Fidel: Obama interpretou mal declarações de Raúl Castro
O líder cubano Fidel Castro escreveu, em artigo publicado nesta quarta-feira, que o presidente dos EUA, Barack Obama, "interpretou mal" seu homólogo cubano, Raúl Castro, que disse estar "disposto a discutir" com o governo norte-americano.
Publicado 22/04/2009 15:47
"Sem dúvida o presidente interpretou mal a declaração de Raúl", disse Fidel. para ele, as palavras do presidente cubano foram "uma demonstração de coragem e confiança nos princípios da Revolução".
Raúl afirmou, na reunião da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), que seu governo está "disposto a discutir" qualquer assunto com o governo norte-americano. A reunião foi realizada às vésperas do encontro da 5ª Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, que reuniu representantes de 34 países do hemisfério.
Fidel também descartou a proposta de Obama de reduzir os impostos sobre as remessas de dinheiro enviadas pelos cubanos residentes nos EUA aos seus familiares em Cuba.
O ex-presidente indicou que a proposta visa "semear discórdia e dividir os cubanos" e ressaltou que "redistribuir" uma parte dos valores enviados é "absolutamente justo".
"Todos os países cobram determinados valores pela transferência de divisas. Se forem dólares, com mais razão devemos fazê-lo, porque é a moeda do Estado que nos bloqueia", observou.
Fidel lembrou também que "nem todos os cubanos têm familiares no exterior que enviam remessas".
"Redistribuir uma parte relativamente pequena em benefício dos mais necessitados de alimentos, medicamentos e outros bens é absolutamente justo, acrescentou.
Para o líder da Revolução, Obama "deu mostras de auto-suficiência" na entrevista coletiva após o encontro e nas reuniões finais da cúpula em Trinidad e Tobago.
Fidel disse que Obama "não inventou" o embargo sobre Cuba, mas "o fez seu" como os outros presidentes norte-americanos que o precederam, que "fracassaram" em derrubar o regime cubano.
"Vivemos novos tempos. As mudanças são inevitáveis. Os lideres passam, os povos permanecem. Não teremos que esperar mil anos, apenas oito serão suficientes, para que outro presidente dos EUA, sem dúvida menos inteligente, prometedor e admirado no mundo do que Barack Obama ocupe esse cargo", escreveu.
Leis abaixo a íntegra do artigo:
Reflexões do companheiro Fidel
Obama e o bloqueio
Ontem, fiz referência ao ângulo cômico da “Declaração de Compromisso de Porto Espanha”.
Hoje poderíamos nos referir ao ângulo dramático. Confio em que nossos amigos não se ofendam. Entre o documento que recebemos, como projeto para ser submetido pelos anfitriões da Cúpula, e aquele que foi, definitivamente, publicado havia diferenças. No corre-corre de última hora, não houve tempo para nada. Alguns pontos foram discutidos em longas reuniões, nas semanas prévias ao evento. No último minuto, propostas como a que foi apresentada pela delegação da Bolívia complicaram ainda mais o quadro. Foi incluída no documento como uma nota, que dizia:
“A Bolívia considera que o desenvolvimento de políticas e esquemas de cooperação que tenham por objetivo a expansão dos biocombustíveis no Hemisfério Ocidental pode afetar e incidir na disponibilidade de alimentos e no aumento de seus preços, no incremento do desmatamento, no deslocamento da população pela demanda de terras, e, por conseguinte, no aumento da crise alimentar, afetando diretamente as pessoas com rendas baixas, sobretudo as economias mais pobres dos países em desenvolvimento".
"O governo boliviano, a tempo de reconhecer a necessidade da procura e do uso de fontes alternativas de energia que sejam amigáveis com a natureza, tais como a energia geotérmica, a solar, a eólica, e os pequenos e medianos planos hidrelétricos, expõe uma visão alternativa que se baseia em viver bem e em harmonia com a natureza, para desenvolver políticas públicas visando à promoção de energias alternativas seguras que garantam a preservação do planeta, nossa ‘mãe terra’.”
Tenha-se presente, ao fazer a análise da nota da Bolívia, que os Estados Unidos e o Brasil são os maiores produtores de biocombustíveis no mundo, ao qual se opõe um crescente número de pessoas no planeta, cuja resistência começou a crescer desde os escuros dias de George W. Bush.
Os assessores de Obama publicaram pela Internet, em inglês, sua versão da entrevista do presidente dos Estados Unidos com os jornalistas em Porto Espanha. Num momento da entrevista afirmou:
“Para mim foi interessante – e conhecia isto de maneira abstrata, porém era interessante em termos específicos – poder escutar estes líderes, que quando falavam de Cuba referiam-se muito especificamente aos milhares de médicos de Cuba que estão espalhados por toda a região, e dos quais estes países dependem grandemente. E isto é um recordatório para nós, nos Estados Unidos, de que se nossa única interação com muitos destes países é a luta contra a droga, se nossa única interação é militar, então é possível que não estejamos a desenvolver conexões que, com o tempo, possam aumentar nossa influência e ter um efeito benéfico quando tenhamos necessidade de fazer com que, na região, avancem políticas de nosso interesse"
“Acho que, por isso, é tão importante que, para nossa interação, não apenas aqui no hemisfério, mas também em todo o mundo, sejamos capazes de reconhecer que nosso poderio militar é apenas uma parte de nosso poder, e que temos que utilizar nossa diplomacia e ajuda para o desenvolvimento de maneira mais inteligente, para que os povos possam ver melhorias concretas e práticas na vida das pessoas comuns, a partir da política exterior dos Estados Unidos.”
Jornalista Jake: “Muito obrigado, senhor Presidente. Você pôde escutar aqui muitos líderes da América Latina que desejam que os Estados Unidos ponham fim ao embargo a Cuba. Você disse que é uma influência importante que não deve ser eliminada. Contudo, em 2004, você apoiou o fim do embargo. Disse que não tinha conseguido elevar os níveis de vida, que tinha apertado aos inocentes e que era tempo de reconhecermos que esta política, em particular, fracassara. Pergunto-me o que fez com que o senhor mudasse de opinião a respeito do embargo.”
Presidente: “Bom, parece-me que o 2004 ficou milhares de anos atrás. O que é que eu fazia em 2004?”
Periodista Jake: “Postulava o Senado.”
Presidente: "O fato de Raúl Castro dizer que está disposto a que seu governo converse com o nosso, não apenas sobre o fim do embargo, mas também sobre outros temas como os direitos humanos, os presos políticos, esse é um sinal de avanço"
“Há algumas coisas que o Governo cubano poderia fazer. Eles poderiam libertar presos políticos; poderiam reduzir o imposto às remessas em conformidade com as políticas que temos aplicado, ao permitir às famílias de cubano-americanos enviar remessas, porque resulta que Cuba impõe um enorme imposto, eles tiram grandes lucros. Esse seria um exemplo de cooperação onde ambos os governos estariam a trabalhar para ajudar a família cubana e aumentar o nível de vida em Cuba.”
Sem dúvidas o presidente interpretou mal a declaração de Raúl.
Quando o Presidente de Cuba afirma que está disposto a discutir qualquer tema com o presidente dos Estados Unidos, expressa que não teme abordar qualquer assunto. É uma demonstração de valentia e confiança nos princípios da Revolução. Ninguém deve ficar surpreendido quando falou de indultar os sancionados em março de 2003 e enviá-los todos para os Estados Unidos, caso esse país estiver disposto a libertar os Cinco Heróis antiterroristas cubanos. Aqueles, como mesmo aconteceu com os mercenários de Girón, estão ao serviço de uma potência estrangeira que ameaça e bloqueia nossa Pátria.
Por outro lado, a expressão de que Cuba impõe um “enorme imposto” e “obtém enormes lucros” é uma tentativa de seus conselheiros para semear discórdia e fazer com que os cubanos se dividam. Todos os países cobram determinadas cifras pelas transferências de divisas. Se são dólares, ainda com mais razão devemos fazê-lo, porque é a moeda do Estado que nos bloqueia. Nem todos os cubanos têm familiares no exterior que enviem remessas.
Redistribuir uma parte relativamente pequena em benefício dos mais necessitados de alimentos, medicamentos e de outros bens é absolutamente justo. Nossa Pátria não tem o privilégio de converter em divisas as notas que saem das tipografias do Estado, que muitas vezes os chineses têm chamado “moeda sucata”, como já repeti em várias ocasiões e tem sido uma das causas da atual crise econômica.
Com que dinheiro os Estados Unidos salva seus bancos e multinacionais endividando pela sua vez as futuras gerações de norte-americanos? Obama estaria disposto a discutir sobre esses temas?
Daniel Ortega falou muito claro quando lembrou sua primeira conversa com Carter, que hoje repito novamente:
“Tive a oportunidade de me encontrar com o presidente Carter e quando me dizia que agora que o povo nicaragüense tinha derrubado a tirania dos Somoza, era a altura ‘de a Nicarágua mudar.’ Eu lhe disse: ‘Não, a Nicarágua não tem que mudar, vocês são os que têm que mudar; a Nicarágua jamais invadiu os Estados Unidos; a Nicarágua jamais minou os portos dos Estados Unidos; a Nicarágua não lançou uma pedra contra a nação norte-americana; a Nicarágua não impôs governos nos Estados Unidos, são vocês os que têm que mudar, não os nicaragüenses.’”
Na entrevista coletiva e nas reuniões finais da Cúpula, Obama mostrou-se auto-suficiente. Não foram alheias a essa atitude do presidente norte-americano as posições desprezíveis de alguns dirigentes latino-americanos. Há alguns dias eu disse que tudo o que for dito ou feito na Cúpula ia ser conhecido.
Quando respondendo a Jake, ele expressou que, de 2004 até hoje tinham transcorrido milhares de anos, foi superficial. Será que devemos esperar tantos anos para que suspenda seu bloqueio? Não o inventou, mas o fez seu, da mesma forma que mais outros dez presidentes dos Estados Unidos.
Podemos prever-lhe, se continuar por esse caminho, um fracasso seguro como o de todos seus os predecessores. Esse não foi o sonho de Martin Luther King, cujo papel na luta em favor dos direitos humanos iluminará cada vez mais o caminho do povo norte-americano.
Vivemos tempos novos. As mudanças são iniludíveis. Os líderes passam, os povos permanecem. Não haverá que se esperar milhares de anos, apenas oito serão suficiente, para que, num automóvel mais blindado, num helicóptero mais moderno e num avião mais sofisticado, outro presidente dos Estados Unidos, sem dúvida menos inteligente, prometedor e admirado no mundo que Barack Obama, ocupe esse inglorioso cargo.
Amanhã teremos mais notícias da Cúpula.
Fidel Castro Ruz
Abril 21 de 2009
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