Bruno Barreto: megalomaníaco que busca o Oscar para o Brasil

Representante do Brasil na corrida por uma indicação ao Oscar, Bruno Barreto diz querer atrair multidões ao cinema mas também fazer pensar. Bruno Barreto não é novato em indicações ao Oscar. O diretor de 53 anos perdeu a estatueta de melhor filme estrange

Em seu novo filme, Última Parada 174, o diretor transforma em ficção a vida de Sandro do Nascimento, responsável pelo seqüestro do famoso ônibus da linha 174, ocorrido em 2000, no Rio de Janeiro, transmitido ao vivo pela TV, e que terminou com a morte de uma refém e do seqüestrador Sandro do Nascimento.


 


O filme já conseguiu ser o representante brasileiro na corrida para uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Resta saber se a mistura de “temática social” com o drama humano e familiar tão caro à Academia vai surtir resultado.


 


Em entrevista a revista Época, Bruno fala sobre o Oscar, sobre as diferenças entre seu filme e recentes produções nacionais que abordam a violência urbana – como Cidade de Deus e Tropa de Elite – e diz que seu objetivo ao fazer filmes é encantar primeiro e fazer pensar depois.


 


“Eu quero multidões se emocionando, mas também saindo do cinema com alguma sensação. Megalomaníaco e onipotente, né? Mas cineasta é assim mesmo, e aquele que disser que não é, estará mentindo”, comentou Bruno.


 


Por que você decidiu tonar ficção a história do Sandro pela perspectiva das relações humanas, da trajetória dele?


 


Bruno Barreto – Todos os meus filmes, comédia, drama ou suspense, se propõem a investigar o comportamento humano com o máximo de complexidade possível. Por isso eu sempre procuro o contraponto. O humor na tragédia, a melancolia na alegria. Ultima Parada 174 segue essa mesma linha. Por isso escolhi contar esta história através do personagem do Sandro e da gênese dele. Para mim, a trama deve sempre vir dos personagens.


 


Quais foram seus temores ao começar esse projeto de transformar em ficção um episódio tristemente marcante da tragédia urbana carioca e brasileira?


 


Barreto – Desde o início, antes mesmo de convidar o Bráulio [Mantovani, roteirista de Cidade de Deus e Última Parada 174] para escrever o roteiro, era muito claro para mim que só uma versão ficcional desta história poderia começar a responder às perguntas que me ocorreram quando vi o documentário Ônibus 174, do José Padilha [diretor de Tropa de Elite]. Nos dias de hoje, a realidade não está nada verossímil. Não só no Brasil como no resto do mundo. Por isso, a ficção é cada vez mais necessária para que possamos elaborar o que acontece no mundo. Minha preocupação maior foi não espetacularizar as poucas cenas de ação e alguma violência física. Tinha de deixar claro para o espectador que elas não eram tão importantes quanto as cenas que retratam o cotidiano e as relações humanas daqueles personagens.


 


Você diz ter tentado escapar do melodrama sem cair na frieza relatorial. Como você fez isso? Acha que atingiu seu objetivo?


 


Barreto – Primeiro na direção dos atores. Procurei sempre a emoção interna que é passada para o espectador através do olhar. Por isso me servi bastante de close-ups nas cenas. Depois, com a música, só usada nos momentos que precedem o clímax emocional, mas nunca durante. Desta forma, só a construção da emoção é realçada, mas nunca a emoção em si.


 


Você assistiu ao documentário Ônibus 174. A frase do sociólogo Luiz Eduardo Soares sobre a invisibilidade dos excluídos ajudou a nortear o filme?


 


Barreto – Esse é o segundo tema da história. Não é por acaso que a primeira imagem do filme é uma tela de TV enchendo toda a tela do cinema. No ar, uma telenovela sem nenhuma ligação dramática com a história que está começando a ser contada. Mas a TV como principal veículo que dá “visibilidade” ao ser humano é o subtexto do filme. O importante é ser notado custe o que custar. O Sandro transformou o ônibus 174 num palco para fazer a última performance da sua vida. Na frente de câmeras de TV do mundo todo.


 


Por que você decidiu reconstituir “rapidamente” o episódio final da vida de Sandro, restrito aos 15 minutos finais do filme?


 


Barreto – Sempre quis que o episódio do ônibus funcionasse apenas como uma catarse para tudo que o personagem do Sandro tinha vivido até aquele momento.


 


Última Parada 174 é um soco no estômago, seja pela história que revela a tragédia social brasileira, seja pelas cenas fortes e chocantes. A intenção era dar essa paulada no espectador, fazer um filme que perturbasse o público?


 


Barreto – A minha intenção e a do Bráulio [Mantovani, roteirista do filme] era fazer um filme que mexesse emocionalmente com o espectador, mas sem manipulações. Não esperávamos que o impacto fosse tão grande. Um veterano crítico de um dos maiores jornais de São Paulo, que gostou muito do filme, teve até ânsia de vômito durante a projeção.


 


Você não acha o filme um pouco fatalista, por encadear as tragédias pessoais de Sandro de modo a levá-lo àquele fim trágico? É uma metáfora do problema social do país, que leva tantos à criminalidade?


 


Barreto – Eu acredito na raça humana e por isso ainda não perdi a esperança. Mas redenção tem hora, e a ausência dela não quer dizer fatalismo. Na cena final do meu filme existe só uma possibilidade de redenção. Se tivesse ido além, seria desonesto com o espectador.


 


O filme às vezes derrapa em cenas inacreditáveis, que soam pouco verossímeis, como a do personagem Alê Monstro sendo surrado por Sandro, uma inversão brutal de personalidades. Isso não pode reduzir um pouco os conflitos de Sandro, tão explorados até a violenta catarse final?


 


Barreto – Em todas as pesquisas de opinião feitas recentemente, depois de projeções em diferentes universidades, a cena da briga entre o Sandro e o Alê Monstro é mencionada como uma das favoritas. Entendo sua objeção pelo fato de o personagem agressor ser mais frágil do que o agredido. Mas, muitas vezes, a ira que acomete certas pessoas intimida bem mais do que a estatura física.


 


O filme é uma aposta no gênero “violência urbana”, conhecido lá fora como “favela movie”, para ter êxito no circuito internacional?


 


Barreto – Última Parada 174 é uma aposta na inteligência do espectador. Na sua capacidade de se emocionar e pensar ao mesmo tempo. Para que isso ocorresse, procurei envolver e distanciar o espectador ao mesmo tempo.


 


Em que Última Parada 174 é diferente de outros filmes recentes que trataram da violência urbana, como Cidade de Deus e Tropa de Elite?


 


Barreto – Em Última Parada 174 não existe um personagem ponte entre o espectador e a história, como o fotógrafo Buscapé em Cidade de Deus, ou o Capitão Nascimento em Tropa de Elite. Esses personagens, que estão ao mesmo tempo dentro e fora daquele mundo, funcionam como guias turísticos para levar o espectador pelas mãos para um tour por aquele universo. No meu filme, o espectador se identifica com os personagens porque os conflitos são clássicos – relação entre mãe e filho e entre “irmãos”. Não existe filtro. Talvez essa seja a razão para o impacto ser tão forte.


 


A revista americana Variety afirmou que Última Parada 174 passa uma sensação de “deja vu”, de enredo batido, que pouco acrescenta ao questionamento dos problemas sociais brasileiros. O que você acha dessa crítica?


 


Barreto – É a típica crítica americana, onde a miopia impera. A velha necessidade de rotular e a dificuldade de ver o mundo de uma maneira mais complexa. Por isso acho compreensível que eles não consigam ver as diferenças entre Cidade de Deus, Tropa de Elite e Última Parada 174.


 


A derrota de O Que É Isso Companheiro ainda está “entalada” na sua garganta?


 


Barreto – O fato de O que é isso Companheiro ter conquistado uma indicação já foi sem dúvida nenhuma uma vitória. Foi um feito estar entre os cinco melhores filmes em língua não inglesa naquele ano [1998]. Sobretudo pelo fato de essa escolha ser feita por profissionais de cinema. A cada ano que passa, mais estrangeiros se tornam membros da Academia de Hollywood [que elege concorrentes e ganhadores do Oscar].


 


O que você achou da nomeação de Última Parada 174 para concorrer a uma indicação ao Oscar?


 


Barreto – Fiquei muito contente com a indicação para concorrer à vaga de melhor filme estrangeiro no Oscar. Principalmente porque o filme, por ser inédito, ainda não tinha críticas nem resposta de público. Logo, ele foi escolhido somente por suas qualidades como filme.


 


Numa entrevista recente, Walter Salles disse que a bilheteria não é um quesito fundamental para avaliar o sucesso de um filme, porque “cinema não é sabão em pó. O papel do cinema é gerar uma memória de nós mesmos, um retrato de uma sociedade num dado momento”. Qual o objetivo do seu filme? Atrair multidões ou gerar um retrato da sociedade?


 


Barreto – O meu objetivo, quando faço um filme, é sempre encantar primeiro e depois fazer pensar. Eu quero multidões se emocionando, se divertindo – porque humor é fundamental. Mas também saindo do cinema com alguma sensação para levar para casa, uma sensação que, de uma maneira ou de outra, possa melhorar suas vidas. Megalomaníaco e onipotente, né? Mas cineasta é assim mesmo. Aquele que disser que não é, estará mentindo.


 


Fonte: revista Época