Ana Quirot: uma declaração de amor a Cuba
Por André Cintra
A entrevista que Ana Fidelia Quirot deu ao Momento Pan, da Sportv, na última segunda-feira (23), foi um desses raros instantes em que a cobertura dos 15º Jogos Pan-Americanos pela grande mídia fugiu ao lugar-comum. Em pouco
Publicado 25/07/2007 07:46
Ana Quirot estava acompanha de outras lendas cubanas do esporte que já se aposentaram — Regla Torres (vôlei), Teófilo Stevenson (boxe) e Eric Lopez (ginástica artística). A soma de seus depoimentos compõe, por assim dizer, uma resposta aos três atletas que desertaram da delegação de Cuba. A respeito disso, o próprio Fidel declarou que “não existe nenhuma justificativa para solicitar asilo político”. E acrescentou: “De antemão conhece-se seu destino final como atletas mercenários numa sociedade de consumo”.
Para Ana Quirot, o destino final foi a glória — o que se tornou ainda mais claro após uma tragédia. Em 1993, quando seu desempenho no atletismo estava no auge, a cubana foi vítima de um acidente doméstico que lhe provocou queimaduras de segundo e terceiro graus em 80% do corpo. Para piorar, ela estava grávida de 30 semanas e, numa subseqüente cesariana de emergência, a criança morreu.
Embora sua carreira já fosse dada como encerrada, a atleta teve uma recuperação espetacular. Com a obstinação pessoal e um minucioso trabalho médico em Havana, voltou a competir no mesmo ano, enquanto dava seqüência ao tratamento. “Eu fui o produto da medicina cubana, que me fez ressurgir como a ave fênix”, frisou Ana Quirot na Sportv.
“Eu tenho de dizer: obrigada à medicina cubana. Obrigada a nosso comandante (Fidel), que desde as primeiras horas de meu acidente estava na cabeceira de minha cama para me dar alento para lutar por minha vida. Obrigada ao meu povo, que me deu a força e a energia para me levantar da cama, voltar às pistas e ocupar o lugar que eu tinha anteriormente. Obrigada também às muitas pessoas do mundo, amigos do esporte, preocupados com minha recuperação, que também me motivaram que continuasse no esporte”.
Na opinião da ex-atleta, o que houve com ela “somente acontece num país como Cuba, onde a medicina é gratuita, a saúde é gratuita, a educação é gratuita — onde não se faz esporte somente pelo alto rendimento, mas esporte por saúde”. A entrevistada do Momento Pan recordou que, em seu país, a prática esportiva é incentivada em todas faixas etárias, inclusive por “pessoas da terceira idade, que fazem esporte para prolongar sua vida”.
Uma carreira de vitórias
Ana Quirot orgulha-se de carregar no sobrenome (Fidelia) uma homenagem ao líder da Revolução de 1959. Nascida em 1963, ela começou a praticar basquete na infância, por influência de uma irmã que chegou a jogar, décadas depois, com a brasileira Hortência. Ainda na base, Ana trocou as quadras pelas pistas — e daí se tornou uma das maiores meio-fundistas do atletismo.
Como integrante da seleção nacional de alto rendimento a partir de 1983, precisou de pouco tempo para se destacar. Na Copa do Mundo de 1989, em Barcelona, foi primeira colocada em duas provas — 400 e 800 metros rasos. Nesta última, correu a final em apenas 1min54s44, o terceiro melhor tempo da história da modalidade. Chamada de “Tormenta do Caribe”, ganhando medalha atrás de medalha em Grand Prix, Mundial e Olimpíada, Ana Quirot só interrompeu sua trajetória por causa do acidente de 1993.
Uma vez recuperada, voltou a brilhar, especialmente nos 800 metros. Foi por essa prova que ganhou a medalha de ouro nos Mundiais de 1995 e 1997, além de ter sido prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. Recebeu, ainda, o título de melhor esportista da América Latina e do Caribe por quatro vezes (1989, 1991, 1995 e 1997).
A lembrança do retorno às pistas até hoje a comove, conforme revelou na entrevista à Sportv. “É algo que ficará na história como exemplo de dignidade, de vontade, de tenacidade, não somente para os jovens cubanos — mas para todas as pessoas que possam ter um tido um momento difícil, um problema como o que eu tive”.
Ao talento, ao carisma e à clareza de idéias, Ana Quirot soma uma formação cultural muito acima da média dos esportistas. “Eu digo sempre, como diz o nosso José Marti (poeta cubano): as pessoas não se medem pelas vezes que caem, mas pelas vezes que se levantam”, resume ao fim da entrevista à Sportv.
Membro do Partido Comunista e convidada de honra da delegação cubana no Pan do Rio, Ana Quirot compete eventualmente em torneios masters (para atletas aposentados). O encerramento oficial da carreira se deu em 1999, com o nascimento da primeira filha. Seu nome: Fidelia.