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Obama e as colônias israelenses em território ocupado

Argumentar que os israelenses mereceriam tratamento privilegiado dos jornais porque seriam mais eficazes em "relações com a mídia", ou mais 'bem-educados', ou menos 'emocionais' nada diz sobre a integridade do jornalismo, no caso, do New York Times. Jornalismo em tempos de guerra jamais foi trabalho fácil. Confiar na via da menor resistência não ajuda a servir ao interesse público.

Por Anthony DiMaggio*, para o Counterpunch

Para avaliar melhor a fraca pressão que o presidente Obama tem feito sobre Israel para que contenha a expansão das colônias em território palestino ocupado, é preciso analisar melhor o modo como a imprensa dos EUA está cobrindo o conflito Israel-Palestina.

Matéria publicada no New York Times dia 30/7, por exemplo, só discute as colônias israelenses na Cisjordânia do ponto de vista dos colonos. A matéria, sob o título "West Bank Settlers Send Obama a Defiant Message" [1] [Colonos da Cisjordânia desafiam Obama] não cita nenhum palestino e só ouviu colonos israelenses. E nem uma palavra sobre o fato de que a ocupação da Cisjordânia é universalmente definida como ilegal pela comunidade internacional. Tampouco se diz lá que as colônias impedem que se constitua Estado palestino com território contíguo. Os colonos são apenas vagamente referidos como "um desafio" à paz na Região. Embora o negociador dos EUA Dennis Ross seja citado, nada se diz sobre o papel que teve nas conversações de 2000, em Camp David, como adversário da formação de um Estado palestino soberano.

Outra matéria, da edição de 27/7 da revista Time, também é bom exemplo. Sob o título "Two Views of the Land" [2], há apenas um parágrafo sobre as dificuldades das famílias palestinas na Cisjordânia; e nove detalhados parágrafos sobre as famílias que vivem nas colônias [com fotos]. A matéria da Time enquadra-se confortavelmente no debate político (conduzido por Obama) e que visa apenas a suspender a construção de novas colônias, não a evacuação e o desmonte das que existem.

Ter conseguido limitar o debate da imprensa a apenas duas opções – manter o status quo, ou admitir a livre expansão das colônias – é prova de importante vitória da propaganda a favor de EUA e Israel.

Intelectuais do establishment e grupos pró-Israel, como CAMERA (Committee for Accuracy in Middle East Reporting in America[3]), AIPAC (American Israel Public Affairs Committee[4]), e a "Liga Anti-Difamação" (Anti-Defamation League[5]) jamais se cansam de repetir que a cobertura pela imprensa dos EUA seria tendenciosa contra Israel. E críticos progressistas atacam a imprensa que, para eles, faria a apologia dos crimes de guerra de Israel.

Gadi Wolfsfeld, da Universidade Hebraica, diz que a cobertura que a imprensa norte-americana oferece pode ser explicada por alguns simples 'padrões' [orig. frames] que auxiliam os palestinos e ajudam-nos a "vencer as batalhas ideológicas contra Israel". Para concluir que a cobertura que o jornal New York Times deu à Primeira Intifada teria favorecido sistematicamente os palestinos, porque teria enfatizado os sofrimentos dos palestinos, os ferimentos, a revolta e as condenações a Israel.

Assim também, para Marvin Kalb, de Harvard, a cobertura feita pela imprensa dos EUA da guerra Líbano-Israel em 2006 teria sido "capturada" pela "propaganda" do Hezbolá. Para ele, a mídia deu ênfase desproporcional à resposta militar de Israel, sem informar adequadamente sobre as ações militares do Hezbolá. O alvo de Kalb são as três redes dos noticiários da noite, que criticariam mais Israel que o Hezbolá. "Mais da metade do total de matérias (133) falavam dos ataques de Israel ao Líbano; só 89 noticiaram os ataques do Hezbolá a Israel."

Para muitos, os grupos de lobby pró-Israel exercem considerável pressão sobre os jornalistas norte-americanos para que adotem o ponto de vista pró – Israel.

O livro clássico de Paul Findley, People and Institutions Confront Israel's Lobby (1985) lista, com documentos, os nomes de várias figuras políticas que se tornaram alvo de perseguição pelos grupos pró-israelenses por denunciarem e criticarem a ocupação israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Findley documenta o processo pelo qual os editores do Washington Post foram forçados a aceitar a presença de um representante de um grupo militante de defesa de Israel para "monitorar" os repórteres nas salas da redação do jornal. Nenhum representante de interesses dos palestinos foi jamais convidado para o mesmo trabalho de monitoramento e avaliação.

John Mearsheimer e Stephen Walt documentam, em The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy (2006) os muitos ataques por grupos pró-Israel contra repórteres. Não é raro, por exemplo, que os editores da CNN recebam até 6.000 e-mails num único dia, protestando contra o que parece àqueles internautas ser matérias contrárias aos interesses de Israel. Mearsheimer e Walt também discutem a posição declaradamente favorável a Israel nos grandes jornais dentre os quais, por exemplo, Washington Post, Los Angeles Times, Wall Street Journal, Chicago Sun, Times e Washington Times.

Qualquer análise sistemática de tendências na imprensa dos EUA tem de considerar o que dizem os que denunciam um viés anti-Israel – porque constituem grupo muito ativo. Como ponto de partida, pode-se tomar o trabalho de intelectuais muito conhecidos, como Kalb e Wolfsfeld.

De fato, as 'provas' citadas por Kalb e Wolfsfeld não indicam que haja viés pró-Palestina. Só se pode falar em viés, se demonstra que o material jornalístico veicula informação que esteja em clara contradição com a realidade observável. No caso da guerra de 2006 Israel-Líbano, Kalb não comprova qualquer enviesamento na cobertura jornalística ao 'denunciar' que os jornais dedicaram 49% a mais de espaço aos ataques de Israel contra o Líbano, do que aos ataques do Hezbolá contra Israel. De fato, morreram 27 vezes mais civis libaneses que civis israelenses: a cobertura dos ataques israelenses, que mataram mais civis, deveria, portanto, ter sido ainda mais ampla, não, evidentemente, menor (morreram 1.191 civis libaneses; e 44 civis israelenses).

O mesmo vício observa-se também no trabalho de Wolfsfeld, sobre a cobertura da Primeira Intifada. Atenção ao número de mortos e aos sofrimentos de civis palestinos não implica viés ou desequilíbrio, dado que morreram 7 vezes mais civis palestinos que civis israelenses (1.087 palestinos; 160 israelenses). Apologistas a favor de Israel talvez consigam demonstrar que a imprensa dos EUA seria tendenciosa contra Israel; para tanto, teriam de definir "tendenciosidade" ou "viés"; e, para isso, teriam de reconhecer que os palestinos morrem em luta contra ocupação ilegal e violenta.

Os jornalistas poderiam 'dosar' a cobertura, de modo a não noticiar todas as mortes de palestinos; esse seria caminho seguro para produzir jornalismo sem qualquer credibilidade, pura propaganda, que ninguém levaria a sério como fonte de informação aproveitável.

Vários outros estudos demonstram que não há qualquer tipo de viés ou tendenciosidade a favor dos palestinos. De fato, o que parece haver é total monopólio das vozes do jornalismo e da reportagem nos EUA, a favor de Israel.

O veterano jornalista israelense Jim Lederman escreveu, em Battle Lines: The American Media and the Intifada (1992) que "as imagens apresentadas na televisão comercial norte-americana durante as primeiras semanas [da Primeira Intifada] subestimaram os fatos e os subnoticiaram (…). A televisão jamais mostrou, por exemplo, os helicópteros israelenses jogando bombas de gás no hospital Shifa, em Gaza, no primeiro dia do levante." As redes de notícias não exibiram imagens de "sangue e violência" nos noticiários da hora do jantar, o que, na prática, favoreceu Israel.

Ao reexaminar o período originalmente estudado por Wolfsfeld (10-31/12/1987), constatei que, das matérias publicadas pelo New York Times, 69% enfatizavam ações de funcionários do governo israelense, de militares israelenses ou de civis israelenses; maioria, portanto, em relação a matérias e manchetes em que se noticiavam ações de civis palestinos ou de seus líderes políticos. Quanto ao noticiário de dezembro, 65% eram notícias vindas de Israel; apenas 19% eram notícias vindas dos territórios palestinos ocupados.

Ainda que se aceite o argumento de Wolfsfeld, de que as matérias da Times muitas vezes criticam Israel, isso não implica que a revista seja independente do pensamento oficial de EUA e Israel. Na ocasião da Primeira Intifada, vários funcionários do governo dos EUA protestaram contra Israel estar usando "munição letal e escudos humanos [contra civis palestinos] como recurso para controlar tumultos em áreas densamente povoadas" e o Departamento de Estado exigiu que Israel reduzisse o recurso a essas práticas, considerada a pressão da crítica internacional. Noticiar essas declarações oficiais não implica qualquer independência jornalística, porque, aí, a imprensa apenas reproduzia material produzido por políticos dos EUA.

Há muitas e importantes provas que sugerem que Israel continua a gozar dos mesmos direitos de monopólio sobre a imprensa dos EUA. Em estudo sobre Times, Associated Press, NBC, CBS e ABC publicado por "Project Censored[6]", vê-se que, no período de 2001 a 2004, quando a relação entre mortos civis palestinos e israelenses alcançava trágicos 8:1, aqueles veículos e agências noticiaram duas vezes mais frequentemente a morte de civis israelenses, do que de civis palestinos. Isso, sim, é evidência de cobertura jornalística tendenciosa a favor de Israel.

Richard Falk e Howard Friel também analisaram a cobertura de assuntos que envolviam Israel na revista Times. Em Israel-Palestine on Record (2007), esses autores demonstram que a revista Times censura toda e qualquer manifestação dos autores conhecidos da esquerda progressista, como Noam Chomsky e Robert Fisk, condenados como extremistas e excluídos das páginas da revista. Ao contrário, o trabalho de intelectuais ativos na propaganda pró-Israel, como Alan Dershowitz, sempre é exposto sob luz favorável. A revista Times, por exemplo, publicou sem qualquer crítica ou correção as versões distorcidas redigidas por Dershowitz das reuniões de 2000 em Camp David (distorções documentadas extensamente e detalhadamente, no artigo de Seth Ackerman, publicado em FAIR, em 2002, “The Myth of the Generous Offer” [o mito da generosa oferta][7]).

Há abundantes exemplos de reportagem distorcida. Ethan Bronner, correspondente do jornal em Israel, passou a usar a expressão "territórios disputados" (7/3/2009) para designar a Cisjordânia ocupada, apesar de não haver qualquer disputa quanto a ilegalidade das colônias exclusivas para judeus e da ocupação; no mundo, de fato, só EUA e Israel ainda disputam aquelas colônias, contra toda a legislação internacionalmente reconhecida. Apesar de os editores do Times terem concordado (em editorial do dia 27 de março) com a suspensão de novas construções nas colônias na Cisjordânia, não fazem qualquer referência à situação de flagrante ilegalidade das colônias já existentes.

A análise que fiz de todas as matérias sobre o conflito Israel-Palestina assinadas por Ethan Bronner [8], de 1/1 a 30/7/2009, confirma o viés pró – Israel. Entre as principais matérias daquele período estão o que escreveu sobre a guerra de Gaza em janeiro e a pressão, pelo governo Obama, a favor da suspensão de novas construções nas colônias. Constatei que 63% das matérias de Bronner foram enviadas ou de Jerusalém ou das colônias na Cisjordânia; e apenas 32% das matérias foram enviadas de cidades palestinas.

Além disso, 37% das manchetes apostas àquelas matérias referem-se a ações de funcionários do governo de Israel ou ações militares israelenses; ações de líderes ou funcionários palestinos ganharam apenas 9% das manchetes. Os palestinos em geral aparecem em 30% das manchetes, proporção que deve ser considerada mais de perto.

O povo palestino ("os palestinos") aparece com considerável frequência nas manchetes, mas sempre apresentado como entidade passiva – objeto de alguma das ações de Israel. 71% de todas as matérias em que há referência aos palestinos são narrativas apresentadas pela voz de Israel. Por exemplo dessa tendência, há manchetes como: "Israel explica supostas ilegalidades na campanha em Gaza", "Relatório sobre violações em Gaza provoca furor em Israel" e "Protestos contra relatos de que Israel usou bombas de fósforo em Gaza."

Praticamente não há qualquer menção à legislação internacional nos artigos de Bronner. Apenas um, de 75 artigos, considera a ocupação israelense como ilegal face à lei israelense; e outro, apenas um, considera a ilegalidade face à legislação internacional. Só 8% dos artigos contêm qualquer menção a ações ilegais de Israel nos territórios ocupados; e 2,6% dos artigos incluem argumentos a favor da plena legalidade das ações de Israel.

Bronner também oferece várias razões pelas quais privilegia as fontes israelenses, em detrimento de fontes palestinas (ver, sobre isso, o excelente Pens and Swords: How the American Mainstream Media Report the Israeli-Palestinian Conflict, de Marda Dunsky, 2008).

Bronner reclama de que os militares israelenses frequentemente "apagam" inúmeros pontos de conflito com a imprensa. De fato, por mais que a censura militar seja problema sempre grave, raramente aparece como problema discutido na imprensa dos EUA. Aí, aliás, está outro claro sinal de que a cobertura jornalística já alcançou patamares muito evidentes de propaganda.

Também são bem pouco convincentes os argumentos de Bronner de que seria difícil expor o ponto de vista dos palestinos, por que esses, comparados aos israelenses, seriam menos cultos e menos educados e, assim, só ofereceriam depoimentos menos sofisticados, menos equilibrados e excessivamente emocionais (como o contrário de "ponderados") da própria experiência. Para Bronner, o governo de Israel teria "estrutura mais sofisticada de relações com a imprensa", em comparação com as autoridades palestinas, que, em matéria de relações públicas, "não são grande coisa".

Poucas das demais explicações que Bronner oferece para o que é jornalismo tendencioso são convincentes. Argumentar que os israelenses mereceriam tratamento privilegiado porque seriam mais eficazes em "relações com a mídia", ou mais bem-educados, ou menos 'emocionais' nada diz sobre a integridade do jornalismo, no caso, do Times. Jornalismo em tempos de guerra jamais foi trabalho fácil. Confiar na via da menor resistência não ajuda a servir o interesse público.

De fato, suavizar as paixões, ao relatar as atrocidades cometidas contra os palestinos, impede que os leitores conheçam, realmente, a brutalidade da ocupação e do conflito. Todos os que se interessem pela paz devem aprender a reconhecer o grave erro que a imprensa dos EUA comete ao politizar o conflito e favorecer a narrativa dos israelenses.

Assim a imprensa nos EUA favorece, simultaneamente, a noção falaciosa de que os EUA seriam "intermediário isento", num conflito para cuja escalada e aprofundamento os EUA agem sempre, ao longo dos últimos 40 anos, ao mesmo tempo em que operam contra as resoluções da ONU que visam à paz.

*Anthony DiMaggio leciona Política Norte-americana e Global, na Illinois State University. É autor de Mass Media, Mass Propaganda (2008) e de When Media Goes to War [Quando a imprensa vai à guerra] (no prelo, previsto para publicação em 2010). Recebe e-mails em adimagg@ilstu.edu

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:

http://www.counterpunch.org/dimaggio08032009.html

Ou copiado/colado logo após as Notas de tradução;

Nota de tradução:

[1] Em http://www.nytimes.com/2009/07/30/world/middleeast/30settlers.html

[2] Em http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,1910975-5,00.html

[3] Em http://www.camera.org/

[4] Em http://www.aipac.org/

[5] Em http://www.adl.org/

[6] "Project Censored: the news that didn't make the news" [Notícias que não foram notícia], em http://www.projectcensored.org/

[7] Em http://www.fair.org/index.php?page=1113

[8] Chefe da sucursal do The New York Times em Jerusalém, a partir de março de 2008.

Fonte: Blog Vi o Mundo