"Bases militares querem esmagar movimento revolucionário"
A instalação de sete bases militares dos Estados Unidos na Colômbia reabriu o debate sobre o pretexto utilizado pelo país norte-americano para encobrir seu real objetivo na América Latina. O Plano Colômbia foi justificado como forma de combater o narcotráfico, já que a maior parte das drogas produzidas seria consumida nos EUA. Mas, de acordo com o coronel-aviador da Força Aérea Brasileira, Sued Castro Lima, a grande maioria das drogas consumidas nos EUA é produzida no próprio país.
Publicado 12/09/2009 11:53
Para ele, a intervenção estadunidense na Colômbia serve para "promover o esmagamento dos movimentos populares ou revolucionários que surgem na América Latina e intimidar ou neutralizar iniciativas regionais autônomas nos campos econômicos e de defesa, como é o caso da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL)".
Sued é engenheiro civil e já participou de diversas missões militares nos EUA, Israel, Argentina, Chile e Rússia. É membro fundador do Observatório das Nacionalidades, entidade de pesquisa ligada à Universidade Federal do Ceará (UFC) e à Universidade Estadual do Ceará (UECE). Leia, a seguir, a entrevista que Sued concedeu à Adital.
O que representa, para a América Latina, a instalação das bases militares na Colômbia? E para o Brasil?
Segundo o pensador francês Michel Foucault, um dos instrumentos do exercício do poder resulta da presença física do dominador. Através dessa presença, pode ostentar a força destruidora que lhe é própria, intimidando o mais fraco.
Já o estrategista britânico Liddell Hart, que viveu no século passado, considerava que um dos maiores objetivos estratégicos do comandante militar é o de ter acesso prévio ao mais amplo grau de conhecimento sobre as forças do virtual inimigo, como ocupam o terreno, como pensam, quem são seus chefes, como se preparam, enfim avaliar seus pontos fortes e suas vulnerabilidades.
A presença militar no território de potencial conflito armado ajuda a resolver bem tais questões, pois possibilita a observação e o acompanhamento dos acontecimentos que interessam ao potencial invasor, abrindo-lhe acesso a informações cruciais para o desencadeamento de seus eventuais propósitos de intervenção militar.
A concessão do governo de Uribe à instalação em território colombiano de sete bases militares operadas por milhares de soldados norte-americanos tem duplo efeito: fere a soberania de seu país e mina a União das Nações Sul-americanas (Unasul), com o seu Conselho de Defesa, ainda embrionários, filhos diletos da política externa e da estratégia de defesa regional desenvolvidas pelo governo Lula.
O senhor desconfia da justificativa dos EUA, que explicam a implantação das bases militares como mecanismo de combate ao narcotráfico na região. De que modo essas bases podem ameaçar a soberania dos países latino-americanos?
O argumento de fachada de combate ao narcotráfico há muito se perdeu. Desde que foi iniciado, no ano de 2000, o Plano Colômbia tem redundado em enorme fracasso. A produção de cocaína vem aumentando, exatamente porque aumentou o mercado, concentrado em sua maior parte no EUA.
Segundo o Washington Office for Latin America, órgão do governo dos EUA, o preço da cocaína no país caiu 36% nos últimos anos. A queda do preço é mais resultado do incremento da oferta do que de uma redução da demanda. Os EUA continuam sendo os maiores consumidores de cocaína do mundo, com 2,5% da população viciada na droga, algo em torno de 7 milhões de pessoas.
Da produção sul-americana que segue para os EUA, apenas 10% do lucro fica nos países produtores, enquanto 90% vão para as mãos das máfias que operam dentro dos EUA. São dados que indicam que o território onde deveria se travar o principal combate contra o narcotráfico é o próprio território norte-americano e não a selva amazônica.
Ainda sobre o tema droga, a Folha de São Paulo publicou (23/08/2009) uma informação surpreendente: durante a era Taleban (1996-2001), a produção de ópio foi totalmente desmontada no Afeganistão. O líder do grupo, mulá Mohammad Omar, considerava a droga "anti-islâmica", e ameaçava executar quem cultivasse a papoula. Atualmente, com a presença de tropas estrangeiras no país, a região é responsável pela produção de 70% do ópio no mundo.
Afinal, o que sobra evidente é que o combate ao narcotráfico na América Latina é apenas o que se chama em contra-informação de história-cobertura. Em 1986, Reagan incorporou à Doutrina de Segurança Nacional a National Security Decision Directive (NSDD), segundo a qual camponeses cultivadores de coca, militantes de esquerda, guerrilheiros marxistas, governos populares nacionais e grandes traficantes fariam parte de um estranho complô destinado a destruir a integridade e o poderio político dos EUA.
O tráfico funciona, assim, como pretexto para justificar ações militares destinadas a promover o esmagamento dos movimentos populares ou revolucionários que surgem na América Latina e intimidar ou neutralizar iniciativas regionais autônomas nos campos econômicos e de defesa, como é o caso da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).
Como o senhor avalia a postura dos países da América Latina diante da implantação dessas bases?
Identificam-se claramente dois tipos de postura: os lenientes e os resistentes. Formam no primeiro grupo os governos explicitamente de direita, como os da Colômbia, Peru, México e os golpistas de Honduras. Esses últimos sequer contam com o reconhecimento da esmagadora maioria da comunidade internacional de nações e dos órgãos multilaterais, como a ONU e a OEA.
No segundo grupo alinham-se o Brasil, Argentina, Equador, Venezuela, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Chile, Cuba, Nicarágua, El Salvador e outros, constituindo uma ampla e significativa maioria, o que não deixa de ser um fato novo, comparado à situação que existia há poucas décadas, em que o alinhamento com os EUA se dava automaticamente.
Sob esse ponto de vista, merece destaque a política externa do Governo Lula, que tem marcado posição de qualidade nos principais litígios internacionais ocorridos recentemente.
Em nível mundial, qual tem sido o papel desempenhado nas bases militares estadunidenses? Como as nações mundiais têm encarado essa intervenção militar?
A estratégia global dos EUA reproduz o que é desenvolvido na América Latina. O império faz-se presente em grande parte do planeta explorando e oprimindo povos, impondo, enfim, sua vontade pela força da corrupção e das armas.
Esteve presente em praticamente todos os conflitos bélicos que ocorreram no planeta ao longo dos séculos XX e XXI. Levaram morte e destruição à Coreia, Vietnam, Laos, Iraque e Afeganistão, para citar apenas os eventos mais destacados, sem esquecer os ataques atômicos a Hiroshima e Nagasaki.
Atualmente, os EUA mantêm cerca de 820 bases em 60 países. Dispõem de um exército de 1,5 milhões de homens, dos quais 300 mil no exterior, sendo metade no Iraque e no Afeganistão. A outra metade espalha-se por outros países. O Grande Império do Norte gasta em seu aparato bélico o equivalente a 42% dos gastos militares globais, algo próximo a 610 bilhões de dólares.
Considero que as nações que não abdicam de sua soberania certamente repudiam tal estratégia de ocupação. Felizmente, o Brasil integra esse grupo de países e tem mantido firme ação diplomática de negação da presença hegemônica dos EUA nos países latino-americanos.
Fonte: Adital