Messias pontes: Retomar a Vale, por que não? (V)
É difícil avaliar qual a pior tragédia vivida pelos brasileiros: se a escravidão, se a ditadura militar ou se o desgoverno neoliberal tucano-pefelista (demoníaco). Nos oito anos do Coisa Ruim na presidência da República (1995 a 2002), o desmonte do Estado
Publicado 29/08/2007 08:52 | Editado 04/03/2020 16:37
Mas um pouco do patrimônio nacional subtraído fraudulenta e criminosamente pelos traidores da Pátria pode voltar a pertencer ao povo brasileiro. De 1º a nove de setembro próximo será realizado um plebiscito popular, convocado pelos movimentos sociais, quando os brasileiros vão responder à seguinte pergunta: Em 1997 a Companhia Vale do Rio Doce – patrimônio construído pelo povo brasileiro – foi fraudulentamente privatizada, ação que o governo e o Poder Judiciário podem anular. A Vale deve continuar nas mãos do capital privado?
A Vale foi praticamente doada por tão-somente R$ 3,3 bilhões, quando valia R$ 92,64 bilhões, e há quem sustente e prove que esse valor, na realidade, ultrapassava os R$ 100 bilhões. Além do preço irrisório, ridículo até, o leilão de privatização feriu a legislação que rege as licitações. As empresas que subavaliaram o valor da Vale participaram da sua compra. É o mesmo que botar raposa para cuidar de galinheiro.
Não é demais repetir que todo governante é gestor da coisa pública, e, portanto, não pode vender ou doar – que foi o caso – nenhum bem sem o aval do verdadeiro dono. Pelo contrário, houve uma intensa mobilização popular com milhões de brasileiros protestando e tentando impedir que se cometesse mais um crime de lesa-pátria. Nada menos de 104 ações populares foram interpostas na Justiça, obtendo liminares impedindo o leilão. O povo foi para as ruas protestar, principalmente em frente à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, mas todo o aparato militar foi colocado para reprimir desmedidamente os que se opunham à entrega do patrimônio público.
Com o apoio da mídia conservadora, venal e golpista, uma massiva campanha de mentiras procurava justificar a privatização de todo o patrimônio público, com ênfase para a Vale do Rio Doce. O principal motivo alegado era o pagamento da dívida pública e a falta de capacidade do Estado de investimento. Em pouco tempo tudo foi desmascarado, já que a dívida, tanto interna quanto externa, aumentou assustadoramente. Quando o Coisa Ruim assumiu a Presidência, em janeiro de 1995, a dívida interna era de R$ 62 bilhões, e quando ele saiu já ultrapassava os R$ 687 bilhões; a dívida externa, que era de U$ 102 bilhões, saltou para mais de U$ 227 bilhões no final do seu desgoverno. Na “venda” da Vale o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou R$ 2 bilhões dos R$ 3,3 bilhões.
Os traidores tucanos argumentavam também que o Estado carecia de recursos para investir em educação, saúde, segurança pública, saneamento básico e habitação. Porém a máscara caiu quando ficou comprovado que a Vale sempre contribuiu para que o Estado melhor cumprisse com sua função social, em parcerias com governos estaduais e municipais, viabilizando serviços públicos nas áreas de saneamento básico, saúde, educação, atendimento a crianças carentes, adolescentes e idosos, desenvolvimento social, transportes ferroviários e portuários etc. Todos os outros argumentos mentirosos foram desmascarados. Por isso o leilão da Vale tem de ser anulado.
Homens e mulheres de bem deste País que conhecem a verdade sobre o desmonte do Estado brasileiro pelos vende-pátria neoliberais tucanos e pefelistas, não conseguem deixar de se indignar, notadamente no tocante à entrega da CVRD. Para o governador paranaense Roberto Requião, “a privatização da Vale talvez seja o episódio mais vergonhoso de toda a história do Brasil. Lutar para reverter esse assalto ao patrimônio brasileiro é um dever de todos nós. Em qualquer outro país, os responsáveis por esse escândalo estariam sendo processados”.
Um dos homens mais lúcidos deste País, o professor Fábio Konder Comparato, titular da Universidade de São Paulo e idealizador e diretor da Escola de Governo da USP, não economiza palavras ao analisar o desgoverno do Coisa Ruim.
Sem meias palavras ele diz: “A grande responsabilidade do governo Fernando Henrique Cardoso não é ter levado a uma piora da situação econômica e social do País. Outros governos no passado conduziram a esse resultado, o que é imperdoável. O que constitui um crime histórico, notável na história brasileira, foi a entrega deste País ao estrangeiro, de pés e mãos atados. Essa é uma ação infinitamente mais danosa que todas as corrupções. O sujeito que se apossa de dinheiro público, ele comete um crime, mas é um crime de efeitos limitados, nós sabemos do quanto foi retirado do povo e tornado propriedade particular. Mas, a alienação do País, a submissão do País ao estrangeiro é um crime de conseqüências incalculáveis, de modo que se um dia, o que eu espero, nós viermos a ter um governo de reconstrução nacional, é indispensável que todos esses homens, se ainda estiverem em vida, que eles sejam processados perante um tribunal popular e condenados à indignidade nacional. Se eles já tiverem morrido, os atos deles serão julgados e a memória deles deve ser marcada com essa condenação de indignidade nacional. Se nós não tivermos a oportunidade de ajustar nossas contas com esses traidores da pátria, nós vamos continuar sempre nos desprezando como povo. Eu espero que isso não aconteça.”
Por tudo isso, o leilão da Vale tem de ser anulado. É uma questão de justiça e de soberania nacional. Ninguém tem o direito de se omitir.
Messias Pontes é jornalista