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Como funciona a famigerada prerrogativa do foro privilegiado

Para quem duvida dos efeitos deletérios do foro privilegiado, um relato exemplar, embora desanimador. Em 12 de junho deste ano, o procurador Marcílio Nunes Medeiros, do Ministério Público Federal do Maranhão, foi obrigado a declarar a extinção de punibili

A regra obriga as instâncias primárias a enviar processos contra deputados, senadores, governadores, ministros e o presidente da República aos tribunais superiores. Trinta foi autuado pelo Ibama, por crimes ambientais, em 23 de abril de 1999. O caso, enquadrado na Lei 9.605, foi remetido ao Ministério Público. Entre as punições previstas na lei, multa e até quatro anos de prisão. À época, o denunciado era deputado federal, o que obrigou o MP do Maranhão a enviar o processo ao então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro.



No despacho que declara a extinção da punibilidade, Medeiros faz um relato do trâmite da ação a partir do momento em que ela pousou sobre a mesa de Brindeiro (o famoso “engavetador-geral”). É um pequeno roteiro da construção de uma impunidade. Brindeiro recebeu o processo em 21 de outubro de 1999, mas, como de costume, manteve o processo em alguma gaveta empoeirada. A denúncia só foi oferecida ao Supremo Tribunal Federal quatro anos depois, em 15 de agosto de 2003, já no governo Lula e na gestão de Cláudio Fontelles na Procuradoria-Geral.



Detalhe: Trinta é filiado ao PL. No governo FHC, o PL era um integrante secundário da base aliada tucana, sem maior expressão. No primeiro mandato de Lula passou a exercer um papel central na aliança, inclusive indicando o vice-presidente, José Alencar. Apesar disso, foi sob a administração petista e pelas mãos de Fontelles que a ação voltou a seguir o trâmite normal. Se Brindeiro ainda fosse o engavetador, quer dizer, o procurador-geral, provavelmente o processo contra o ex-deputado maranhense, neste momento, estaria sendo devorado pelas traças em algum corredor escuro da Procuradoria.



O ministro do STF Sepúlveda Pertence, relator do caso, notificou Remi Trinta em 26 de agosto de 2003. Daí em diante, o processo andou em passo de tartaruga, velocidade habitual das ações no Supremo. Quase quatro anos mais tarde, em 26 de fevereiro de 2007, Pertence decidiu por reenviar os autos ao Ministério Público do Maranhão e à Justiça Federal no estado, após constatar que Trinta não havia se reelegido e, portanto, não gozava mais do direito ao foro privilegiado. O crime que o Ibama e o procurador acusam o ex-deputado de ter cometido prescrevia em oito anos. O prazo expirou em abril. No dia 27 do mesmo mês, a Justiça mandou arquivar o caso. O acusado nem chegou a esquentar o banco de um tribunal.



Medeiros, desolado, anotou no despacho: “Antes, todavia, de encerrar a presente manifestação, o que poderia ser feito laconicamente diante da visível superação do prazo previsto em lei para a punição do crime, cabe ressaltar aqui a serventia da famigerada ‘prerrogativa do foro’ e os efeitos nocivos que ela proporciona no combate à criminalidade”. Nada mais precisa ser dito.



Fonte: Carta Capital (http://www.cartacapital.com.br)