A volta dos infiéis

O jurista Félix Marques interpreta a decisão do TSE, a respeito da fidelidade partidária, expondo as consequências advindas das mudanças de siglas partidária.

No que tange ao entendimento do Tribunal Superior Eleitoral sobre a fidelidade partidária, realmente não há novidades e muito menos a legislação eleitoral do país é falha nesse sentido ou está a merecer reformas substanciais. Não. A nossa legislação eleitoral é perfeita e é uma das melhores do mundo, pelo menos no meu sentir e depois de fazer confrontação com a legislações de vários países.


O que está afetando a exata aplicação da nossa legislação nesse particular é o menoscabo dos políticos para com os deveres e obrigações partidárias e referentemente à legislação eleitoral, que tem na Constituição Federal a base de sustentação, aliada à ausência de rigor do Judiciário para com o ordenamento jurídico regulador da matéria. Quanto aos políticos, não resta dúvida de que muitos se valem da ineficiência do Judiciário para se beneficiarem da prática danosa do fisiologismo e do abuso do direito, dos deveres e das obrigações para com o partido e até mesmo para com a coligação que são formadas para acomodar as tramas politiqueiras, que da mesma forma, prejudicam a lealdade partidária, fato que nos remete ao ensinamento do ministro César Asfor Rocha para quem “não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano prático, que o vínculo de um candidato ao partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único, elemento de sua identidade política”.


Dessa feita, menosprezando a legislação e contando com a ineficiência e complacência do Judiciário, mudam de partido e praticam a dança partidária, sabendo que o Judiciário nada faz ou intervém, deixando ao bel-prazer dos finórios políticos. Assim está ocorrendo com a mudança de partido dos atuais parlamentares. Agora, sabendo que o Judiciário está a fim de fazer valer a lei, ou mesmo, se comprometendo com a sociedade em valorizar o voto do eleitor e o partido, tranqüilizando a opinião pública afirmando que “a sociedade fique de alma lavada” ( Ministro Marco Aurélio ) resolvem, naturalmente, em voltar à legenda de origem, pensando, conseqüentemente, que restabeleceriam o status quo ante relativamente ao mandato parlamentar que fora extinto tacitamente. Ledo engano. Mandato extinto tacitamente não se restabelece com o retorno ao partido. Não. Se permanecerem no exercício do cargo, essa titularidade é ilícita e nula de pleno direito, pois são conseqüências da inexistência jurídica do mandato. A permanência no cargo, reafirmando, é ilícita porque ofende princípios básicos da ordem jurídica garantidores dos mais valiosos interesses da coletividade, principalmente quanto ao erário público que está sendo sangrado com pessoas irregularmente exercendo cargo e percebendo dinheiro público de forma ilícita. Assim, se o partido não se interessar pela vaga, se os suplentes não agirem ou mesmo se o Ministério Público não exercer o seu dever de ofício quanto à fiscalização, qualquer cidadão poderá recorrer a actio popularis e cobrar da Justiça e do Ministério Público a declaração de vacância do cargo e o afastamento do parlamentar que se encontrar irregularmente ocupando o cargo e exigir a devolução do dinheiro percebido dos cofres públicos. E, se o Ministério Público não fiscalizar esse imbróglio, vai estar cometendo omissão diante da lei e se tornando conivente com o ilícito, mormente, se houver denunciação por parte de algum cidadão comum. O caso em comento ofende os princípios constitucionais da legalidade e da moralidade administrativa ínsitos no art. 37, caput, da Lex Mater, e toda a base jurídica que assegura o mandato à agremiação pela qual o parlamentar se elegera, cuja fundamentação não escapa ao bom operador do direito, porque configura improbidade administrativa e como tal, aplica-se o parágrafo 4º, do mesmo dispositivo quanto à suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens para caso de ressarcimento do cofre público em face do recebimento ilegal de vantagens pecuniárias e sem prejuízo da ação penal cabível. É o império da lei: dura lex, sede lex.


Félix Marques é advogado, presidente da Comissão de Defesa do Instituto Brasileiro de Defesa do Idoso. E-mail: felixmarques@terra.com.br