Breno Altman: Colômbia é ponta de lança dos interesses dos EUA
O jornalista e diretor do Opera Mundi, Breno Altman, avalia, em entrevista ao Vemelho, que a ampliação do potencial defensivo em países da América Latina não representa uma corrida armamentista, mas uma resposta à investida dos Estados Unidos, que reorganiza sua estratégia militar na região. Segundo ele, a Colômbia passa a operar como ponta de lança dos interesses norte-americanos na região.
Publicado 17/09/2009 21:19
Com uma opinião crítica em relação ao papel que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) cumprem hoje no país, ele analisou que, involuntariamente, o grupo se tornou um fator que permite ao presidente colombiano Álvaro Uribe preservar o poderio e a unidade do bloco conservador, sob a bandeira do combate à guerrilha. Para Altman, o prejeto de uma nova reeleição de Uribe deve vingar.
O jornalista fala ainda sobre uma contra-ofensiva conservadora que estaria em curso na região, com a característica nova de ter, na linha de frente dos embates eleitorais, legítimos representantes do grande empresariado. De acordo com ele, a burguesia latino-americana se lança nas disputas, pela primeira vez, sem intemediários. Altman alerta para a delicadeza do momento e destaca que a eleição brasileira de 2010 deve ter enorme importância para o aprofundamento dos avanços progressistas no continente.
Na entrevista, ele fala ainda sobre a liderança e o respaldo conquistado por Evo Morales, e o cenário pré-eleitoral na Bolívia. Também analisa a relação com a mídia no continente e fala sobre a proposta do Opera Mundi. Veja abaixo.
Países da América Latina anunciaram que estão aumentando seu potencial defensivo. O senhor concorda com a avaliação de que há uma corrida armamentista na região?
Não. O que ocorre, no fundo, é produto da estratégia dos Estados Unidos – especialmente depois de devolverem o Canal do Panamá – de reorganizar sua presença militar no continente. Algumas medidas hoje são visíveis nesse processo, como a retomada da Quarta Frota e a organização das bases na Colômbia.
Nessa reorganização, os EUA privilegiam seus aliados geopolíticos, especialmente a Colômbia, que passa a funcionar, desde o período Bush, mas ainda no período Obama, como ponta de lança dos interesses norte-americanos na região. Essa aliança desestabiliza, sob vários aspectos, a correlação militar no continente. É uma ameaça frontal especialmente à Venezuela e ao Equador.
Esse acordo entre a Colômbia e os EUA (pelo qual os EUA poderão utilizar sete bases militares colombianas) provoca uma reação dos países no continente, como tem sido possível observar nos debates da Unasul, nos quais a Colômbia se revela muito isolada. Há uma certa boa vontade por parte do Peru e Chile, mas todos os demais países reagem a esse acordo, que também é uma ameaça ao Brasil e ao controle da Amazônia.
Nada impede essas mesmas forças que se concentram hoje na Colômbia de operarem no caso de um contencioso sobre as diversas fontes de energia e sustentabilidade que se encontram na Amazônia brasileira.
Esta operação norte-americana acelera então um processo de unificação da defesa sul-americana. Mais que uma reação natural à presença dos EUA na região, o fato de Brasil e Venezuela, por exemplo, reforçarem seu poderio defensivo representa, também, no bojo dos debates na Unasul, a possibilidade de que venha a ser colocada em pauta, num futuro próximo, a tarefa de organizar uma defesa militar comum na região.
No fundo, o que se passa é a reação natural dos países diante de uma retomada da presença militar norte-americana no continente. Os EUA perderam muito da sua influência econômica, política e militar na região e agora buscam retomar isso. Portanto, não acho que há uma corrida armamentista, mas um processo natural de defesa da soberania desses países, diante da ameaça militar representada pela aliança Colômbia-EUA.
A Unasul ainda não teve muito peso nessa discussão…
A Unasul é uma organização ainda nascente. É mais um fórum no qual os países buscam articular seus interesses e seus conflitos que uma instituição sólida, que possa hoje dar resposta contundente na questão militar e de defesa. Mas é um primeiro passo, sem dúvida. Há um esforço poderoso por parte do governo brasileiro, do venezuelano e do argentino, para citarmos os países mais relevantes nesse processo, de consolidar uma unificação subcontinental econômica, política, cultural e militar.
Nesse contexto, a questão da defesa se colocará como uma das tarefas prementes. Mas ainda vivemos os primeiros passos dessa caminhada, porque há contradições. Temos que lembrar que esses países não são auto-suficientes em relação a armamentos e há uma série de questões em que é preciso pensar. Há, inclusive, os conflitos político-ideológicos evidentes.
A Colômbia amanheceu (quinta-feira, 17) ameaçando deixar a Unasul, diante da pressão que sofreu na última reunião. Isso revela em certo sentido a fragilidade ainda dessa instituição.
O que fez com que países como a Colômbia não acompanhassem a guinada progressista que aconteceu na América Latina nos últimos dez anos?
Temos que pensar (essa guinada) como um processo continental de um lado, mas que, do outro, são processos nacionais. Esses processos nacionais tenderam à confluência depois que países importantes, como a Venezuela e o Brasil, viveram situações nas quais governos progressistas passaram a existir. Isso funcionou como um centro magnético, atraiu e desequilibrou a correlação de forças a favor do campo progressista.
Mas há países cujas realidades internas se sobrepuseram a essa situação. Um exemplo, além da Colômbia, é o Chile, onde há um pacto entre forças de centro-esquerda, centro e centro-direita que deu origem à chamada Concertação, e que, de alguma maneira, colocou o Chile fora dessa guinada progressista.
O governo da (Michele) Bachelet é um governo progressista capturado por um pacto institucional que paralisa não só as medidas mais progressistas internamente, como determina uma relação de aliança geopolítica com os Estados Unidos.
E na Colômbia?
A Colômbia vive uma guerra civil de fato, na qual se consolidou um bloco conservador muito poderoso que consegue ter ainda uma base social ampla na classe média urbana (por causa do combate à guerrilha) e essa polarização funciona como uma trava às forças progressistas.
É importante destacar um componente desse processo (no continente). A estratégia das forças progressistas que se revelou vitoriosa nos dez últimos anos não foi aquela da alternativa popular insurreicional, que, nas suas diversas modalidades, era a alternativa hegemônica da esquerda nos anos 60, 70 e até 80, no período do ciclo das ditaduras militares e resistências e no quadro internacional da Guerra Fria e da força propulsora da revolução cubana.
Após os anos 90, majoritariamente, a esquerda latino-americana se convenceu de que, nas condições a partir de então existentes, o centro de sua estratatégia política devia ser a construção de alternativas institucionais de caráter progressista, democrático e popular. E a via principal de acessos às estruturas de poder era eleitoral.
Esse consenso sobre a estratégia não é compartilhado por uma parte da esquerda colombiana, que são as Farc, que ainda são protagonistas de outra estratégia, que, pouco a pouco, vem se revelando duvidosa e tem propiciado mais do que problemas para quem a pratica, mas também para o conjunto da esquerda colombiana e latino-americana.
As Farc passaram a ser, involuntariamente, um componente chave na estratégia de (Alvaro) Uribe, um fator que permite a ele preservar o poderio e a unidade do bloco conservador na Colômbia. As Farc já perderam sua capacidade militar em boa medida e sofrem um grau de isolamento internacional importante. Podem se preservar como força de resistência, mas não mais capaz de construir uma alternativa de poder. Mas é muito últil para preservar essa unidade do bloco conservador e o prestígio de Uribe.
O senhor acha que o projeto de reeleição de Uribe vai vingar?
Acho que sim. É com base nisso que a reeleição dele vai vingar, dessa ideia de que ele é um homem talhado para resolver um problema que, majoritariamente, o povo colombiano considera como inaceitável, que é a prevalência de uma situação de violência e guerra civil.
As Farc cometem, no meu julgamento, um erro ao permitirem que Uribe se apresente ao povo colombiano como um defensor da paz, porque faz a guerra contra a guerrilha. As Farc perderam inúmeras oportunidades de conquistar a bandeira da paz para o seu lado, uma operação para a qual teriam a solidariedade internacional.
Após dez anos de expressivas vitórias, as forças progressistas tiveram em 2009 alguns revezes, como o golpe em Honduras, a derrota no Panamá e o resultado negativo nas eleições legislativas na Argentina. Acendeu a luz amarela no continente?
Acho que está em curso uma contra-ofensiva conservadora no continente. Essa contra-ofensiva tem alguns capítulos já escritos, como Honduras, Panamá e Argentina, e vislumbram-se dificuldades poderosas no Chile, onde uma candidatura do bloco pinochetista pode ser eleita à Presidência, e a disputa principal é entre um candidato de direita, como o Sebastián Piñera, e um de centro-direita, como o Eduardo Frei.
Temos uma situação de isolamento e perda de maioria político-parlamentar na Argentina, situações complicadas no Uruguai, e viveremos a grande batalha entre forças progressistas e conservadoras na eleição brasileira do próximo ano.
Temos, no calendário, batalhas fundamentais e, para que possamos travá-las com lucidez e energia, é preciso considerar que há uma contra-ofensiva conservadora, com componentes importantes: pela primeira vez na história da América Latina, o grande empresariado, a burguesia latino-americana, se apresenta na arena com seus quadros naturais.
O Piñera é um empresário; o presidente eleito no Panamá, Ricardo Martinelli, é outro empresário; o Mauricio Macri, uma posssibilidade na disputa argentina, é outro grande empresário. As elites do continente assumem desta vez a linha de frente na organização dessa contra-ofensiva, que está em curso porque essas forças perderam os governos, mas não perderam o poder. Mantiveram o controle de importantes instituições do Estado, da mídia e mantêm relações internacionais poderosas com centros capitalistas mais desenvolvidos, em especial os Estados Unidos.
Os resultados dessa contra-ofensiva, a definição de se a América Latina aprofundará a tendência progressistas ou não, isso será definido nas batalhas (eleitorais) dos próximos dois anos, especialmente na batalha brasileira. Um vitória conservadora aqui pode ferir de morte ou seria uma trava importante nos avanços das forças progressistas na região.
Como o senhor analisa o cenário pré-eleitoral na Bolívia?
É a situação mais tranquila que temos no continente hoje. O Evo, que enfrentava a resistência que parecia irreversível das forças separatistas e conservadoras da Bolívia, conseguiu fazer resistência a essas forças e, em seguida, ampliar sua influência e liderança para o conjunto da sociedade boliviana.
Hoje ele possui raízes bastante sólidas não só entre a população indígena, mas em parte da população de origem europeia que, em um primeiro momento, se colocou bastante desconfiada em relação a ele e a seu discurso indigenista e progressista.
Como foi esse processo?
Essencialmente, ele ter conseguido construir uma aliança entre povos indígenas e os pobres e os trabalhadores em geral. Uma parte dessa classe média branca e urbana é formada por trabalhadores. Ele conseguiu atrair setores, demonstrando que sua política de recuperação das riquezas naturais e minerais da Bolívia era passo essencial para a construção de um projeto de desenvolvimento nacional que permitisse à Bolívia sair da difícil situação econômica e social que o país vive.
Uma parte da pequena burguesia boliviana se deu conta de que a incorporação de índios e povos trabalhadores ao mercado interno poderia significar, a partir da consolidação e ampliação de seu direitos e da conciliação de um projeto nacional, um ciclo de relativa prosperidade na Bolívia, do qual também se beneficiariam esses setores.
Evo (Morales) demonstrou ser uma grande liderança política com capacidade de conciliar táticas de enfrentamento e negociação como raros políticos.
Porque a relação com a mídia no continente é tão difícil?
Há um elemento importantíssimo da realidade política que já foi observado, nos anos 20, num famoso texto do Gramsci, em que ele dizia: os jornais são os modernos partidos da burguesia. A mídia, paulatinamente, foi assumindo este papel, na disputa política, de organizadora coletiva dos grandes interesses das oligarquias, que são suas proprietárias.
A mídia pode exercer um papel político muito mais competente do ponto de vista das elites, que seus partidos, que não passam de meras legendas eleitorais. Com raras excessões, os partidos de direita não têm qualquer tipo de vida. Num continente pobre como o nosso, o discurso puramente partidário das elites, no qual elas assumem com clareza seus interesses políticos, econômicos e culturais, tem pouca vazão. Há enorme resistência a esse tipo de discurso.
E, numa situação em que o discurso de direita é contraproducente, a mídia, por se apresentar, como árbitra da verdade, é instrumento de intervenção política muito mais eficaz. Esse papel da mídia vem se fortalecendo, sem resposta à altura das forças progressistas, que não foram capazes de construir uma mídia que se contraponha ao conservadorismo.
No Brasil, o maior fracasso das forças progressistas foi não ter conseguido isso, construir um instrumento de mídia que expresse sua opinião e fale para esse campo. E construir uma mídia não é só uma questão de disputa política, é mais que tudo a construção de um instrumento de disputa de hegemonia. Na América Latina, você conseguiu construir maioria político-eleitoral, sem construir hegemonia político-cultural.
O senhor é diretor de um site de notícias. Qual é a proposta do Opera Mundi?
É um projeto ainda experimental, cuja divulgação pública deve acontecer nos próximos trinta dias e cujo objetivo é ser um espaço plural e progressista, mas jornalístico e informativo, sobre política internacional, em especial da América Latina, que trate os fatos políticos e econômicos.
Não havia nenhum veículo que se dedicasse em especial a essa questão que é hoje um terreno essencial na batalha das ideias. A editora Última Instância, responsável pelo Opera Mundi, resolveu apoiar esse projeto, que não é fácil de ser construído. Tem que ter rede de correspondentes no mundo inteiro, criar caminhos alternativos às agências que monopolizam a informação internacional, construir uma linguagem, uma pauta de cobertura em um terreno que sempre foi mais difícil.
O senhor costuma acessar o Vermelho? Quais as suas impressões?
Acesso todos os dias. Considero que é o portal, o veículo de informação política mais qualificado que temos na internet hoje, pela qualidade do que produz e pela pluralidade de ideias e informações que reúne.
Da Redação,
Joana Rozowykwiat