Dossiê denuncia a legislação criminosa para aborto no Brasil
“A legislação não impede as mulheres de fazer o aborto. No entanto, ela é altamente eficaz para colocá-las em situação de risco”, afirma a secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, Télia Negrão. Organizado
Publicado 07/12/2008 10:09
“Eu tava na ante-sala de fazer a curetagem, botavam ali como se fosse um castigo, eu achava que fosse um castigo. E fiquei o dia inteiro, dia inteiro, dia das mães. Veio o médico, fez o toque, não falou nada, nada, e fiquei lá, com a roupinha do hospital. E vinham os estagiários, levantavam a roupa e enfiavam o dedo, sem dizer nada, vinha um, vinha outro, me sentia uma coisa…”. O depoimento acima faz parte do dossiê “A Realidade do Aborto Inseguro”, registra um dos depoimentos do dossiê.
Organizado pelo Instituto Mulheres pela Atenção Integral à Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (IMAIS), o documento traz, além de depoimentos de mulheres que realizaram aborto, números do aborto inseguro na Bahia.
“O problema ocorre em todo o Brasil, mas, em Salvador, o aborto inseguro é a primeira causa de morte entre as mulheres. O dossiê tem como objetivo dar visibilidade a essa situação para que a legislação seja modificada”, afirma Lena Souza, membro da Rede Feminista de Saúde – Regional Bahia e do IMAIS. Na capital baiana, a cada cem internações por parto, 25 ocorrem em decorrência do aborto, número bem acima da proporção nacional que é de 15 para 100.
Os dados do dossiê revelam que Salvador possui um índice de mortalidade materna cinco vezes maior do que o mínimo definido como aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “A legislação não impede as mulheres de fazer o aborto. No entanto, ela é altamente eficaz para colocá-las em situação de risco. Com o dossiê, queremos mostrar, por meio de evidências científicas, que o aborto é um problema de saúde pública e de violação de direitos humanos”, afirma a secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, Télia Negrão.
De acordo com o estudo, a curetagem pós-aborto aparece como o segundo procedimento mais freqüente na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2007, foram realizadas 8.387 curetagens em Salvador. “Nenhuma morte evitável é aceitável. Estudos mostram que só há 1% de risco de morte quando aborto é feito de maneira segura. É preciso acabar com o mito de que a mortalidade materna no Brasil é baixa”, ressalta Télia.
O documento também pretende dar subsídios para o trabalho de parlamentares na implementação de políticas públicas e para a mudança da legislação brasileira que está entre as mais restritivas do mundo. Segundo o artigo 128 do Código Penal, que data de 1940, o aborto só não é passível de punição se for a única maneira de garantir a vida da mulher e se for realizado para interromper gravidez por estupro.
Em todo o Brasil, foram registradas aproximadamente 220 mil internações por causa de aborto inseguro nas unidades do SUS durante o ano de 2007. O Ministério da Saúde estima que cerca de 1,4 milhão de mulheres realizem aborto no país a cada ano. Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador revelam que, em 2006, a gravidez, o parto e o puerpério foram as causas mais freqüentes de internação hospitalar na cidade, correspondendo a 44% de todas as internações no SUS. Destas internações, 22% referem-se a gestações que terminaram em aborto.
Até julho de 2008, 69% dos procedimentos de curetagens na maternidade Tsyla Balbino foram realizados em adolescentes e mulheres jovens, na faixa etária de 14 a 29 anos. Na Maternidade do Instituto de Perinatologia da Bahia, os dados de 2006 e 2007, referentes a internações por curetagens, desagregados por faixa etária, revelam uma concentração de procedimentos nas faixas de 20 a 29 anos de 56,2% e 52,1%, respectivamente.