Senado protela adesão da Venezuela, critica pesquisadora
O Senado brasileiro cizinha em banho-maria a votação do ingresso da Venezuela no Mercosul principalmente devido ao " inconformismo dos setores conservadores com a atual política exterior do governo Lula, que se distanciou do projeto da Alca e fortaleceu a proposta do Mercosul e da Unasul". A opinião é da pesquisadora Mônica Dias Martins, em entrevista à Adital.*
Publicado 02/09/2009 19:10
Já aprovado pelos governos da Argentina, do Uruguai e Paraguai, o ingresso da Venezuela no Mercosul (Mercado Comum do Sul) só depende agora do Senado do Brasil, o único dos quatro países que compõem o bloco que não se pronunciou. No primeiro semestre deste ano, a medida foi aprovada na Câmara de Deputados brasileiros e enviada para avaliação dos senadores. A proposta permanece, até hoje, sem votação, já tendo passado por quatro audiências públicas infrutíferas.
Para a pesquisadora Mônica Dias Martins, o fato se deve ao "inconformismo dos setores conservadores". Professora da Uece (Universidade Estadual do Ceará), coordenadora do Observatório das Nacionalidades e editora da revista Tensões Mundiais, a entrada da Venezuela no Mercosul beneficiaria tanto o país como o bloco e até esses setores "teriam mais lucros do que prejuízos". Confira a entrevista que a pesquisadora forneceu, por e-mail, à Adital.
Adital: Qual a importância, para o próprio povo venezuelano, da entrada da Venezuela no Mercosul?
Mônica Martins: Em primeiro lugar, a importância política: participar de um processo de integração com características libertárias e que acompanha a pregação de Bolívar acerca da "necessária unidade americana". Do ponto de vista sócio-econômico, beneficiar-se do fortalecimento de um mercado comum sul-americano com trocas de bens e serviços mais intensas e mais justas entre os países, com repercussões na diminuição das desigualdades sociais.
Adital: De que modo a entrada da Venezuela pode beneficiar o Mercosul? E o Brasil?
Mônica Martins: O Mercosul seria um dos blocos regionais mais significativos em termos de produção mundial de alimentos, energia e manufaturados, detentor da maior reserva natural do planeta, com uma população de 250 milhões de habitantes e um PIB [Produto Interno Bruto] superior a US$1 trilhão. Quanto ao Brasil, a adesão da Venezuela contribuiria para o desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste bem como da infra-estrutura de comunicação e transporte, além de suprir necessidades energéticas e criar um corredor de exportação para o Caribe.
Adital: De que modo o Norte e Nordeste brasileiro poderiam ser beneficiados com a entrada da Venezuela no Mercosul?
Mônica Martins: Algumas ações de desenvolvimento nas áreas de fronteira, de cooperação ambiental e de integração energética já estão em curso, como, por exemplo, a construção das linhas de transmissão elétrica em Roraima e da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O ingresso da Venezuela irá dinamizar os fluxos na porção setentrional da América do Sul, hoje muito concentrados no Cone Sul, com evidentes vantagens para o Sul e Sudeste do Brasil. Em consequência, pode contribuir para um maior equilíbrio entre as regiões brasileiras.
Adital: Na sua avaliação, por que o Senado brasileiro tem protelado tanto para votar o ingresso da Venezuela no Mercosul?
Mônica Martins: A principal razão é o inconformismo dos setores conservadores com a atual política exterior do governo Lula, que se distanciou do projeto da Alca e fortaleceu a proposta do Mercosul e da Unasul [União das Nações Sul-Americanas]. Estes setores, majoritários no Senado brasileiro, defendem um alinhamento incondicional com os Estados Unidos.
Adital: De alguma forma, o ingresso da Venezuela no Mercosul pode, na prática, prejudicar os interesses políticos e econômicos de grupos brasileiros mais conservadores?
Mônica Martins: Na prática, teriam mais lucros do que prejuízos.
Adital: A senhora acredita que o tema seria tratado de modo diferente caso Hugo Chávez não fosse o presidente da Venezuela?
Mônica Martins: Creio que buscariam outra desculpa para se opor à participação da Venezuela. É bom lembrar que acordos internacionais são celebrados entre Estados nacionais com base em interesses estratégicos. O que está em discussão é o ingresso da Venezuela, não do atual governo venezuelano.
Adital: Qual a importância do Mercosul frente a outros tratados como a Alca? Na prática, o Mercosul é a melhor opção? Por quê?
Mônica Martins: A Alca era uma iniciativa dos Estados Unidos e das agências multilaterais, pautada nas vantagens de acordos de livre-comércio e no esvaziamento do Estado nacional. O Mercosul representa a possibilidade de consolidar um sistema regional capaz de formular suas normas com maior autonomia, elaborar um projeto de cooperação a partir de interesses e aversões comuns, incorporar múltiplas dimensões ao processo integracionista, ter uma presença ativa do Estado nacional e uma concepção da região enquanto ator internacional de peso.
* Com informações da Adital (http://www.adital.org.br)