Nome de Harry Potter guarda referência a maconha
Por Haroldo Ceravolo Sereza *
Harry Potter, agora no quinto episódio cinematográfico e perto do seu sétimo e derradeiro livro, não teve seu nome traduzido para o português, um padrão seguido pelos mais gabaritados profissionais do mercado nos
Publicado 11/07/2007 20:16
Mas nem sempre foi assim: Carlos Drummond de Andrade, que além de poeta e cronista, verteu para o português obras em prosa, chamou de Teresa a heroína francesa de um romance relançado há alguns anos com o nome de Thérèse Desqueyroux, de François Mauriac, prêmio Nobel de Literatura.
Se a tradutora Lia Wyler seguisse o padrão antigo, um dos nomes que Harry poderia receber talvez viesse a causar constrangimentos para seus editores: Haroldinho Maconheiro é uma versão possível, já sugerido por um escritor muito popular entre as crianças, num debate público na Academia Brasileira de Letras, na época do lançamento do segundo livro da série no Brasil.
Isso porque “pot” é maconha em inglês. “Potter”, com a terminação “er”, pode ser entendido, com uma certa malícia, entre outras possibilidades, como “maconheiro”.
E, assim, Potter não seria uma referência ingênua aos vizinhos de infância de J.K. Rowling, como costuma narrar a própria autora nas raras, mas disputadas entrevistas que dá.
Embora o termo “marijuana”, proveniente do espanhol, seja o mais utilizado, especialmente nos Estados Unidos, “pot” aparece, com esse sentido, por exemplo, no popular dicionário “Michaelis Português-Inglês”.
Muggle
Tudo bem, mas acho que vocês estão exagerando, pensa o leitor. Sim, estamos, mas não somos os únicos nessa viagem. Em 19 de agosto de 2000, Mirna Feitoza, da Folha de S. Paulo, “pescou” uma outra associação à maconha nos originais de Rowling. No Brasil, os “muggles”, as pessoas normais – contadores, bancários, médicos, livreiros, entre tantas outras profissões -, foram chamadas de “trouxas”.
“Muggle”, segundo Feitoza, é uma outra gíria para maconha. Sua principal fonte: The Oxford Dictionary of Modern Slang (um dicionário de gírias), que conta a “trajetória” do termo: a primeira “aparição” é de 1926, no plural, significando “marijuana”; em 1969, ele ganha um “esse”, e passa a ser usada para indicar um cigarro de maconha.
Outra fonte é o Webster's Third New International Dictionary, que remete a uma outra palavra que, por sua vez, também significa cigarro de maconha. Feitoza elogia a escolha da palavra trouxa, mas, por sua vez, não nota que a tradutora pode ter até feito a mesma associação que J.K. Rowling.
“Trouxa” é uma palavra que, no dia-a-dia das delegacias e das páginas policiais dos jornais, costuma ser associada a uma pequena quantidade de maconha.
Ervilhas
Claro que esta é uma leitura bastante livre do livro. Mais do que isso, é enviesada – e, com um pequeno esforço, qualquer um pode transformá-la numa leitura paranóica.
Basta ignorar a importância que o duplo (ou múltiplo) sentido tem para a literatura e acrescentar frases feitas do tipo: “É esse tipo de porcaria que nossas crianças estão lendo”; “os pais deveriam ter cuidado com o que os filhos lêem”, “não estou contra a liberdade, mas acho que um livro para crianças…” etc.
Além disso, “potter” tem acepções muito mais óbvias, com associações mais instantâneas. “Potter”, ensina o dicionário, deve ser, como substantivo, traduzido antes por “oleiro” (fazedor de potes de argila) e por “enlatador de conservas”.
O que, novamente, tem sua graça, dessa vez só em português: nos anos 1980, a carga de um navio foi lançada ao mar, no Rio de Janeiro. Eram muitas latas de conserva – só que elas não tinham ervilhas ou atum – estavam, na verdade, cheias de… maconha.
Correu o boato de que ela produzia efeitos em seus usuários não obtidos com as vendidas nos morros cariocas -o que rendeu uma nova gíria em português: “Essa é da lata” passou a significar “pot” de excelente qualidade.
* Haroldo Ceravolo Sereza é jornalista e editor da homepage do UOL
Fonte: Trópico