Mulher pesca sim, e faz poesia
Numa reunião de pescadores em Fortaleza duas mulheres falaram da vida difícil na beira da praia e mostraram que mulher não é só pra cozinhar na água grande o peixe trazido pelo marido.
Publicado 11/08/2007 09:38 | Editado 04/03/2020 16:37
Fui representar o deputado federal Chico Lopes (PCdoB) numa reunião de pescadores com o Presidente da Frente Parlamentar do Congresso Nacional de Defesa da Pesca e da Aqüicultura, deputado Flávio Bezerra (PMDB). O encontro foi na Colônia de Pescadores Z-8, aqui em Fortaleza, e lá estavam representantes de várias colônias de pescadores do Ceará. A grande maioria eram homens falantes e marcados pelo sol e o sal que castigam os “proletários do mar”, como bem definiu meu camarada Carlos Décimo em seu trabalho de conclusão do curso de Engenharia de Pesca da UFC. Todo pescador fala muito, conta histórias. As histórias de pescadores são famosas e superlativas. Mas ali escutei muitas histórias reais, de luta, contra as dificuldades da vida no mar. Relatos sobre a exploração dos “empresários da pesca”, que ganham uma bolada boa de dinheiro enquanto os trabalhadores ficam com um dinheirinho pra pagar o bodegueiro e uns três ou quatro peixinhos pra alimentar a mulher e os barrigunhos que ficaram em casa.
No auditório havia duas mulheres representantes de colônias, a Glais Rodrigues, de Itarema, e a Luzanete Lima, da Taíba. A primeira a falar foi a Glais, marisqueira, franzininha, mas firme como uma rocha ao denunciar que não recebeu a licença de pesca da Secretaria Nacional de Pesca simplesmente porque é mulher. E mulher não pesca não? Pesca sim! E a Glais ainda é proprietária de um barquinho que é usado pelo marido e os filhos para irem ao mar. A platéia se indignou e não faltou solidariedade. Ninguém vai aceitar aquilo e a briga vai ser feia até a Glais ter a licença.
Mas quando a Luzanete falou foi que veio uma emoção danada. Ela é da Taíba, um lugar que vive nas peças de divulgação turística do litoral cearense. Lá tem até um Festival Anual do Escargot. Coisa fina! Ë um lugar bonito que só, mas é também um lugar afetado pela exploração do trabalho dos pescadores. E a Luzanete soltou o verbo contra a pesca ilegal de caçoeira e de compressor, contra a falta de apoio ao pescador artesanal e, como todos que falaram na reunião, cobrou fiscalização por parte do IBAMA. No final aquela mulher do mar avisou que tinha mais uma coisinha pra falar. Abriu a agenda e lá nas últimas páginas tinha umas anotações feitas naquele dia e que ao serem lidas deixou um monte de marmanjo com os olhos marejados e a voz embargada.
Veja, do jeitinho que ela escreveu, como essa história de pescadora é bonita:
Pescar é Preciso
Por que acordar no meio da noite
Sentir do vento o açoite
Vestir uma roupa fria?
Seguir madrugada adentro
Ondas altas, fortes ventos?
Porque pescar é preciso.
Por que curtir tanto sol
Enrugar o rosto, calejar as mãos
Navegar com força
E até esquecer os desejos do coração?
Porque pescar é preciso.
Por que a pressa de entrar no mar
Se há calmaria no coração?
A fé é a certeza de que vais voltar…
Mas, pescar é preciso.
A herança é bela, sábio destino
Tens a pesca desde menino!
Jangada a vela ou bote de remo
O mar é sereno!
Pescar é preciso.
Olhaste a lua, sentiste a brisa?
O barco flutua…
Pescar é preciso.
O tempo é pouco
Para apreciar o brilho da lua
O balanço do mar.
Soltando linha ou iscando anzol
Nem mesmo percebes o por do sol
A vida é dura, o dever me avisa:
Pescar é preciso.
A noite é longa,
Calma, escura e fria
Nem sempre fazes boa pescaria!
Por que não tentas um pouco mais adiante?
Assim largas a corda e vai mais distante.
As luzes se escondem, cobriram-se os montes,
Só águas te rondam…
Pescar é preciso.
Por que águas frias,
fazem companhia no amanhecer?
Quando alguém há alguém
Que inspire do teu bem querer?
Desafia o homem, tem que ir a luta,
Pescar é conduta do grande destino.
A vida é confusa,
Sonhos… improvisos
Eu fico com os sonhos
Mas, pescar é preciso.
Luzanete Lima
Taíba
São Gonçalo do Amarante – CE
De Fortaleza, Inácio Carvalho