''Lula precisa saber de que lado está'',diz estudante da UNE 

“O governo Lula precisa saber de que lado está, não dá para querer agradar a gregos e troianos”, falou na tarde desta quinta-feira (5) o estudante do Ceará, Edílson, ao se referir a atual política econômica do governo no debate “Alternativas para a constr

O anfiteatro 17 da UnB (Universidade de Brasília) ficou pequeno para os mais de 300 jovens que participaram do debate nesta quinta. Temas como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), redução das taxas de juros e metas de superávit primário foram os mais comentados. Os estudantes desejam medidas mais corajosas do governo na economia para que haja mudanças de fundo no Brasil.


 


“O importante é saber se o governo vai ficar fazendo meio de campo ou vai ficar do nosso lado. Por isso pergunto ao Berzoini: quando Lula pretende demitir Henrique Meireles do Banco Central?”, indagou Michel, que cursa direito na Univale (SC). Os mais de 30 oradores discordaram em vários temas. A Reforma Universitária, o Prouni e a transposição do rio São Francisco foram alguns deles. No entanto, uma mesma idéia os uniu: eles estão convencidos de que somente uma alteração na política monetária do governo poderia verdadeiramente mudar as universidades e a vida dos trabalhadores do país.      


 


Co-relação de força
  


Para refletir sobre a política macroeconômica adotada pelo governo o presidente do PT, Ricardo Berzoini destacou que a opção de seu partido foi pela governabilidade, amparada em uma ampla coalizão, onde a co-relação de forças apresenta uma pressão intensa de múltiplos atores que passam pelo Congresso Nacional, pelos movimentos sociais e pelo sistema financeiro internacional.     


 


“Primeiro tem uma questão que não é só a questão da co-relação de força social, tem a co-relação das forças políticas e econômicas e da articulação do Brasil com o resto do mundo”, disse Berzoini. “O Brasil já mudou a sua política econômica no último ano do primeiro mandato do governo Lula quando passou a executar o orçamento de maneira mais linear e quando passou a reduzir juros de maneira mais acelerada. Estamos chegando a uma taxa de juros real que nunca existiu na história do Brasil, embora ainda seja alta para os padrões internacionais”, completou.


 


Quando indagado pelo Vermelho sobre qual seria a co-relação de forças ideal para promover as medidas reivindicadas pelos estduantes Berzoini disse que “primeiro precisamos alcançar condições macroeconômicas suficientes para não ter superávit; precisa haver uma situação em que a relação da taxa de juros com o estoque da dívida não pressione mais um crescimento da dívida. Segundo, a questão é que política de juros é condicionada por uma trajetória de mercado, não é uma decisão apenas monocrática e de vontade política de dirigentes políticos do governo ou do Banco Central, ela tem a ver com as condições que o Brasil herdou do Fernando Henrique e de vários outros governos.”


 


Convicção


 


O presidente da UNE, Gustavo Petta, ao comentar o primeiro dia do Congresso não concordou plenamente com Berzoini. Para ele o que falta ao governo não é só co-relação de forças, mas sobretudo convicção. 


 


“Na verdade não é mais co-relação de força, embora não achemos que o governo Lula possa fazer uma ruptura total com o cenário internacional, porque no mundo globalizado existem diversas amarras que não podem ser enfrentadas só pela vontade. O que se exige é uma postura mais ousada e corajosa, no sentido de defender os interesses nacionais o desenvolvimento do país”, disse.


 


Petta usou como exemplo o processo que ocorreu na Argentina. “A Argentina, por exemplo, talvez tenha feito isso de uma maneira mais adequada que o Brasil na relação com os organismos internacionais ao não aceitar as imposições destes no índice de superávit primário e na taxa de juros; no entanto, sabemos que o país não rompeu com estes setores. Esta realidade se deu numa co-relação favorável no cenário interno, já que o país foi vítima das orientações destes organismos e a sociedade se indignou, dando força as medidas de Kirchner. No Brasil não aconteceu a mesma coisa, mas você já teria forças suficientes para fazer este enfrentamento, sem romper, mas fazer o enfrentamento.”


 


Para a UNE a popularidade de Lula dá autoridade para que o governo tome medidas. “O Lula goza de um índice de popularidade enorme; então, mesmo sem fazer grandes rupturas um enfrentamento seria possível. O que falta na verdade é convicção para esse enfrentamento. Talvez passe pela cabeça de muitos setores que estão no governo que esse projeto é o ideal, que é o possível e é muito bom, que está trazendo grandes melhorias para uma grande parcela da população, o que não é mentira. Mas isso é muito pouco para aquilo que a gente acredita que o Brasil pode ter para um projeto de desenvolvimento realmente ousado”, concluiu.


 


Debate não agradou a todos


 


Embora muitas lideranças dos mais diversos movimentos, correntes de opinião e partidos políticos estejam elogiando a estrutura e organização do evento, o debate desta quinta-feira deixou a desejar, segundo o estudante cearense de filosofia Michel. A ausência dos deputados federais Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Ciro Gomes (PSB-CE), Ivan Valente (PSOL-SP) e João Pedro Stédile, coordenador nacional do MST – todos convidados e confirmados pela UNE para a mesa – tornou a discussão “monótona” e “governista” segundo Michel.      


 


“Achei que o debate foi monótono porque os participantes da mesa são todos apoiadores do governo. Pareceu mais uma mesa do governo falando de estatísticas, de números – que na verdade não existem. Só uma via foi apresentada como alternativa para o Brasil. Além disso, a principal discussão que está em pauta na questão política, o caso do [senador] Renan Calheiros (PMDB-CE), não foi tocada por nenhum dos debatedores. Achei que nesse sentido não foi interessante, embora eu saiba de sua importância e reconheça que a valorização da diferença apresentou-se durante o debate”, disse o participante da chapa Rebele-se, de oposição à atual gestão, e liderança do PCR.


 


O delegado ao congresso, Allison, e também vereador do PT com apenas 22 anos da cidade de Itauna (MG), respeita a crítica de Michel e admirou-se com a abertura do presidente de seu partido ao encarar os estudantes no encontro da UNE. “Foi um debate importante, principalmente quando você tem uma predisposição a um debate democrático, como demonstrou Berozini que veio até aqui para discutir as idéias do partido e do governo Lula. Então é importante para UNE, que é a maior entidade do país, ter essa diversidade na unidade, ter diversas teses, diversos pensamentos. Mas a união da esquerda brasileira, sobretudo nos pontos chaves, é a construção do socialismo democrático do século 21”.


 


Atitude diferente


 


O comportamento dos participantes durante os mais de 20 painéis, seminários e grupos de discussão que ocorreram nesta quinta impressionou os veteranos de congresso. Ao invés das tradicionais interrupções ás falas dos oradores com palavras de ordem e gritos de guerra – que mais se assemelhavam a torcidas de futebol – palmas e vaias ao final das intervenções. Petta atribuiu essa atitude diferente ao novo modelo de eleição de delegados que a UNE experimenta neste 50º congresso. Diferente da eleição de delegados do último encontro em 2.005 – onde os estudantes eram eleitos em assembléias por curso – os 4.302 delegados credenciados foram eleitos pelo voto direto em urnas pela sua universidade.


 


“Acredito que muitos estudantes que estão aqui valorizam muito este espaço. O fato de ser eleito pelo voto direto da sua universidade, com a participação na eleição de pelo menos 5% dos seus colegas, traz uma atitude diferente deste estudante para o processo de discussão”, disse o presidente da UNE.


 


O ato mais ousado ficou por conta do artista convidado, Tico Sta. Cruz, músico da banda Detonautas. Quando palestrava na mesa que discutiu a questão dos direitos humanos, Tico Sta. Cruz colocou um nariz de palhaço e solicitou ao presente senador Cristóvão Buarque (PDT-DF), que entregasse uma carta de protesto sua ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL).


 


“A verba que deveria ser destinada para educação, saúde, cultura, lazer e esporte não chega e a corrupção colabora com a violência nesse aspecto”, ressaltou o músico ao entregar a carta e sugerir que se crie o Dia Nacional de Combate à Corrupção e à Violência. 
     


Para o presidente da UNE a atitude do músico foi legítima e natural de muitas pessoas indignadas com a corrupção, mas acredita que o problema é mais profundo. “A corrupção só será resolvida com um novo sistema político no país. Manter o financiamento privado de campanha e a mesma forma de participação na política institucional não vai ajudar a resolver o problema”, referindo-se a Reforma Política. “A UNE está fazendo todos os esforços para dialogar com essa indignação que precisa ter uma conseqüência, ir na raiz do problema. Vamos reforçar a luta por mudanças do sistema político que foi barrado agora no Congresso Nacional”.


 


Passeata


 


A UNE fará uma manifestação nesta sexta-feira (6), a partir das 15 horas, na Esplanada dos Ministérios por mudanças na política econômica. Da Catedral os estudantes partirão para a frente do Banco Central. Os 8 mil jovens lembrarão os 70 anos da UNE e o candango Honestino Guimarães (ex-presidente da entidade desaparecido desde 1.973), mas principalmente, eles exigirão a redução das taxas de juros e revisão das metas de superávit primário para ampliar os investimentos do Estado em educação.


 


Na parte da manhã, ainda na sexta, está previsto um acontecimento inédito no evento. Segundo a UNE, pela primeira na história do país, um julgamento da Comissão de Anistia acontecerá fora do Ministério da Justiça. O Anfiteatro 17 da Unb será o local do julgamento de pelo menos Aldo Silva Arantes e Jean Marc Frederic Charles Von Der Weid, que presidiram a entidade, respectivamente, de 1.9661/62 e de 1.969/71.


 


A Comissão da Anistia foi instalada pelo Ministério da Justiça, por Medida Provisória, em 28 de agosto de 2.001 para analisar pedidos de indenização de pessoas que foram impedidas por força do Estado brasileiro de exercer qualquer atividade por ter participação política de 1.946 a 1.988.


 


Por Carla Santos,


de Brasília