Osmar Júnior: Fidel Castro e o comunismo não fracassaram

O mundo se surpreendeu esta semana com a renúncia de Fidel Castro ao comando de Cuba, o laboratório comunista que resiste ao tempo, ao fim da revolução-mãe, a Soviética, e ao bloqueio econômico implacável dos Estados Unidos da América. Foram 49 anos à fre

Doente e afastado há quase dois anos, o comandante (para o capitalismo, não mais do que um ditador que incomoda os princípios da livre iniciativa e do “sagrado” direito à propriedade privada, defendidos pela democracia) decidiu iniciar uma espécie de transição política na Ilha.


 


O que será de Cuba, o que será do comunismo, particularmente no Brasil, que é representado pelo PC do B. O deputado Osmar Júnior (PCdoB-PI) afirma que nem Fidel Castro, e muito menos o comunismo (que prioriza o trabalho sobre o capital), fracassaram.


 


A esperança é a resistência de Cuba, com o seu exemplo de dar educação a todos sem olhar para o bolso e para a cor da pele. No entanto, o comunismo não seria mais o mesmo. Não envelheceu, muito menos teria fracassado. Está sintonizado com os novos tempos, garante Osmar Júnior, há 27 anos acreditando na revolução permanente. O Acessepiauí entrevista o comunista que está “permanentemente aberto às idéias”.



 


Acessepiauí – Que significa o presidente Fidel Castro para Cuba, ele, o comandante, que acaba de renunciar 49 anos depois de instalar o comunismo na Ilha?
Osmar Jr. – O comandante Fidel Castro deixa uma história como dirigente do Partido Comunista Cubano e também como dirigente do Estado cubano. É o exemplo de um homem com idéias muito bem definidas, um homem com a capacidade extraordinária de lutar por suas idéias. É a história de um homem que também soube conquistar a confiança do povo cubano, porque, desde o início da sua militância, que foi na década de 1950, lá no comecinho da década de 1950, ele foi galgando cada vez mais apoio e confiança da população. Então, o primeiro traço que eu destaco é esse: de um homem de idéias, de um homem muito tenaz na defesa das idéias e de um homem com grande capacidade de conquistar apoio e confiança para as suas idéias.


 


Acessepiauí – A revolução fracassou?
Osmar Jr. – Eu diria que não. Se você comparar Cuba com os Estados Unidos da América; se você comparar Cuba com a Suécia; se você comparar Cuba com a Alemanha, você pode dizer que a revolução fracassou. Mas se você comparar Cuba com a Nicarágua; comparar Cuba com El Salvador; comparar Cuba com a República Dominicana; comparar Cuba com o Haiti; comparar Cuba com a Guatemala, você vai ver que a Revolução Cubana foi vitoriosa.


 


Acessepiauí – Por que as comparações?
Osmar Jr. – Porque Cuba está na América Central. É integrada pela cultura, pela realidade econômica e a realidade social da América Central. Eu desafio a apresentar um só país, que tenha, que ofereça hoje ao seu povo – e quando eu digo ao seu povo, eu não falo uma parte do povo, eu falo como um todo – o que Cuba oferece.


 


Acessepiauí – Cuba tem algo a oferecer?
Osmar Jr.- Fidel Castro tem um discurso muito famoso, que dizia assim: citavam os milhões de crianças latino-americanas que passavam fome, e ele dizia: “Nenhuma é cubana”. Os milhões de crianças latino-americanas que não tinham acesso à escola, e ele dizia: “Nenhuma é cubana”. E é verdade isso. Quando você compara a obra da Revolução Cubana, especialmente o papel de Fidel Castro à frente da revolução, e compara à realidade na qual Cuba está inserida, que é a realidade da América Latina, da América Central, você vai constatar que Cuba hoje é um país que tem um padrão de vida, um padrão de satisfação das necessidades materiais e, sobretudo, das necessidades intelectuais maior entre os povos da América Central.


 


Acessepiauí – O senhor visitou Cuba em 2001. O que viu de melhor e pior?
Osmar Jr. – A primeira coisa que me chamou atenção em Cuba é a forte identidade cultural com o Brasil. Eu, quando comecei a andar pelas ruas de Havana, tive a impressão é de estar andando em Salvador, na Bahia. Elas são muito parecidas. Parecidas não apenas do ponto de vista físico – dos prédios antigos, históricos, das ruas estreitas, das ladeiras -, mas parecidas também pela gente, pelo povo, pelo jeito de ser, pelo jeito de se comportar, pelo jeito alegre de enfrentar os desafios da vida. Eu vi em Cuba esse traço muito nosso, muito parecido com o Brasil. Eu vi em Cuba de muito bom o sistema educacional. Essa viagem eu fiz ao lado de Afonso Gil Castelo Branco, de Anselmo Dias e de George Wellington, que é um dirigente do PC do B, e nós todos ficávamos encantados ali por volta das 4 h, 5 h com as ruas de Havana cheias de crianças fardadas saindo da escola. E dizíamos assim: “Quando é que no Brasil nós vamos ter um sistema público de educação onde todas as crianças entram de manhã e saem à tarde?”. Todas! Não são algumas privilegiadas, não, que a família pode pagar, e paga caro. São todas. Então, Cuba me encantou por eu andar e ver que todo mundo estuda ou já estudou.


 


Acessepiauí – E o pior?
Osmar Jr. – O que me deixou preocupado? Cuba atravessou esses 50 anos com um bloqueio político e econômico violento, praticado pelos Estados Unidos da América, com uma campanha sistemática daqueles governos americanos para derrubar o governo cubano. A própria CIA reconhece hoje as vezes que ela tentou assassinar Fidel Castro, fora as tentativas de invasão do exército americano, utilizando-se de soldados contratados e mercenários para invadir a Baia dos Porcos. O que me chamou a atenção é como Cuba ainda precisava avançar muito, para um país com saúde e educação tão boas, poder também oferecer uma condição de acesso aos serviços mais modernos, aos equipamentos mais modernos que a tecnologia está oferecendo no mundo à sociedade. Eu acho que esse era o grande desafio colocado para o povo cubano. Não sei como está hoje.


 


Acessepiauí – Qual vai ser o futuro de Cuba sem Fidel Castro?
Osmar Jr. – A esperança nossa toda é que Cuba continue na trajetória de ser um país cujo centro de sua vida seja o trabalho pelo atendimento das necessidades maiores do seu povo. Como eu disse, lá falta muita coisa, mas lá também foi feita muita coisa. É continuar fazendo, nessa direção. A minha esperança é que Cuba possa vencer essa etapa do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. Para que ela possa ter um relacionamento comercial maior. Para que ela possa ter um processo de integração econômica e política maior, sobretudo nas Américas e com a Europa. Para que Cuba possa, através desse novo ambiente, se desenvolver mais rapidamente e oferecer cada vez mais uma condição material de vida melhor para o seu povo.


 


Acessepiauí – É possível haver comunismo no Brasil, exercido com liberdade, dentro de um ambiente democrático?
Osmar Jr. – Olha, quando a gente fala de um regime socialista conduzido por um partido comunista é evidente e natural que a gente tenha referências. A referência maior é a União Soviética (dissolvida em 1989), porque foi o primeiro Estado socialista que se implantou. No entanto, nós temos que observar que a implantação daquele Estado se deu há 100 anos,  numa realidade que vem mudando, e vem mudando rapidamente, sobretudo nos últimos anos. Então, as tarefas que nós temos hoje, os projetos e programas, embora eles tenham raízes nos princípios e na ideologia que norteou a Revolução Russa e construiu o Estado soviético, depois espalhado pelo mundo, eles hoje se colocam dentro da realidade que o mundo vive. Portanto, se pensar que se pode refazer a revolução com o modelo russo é pensar que o mundo é uma Rússia de 1917. E o mundo não é essa Rússia de 1917. O mundo mudou. O mundo de 1917 não era toda uma Rússia. Tinha suas diferenciações e muitas. Um dos traços da velha Rússia é de um país cuja matriz do Estado estava fundada na violência mais brutal. Um dos Estados mais violentos no exercício e manutenção do poder, comandado pelos Czares. Portanto, não falamos hoje numa revolução com o modelo russo, ou modelo chinês, que foi o grande movimento que veio a partir do campo e chegou às cidades. Não. Nós falamos hoje de um ambiente novo, que a contradição entre capital e trabalho continua existindo, e ela é um dos fundamentos do Marxismo e da teoria que orientou aqueles movimentos, mas se dá num ambiente completamente diferente. É nessa realidade que nós estamos trabalhando e buscando estabelecer os rumos que devam orientar a construção de um Estado que seja fundado na defesa dos princípios do trabalho, um dos elementos constantes do Marxismo, que o trabalho seja o elemento fundamental para definir as regras. Esse é um dos objetivos que nós temos hoje. Em que condições? Nas condições de hoje.


 


Acessepiauí – O senhor é um velho comunista ou novo comunista?
Osmar Jr. – Eu sou um comunista que já vou com 48 anos. Desses, 27 na militância política. Eu sou um homem muito aberto a idéias. Eu estou sempre acompanhando as mudanças que ocorrem no mundo. Não me canso de querer aprender, e aprender cada vez mais. Portanto, sou um comunista sintonizado, e o meu partido é um partido sintonizado com o ambiente que o mundo vive hoje. Procuro ser, pelo menos.


 


Publicado no Portal Acesse Piauí