Para Altamiro Borges a Confecom também tem papel pedagógico
O jornalista Altamiro Borges, autor do livro Ditadura da Mídia, em debate promovido pelo Comitê RS pró-Conferência de Comunicação afirmou que “nós só temos a ganhar neste debate que nunca foi feito”, diante do impasse que ocorre para a realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).
Publicado 26/08/2009 22:13 | Editado 04/03/2020 17:11
Segundo ele, estamos vivendo um momento histórico no Brasil, pois nunca antes se discutiu a comunicação. “Tenho para mim que a convocação da Conferência pelo Governo Lula é uma grande vitória dos movimentos sociais e não podemos desperdiçá-la, mesmo que não ganhemos nada de concreto o mais importante é o papel pedagógico, o processo cumulativo”.
Esta é a 54ª Conferência realizada no Brasil e está sendo a mais difícil de todas. A três meses da data de sua realização, nem regimento interno tem e os empresários se retiraram da Comissão Nacional de Organização, composta por 10 representantes do Governo, oito da sociedade civil e oito dos empresários.
Antes de se retirar, porém, “os empresários fizeram uma jogada inteligentíssima e colocaram o bode na sala”, observou Miro e deixaram na mesa, a proposta de 20% para representação do Governo, 40% para os empresários e 40% para a sociedade e o quórum qualificado de 60% mais um voto, para aprovação de qualquer proposição.
Os movimentos sociais consideraram esta proposta absurda, mas o governo assumiu a proposta e mesmo depois da saída dos empresários está sustentando e o impasse continua. (Quando esta matéria for publicada talvez já tenha sido definido).
Das oito entidades somente duas continuam a ABRA – Associação Brasileira de Radiodifusores e a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil). Para Altamiro se a conferência não acontecer em 1, 2 e 3 de dezembro será pior ainda, apesar da grita dos movimentos.
A Ditadura da Mídia
Altamiro usou três argumentos para explicar o conceito de ditadura da mídia. “Primeiro reproduz a lógica do capitalismo dos grandes monopólios. Os grandes engolem os pequenos. Segundo, onde não teve revoluções e teve subprodutos do capitalismo, como o Estado do Bem Estar Social ou o Estado Nacional Desenvolvimentista, no caso do Brasil, teve certa regulamentação na década de 40. Mas na década de 80 na Europa e 90 com Collor aqui no Brasil a mídia se aproveitou do desmonte neoliberal.”
A partir desta análise explicou que uma das características da mídia é funcionar como aparelho ideológico, conforme definição de Antônio Gramsci. “Eles não vendem produtos, mas idéias, comportamentos, entretenimento e informações com grande capacidade de criar opinião pública”.
Outro agravante aqui no Brasil é que em países da Europa se criaram redes públicas de comunicação fortes, com qualidade e audiência, como na Inglaterra, Portugal e França. “No Brasil nunca tivemos rede pública, o único que tentou foi Getúlio com a Rádio Nacional. O que se tem aqui no Brasil é somente rede “privada”, nos dois sentidos, e não tem concorrência”.
Outro problema é a legislação de controle da mídia. Até nos Estados Unidos que é o exemplo de liberalismo e democracia existem leis de controle da mídia que proíbem, por exemplo, a propriedade cruzada, ou seja, você não pode ser dono de rádio, TV e jornal.
A partir daí Altamiro relatou os diferentes papéis da imprensa no país, como de desestabilizar o governo Getúlio na década de 40, criar o clima de preparação e apoiar o Golpe Militar de 64, os episódios em que a rede Globo divulgou o Comício das Diretas como Festa de Aniversário da Cidade de São Paulo. Na Constituição de 1988 foi contra todos os direitos dos trabalhadores, direito das gestantes, direito dos funcionários públicos a sindicalização, direito de greve, jornada de 44 horas. Depois lançou o Caçador de Marajás sem falar em outras situações mundiais como a Guerra no Iraque ou o Golpe de Estado na Venezuela…
“Quando as instituições burguesas entram em crise a imprensa ocupa o papel de partido do Capital. Ela agenda a Política e não a política que agenda a mídia”, explicou. Além de outros papeis como julgar e condenar as pessoas, mesmo diante da presunção da inocência, a mídia também faz o denuncismo vazio, agenda e vende o modo de vida das pessoas. “É isto que será discutido na Conferência” arrematou Altamiro.
Coisas da Conferência
Altamiro avalia, porém que todo este poder começou a apresentar fragilidades. A tecnologia abriu um rombo com a internet e os jornais impressos estão diminuindo suas tiragens, os jovens estão migrando da TV para a Internet, porém Miro alerta que não se pode endeusar a internet. “Não é panacéia, pois a rádio também foi democrática no início. Eles vão tentar restringir o uso da internet também, como já existem projetos como do Senador Eduardo Azeredo, que usando a desculpa de combater a pedofilia está tentando criar regras para o uso da internet. Os grandes portais também estão aí, daqui a pouco vão querer cobrar para você utilizá-los”.
“Outra vulnerabilidade da mídia é que ela nunca faz a cabeça das pessoas totalmente e a luta de classes tem muitas formas de se manifestar e está aí a crise de credibilidade e o povo começa a desconfiar. O que foi o desmonte do golpe de estado na Venezuela em abril de 2002. A eleição de Evo Morales na Bolívia com 80% dos votos. A eleição de 2006 aqui no Brasil”.
O resultado desta mudança política na América Latina são governos mais ou menos radicais que estão enfrentando esta mídia. Temos Tabaré Vásquez no Uruguai que tem estimulado a TV Pública e rádio comunitárias, Cristina Kirchner na Argentina que propôs 33% da programação para os movimentos sociais. A Bolívia e a Venezuela que está discutindo um sistema que permite a convivência dos sistemas estatal, privado e comunitário.
Para Altamiro, a Conferência de Comunicação se encaixa neste processo de mudança. O Brasil é o primeiro país a propor uma Conferência para discutir a Comunicação e na Confecom os movimentos sociais tem três desafios:
– Não ter ilusão com esta mídia e que vai democratizar as empresas do Roberto Marinho;
– Fortalecer os “nossos” meios e veículos, ampliar a radiodifusão comunitária, com as brechas tecnológicas criar milhares de blogs e sites. Entender que comunicação não é gasto é investimento. “Se perdermos a batalha das idéias, perderemos a batalha, estamos disputando a hegemonia”.
– Criar políticas públicas de comunicação, de inclusão digital, de aumento de banda larga grátis, barateamento de computadores, etc.
“Com esta conferência temos que envolver mais gente no debate sobre comunicação. Imaginem chegar para a molecada e dizer que esta conferência é para conseguir mais internet e computadores, que você vai poder se comunicar de graça através da internet isto é a língua deles”, afirmou.
Por estes motivos, Altamiro defendeu a realização da Conferência Nacional de Comunicação independente das condições propostas pelo Governo e pelos empresários. Alíás o que se pode esperar de um governo que tem como ministro das Comunicações Hélio Costa, um ex-funcionário da Globo.
Luis Henrique Silveira
Engenho Comunicação e Arte