de cada vez menos empresários investirem num negócio que exige muito trabalho, muito esforço pessoal e um ganho real muito baixo como conseqüência (Vitor Tavares, O Globo, 2007).

– Em 1999, 35,5% dos municípios brasileiros possuíam livrarias e em 2006 apenas 30%,4, uma queda de 15,5% dos municípios com livrarias no país (IBGE, 2007).

Para não ficarmos debruçados no muro das lamentações e na leitura de dados negativos já publicados, passo a ler algumas recomendações resultantes do 1º e do 2º Fórum da Rede Nordeste do Livro e da Leitura:

• Regulamentação das Leis já existentes e democratização da discussão em torno da Lei do Fomento do Livro e da Leitura.

• Criação de linhas de crédito a fundo perdido para pequenos e médios livreiros e editores.

• Inserção nas compras governamentais dos livros produzidos na região. Como resultado destas discussões e apresentado pelo Conselho de Secretários de Cultura do Nordeste a FBN emite ofício FBN/CGSNBP 673/2009 – “… que a aquisição dos livros para atender a ação de Modernização das Bibliotecas Públicas, será realizada da seguinte forma: 50% selecionados pela FBN e 50% por uma Comissão formada pelos estados que serão contemplados”.

• Manutenção de Seminários Regionais, aproveitando as Bienais e/ou Feiras, para escutar e estabelecer diretrizes regionais de Políticas Especiais.

• Modificação da Lei do Simples Nacional em relação a cobrança do PIS e do COFINS.

• Realização das compras permanentes das Bibliotecas Públicas por meio das livrarias, daí a necessidade de constante previsão orçamentária para atualização e ampliação de acervos.

• Inclusão da presença da produção regional em Feiras e Bienais regionais, por meio da Lei Rouanet, e que isto seja ponto de aprovação do projeto.

• Regionalização do setor gráfico, por meio de incentivos, na perspectiva de diminuir o custo de distribuição do livro no país e aumentar a indústria gráfica nas diversas regiões, aumentando, assim, mão de obra qualificada e empregos.

• Desenvolvimento de estratégias para a redução do custo de manutenção de uma livraria, pois o mesmo, no Norte, no Centro-Oeste e no Nordeste, é assustador, pois a rotatividade da venda do livro é muito pequena e o custo do frete, embutido no preço do livro, é, na maioria das vezes, arcado pelo livreiro regional.

• Desenvolvimento de políticas que permitam harmonizar as relações comerciais neste segmento, que são sempre tensas, pois todos querem fazer tudo, sem identidade, sem foco, sem percepção da cadeia produtiva como rede de parcerias.

• Formatação de Cursos de Profissionalização de Livreiros e Editores.

Dentro da situação: Como fazer os distribuidores passarem a distribuir a produção regional? Consideramos que esta seja uma questão, também, de demanda econômica, de falta de rede de livrarias e de distribuidores na região. Sobre o tema foi sugerido o que segue:

– Promoção de campanhas publicitárias.

– Participação em feiras, bienais e eventos de forma conjunta;

– Mapeamento das instituições por segmento;

– Mapeamentos das editoras, das livrarias e distribuidoras da região.

– Mapeamento das feiras, bienais e eventos da região e fora dela, na tentativa de evitar a sobreposição;

– Eventos literários fixos, além de feiras e bienais, que façam parte do mapa de eventos das cidades, inclusive com a interiorização dos mesmos.

Quanto à organização política da cadeia produtiva, as sugestões foram as seguintes:

– Criação em todos estados de entidades representativas dos segmentos em associações, câmaras ou sindicatos. Estados que já possuem entidade: Ceará, Maranhão, Pernambuco e Bahia os outros estão em processo de formação

– Criação de uma entidade regional.

– Que as instituições nacionais (ANL, CBL, LIBRE, SNELL) tenham perfil federativo efetivo.

A título de informação o Fórum de Literatura do Ceará realizará entre os dias 24 e 25 de setembro um Seminário intitulado Do autor ao Leitor: caminhos do livro e da leitura no Ceará. Este Seminário será em audiência pública, na sua abertura e encerramento, na Assembléia Legislativa do Ceará em seção conjunta com a Câmara de Vereadores do Município de Fortaleza. Para a abertura teremos a presença do Galeno Amorim e do Lira Neto como convidados.

Finalizo, colocando a necessidade urgente em transformar esta política em política pública de Estado, para que não fiquemos à mercê das mudanças de humor político, econômico e cultural dos políticos de plantão.

Estamos cientes que o país vive hoje um acúmulo de crises, e a maior delas encontra-se no setor social, no emprego, na segurança, na saúde e na educação, por isso é grande a necessidade de se ler e de se compreender um texto escrito devido à urgência de mudança no olhar com que compreendemos nosso país e sua posição no mundo.

Parabenizo a ANL pela decisão de construir esta mesa, com a presença de todas as regiões, iniciativa ímpar num país continental que ainda pensa sobreviver, como nação cidadã, com impressão, editoração e distribuição de livros concentrada em uma única região.

Mileide Flores é Presidente da Sociedade Amigos da Biblioteca Pública Menezes Pimentel; membro do Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará; membro da Comissão Nacional em Defesa do Livro; coordenadora do Movimento Caixeiro Viajante de Leitura e Sócia Administradora da Livraria Feira do Livro.