Juventude: Mais escolas, menos prisões

Por Miranda Muniz*

''Já podaram seus momentos, desviaram seu destino,
Seu sorriso de menino, quantas vezes se escondeu
Mas renovasse a esperança, nova aurora, cada dia
E há que se cuidar do broto,
pra que a vida nos dê flor e fruto"

Fazendo coro ao conluio midiático conservador, a Comissão de
Constituição de Justiça do Senado (CCJ) aprovou, em 26.04, a
constitucionalidade da PEC 20/99, que propõe a redução da maioridade
penal para 16 anos. O placar foi abertado: 12 a 10, o que demonstra
que a proposta terá grande dificuldade em ser aprovada, pois, por
tratar de emenda à Constituição, terá que alcançar ''quorum
qualificado'' (3/5 do número de parlamentares, ou seja, 49 votos no
Senado e 308 na Câmara) em duas sessões nas respectivas casas, para
ser aprovada.

Além do mais, essa proposta não tem o apoio das entidades que
trabalham com crianças e adolescentes, entidades ligadas aos
magistrados e ao ministério público, entidades de direitos humanos,
OAB, entidades juvenis (UNE, UBES, etc), e recebeu pronto repúdio do
presidente Lula e do ministro da Justiça, Tarso Genro contra sua
aprovação.  Ao contrário do que decidiu a parca maioria da CCJ, a
redução é também considerado por renomados juristas como
''flagrantemente inconstitucional'' por abolir um direito e garantia
individual, matéria insuscetível de abolição ou mutilação (''cláusula
pétrea''). Portanto, mesmo se vitoriosa no parlamento será questionada
perante o Supremo Tribunal Federal quanto sua constitucionalidade,
iniciativa que poderá ocorrer ainda durante sua tramitação.

São dois os argumentos principais dos que defendem a redução, como
fórmula mágica para enfrentar a crescente onda de violência:  que ''o
jovem que comete delito não é punido'' e que, no mundo de hoje, ''o
jovem tem suficiente informação para decidir o certo e o errado.''

Primeiro, sobre a dita ''impunidade do menor'', o sistema adotado no
Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe ao contrário, prevendo e
sancionando medidas sócio-educativas eficazes, reconhece a
possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, não
sentenciado – inclusive em parâmetros mais abrangentes que a lei penal
destina aos imputáveis na prisão preventiva – e oferece uma gama larga
da alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o
internamento sem atividades externas (privação total da liberdade).

Segundo, quanto ao ''discernimento'' do jovem atual é inegável que as
informações chegam com mais velocidade. No entanto, o sistema de
''evolução das penas'' não passa pela questão do simples discernimento,
mas sim, por conquista no campo dos direitos humanos.  O renomado
professor e juiz da Infância e Juventude no Rio Grande do Sul, João
Batista Costa Saraiva, tem alertado que ''o velho Catecismo Romano já
considerava os sete anos como a idade da razão, a partir da qual é
possível cometer um pecado mortal. Esse raciocínio sobre o
discernimento, levado às últimas conseqüências, pode chegar à
conclusão de que uma criança, independentemente da idade que possua,
deva ser submetida ao processo penal e, eventualmente, recolhida a um
presídio, desde que seja capaz de distinguir o bem do mal.''

Ademais, estudos nos campos da psicologia e psiquiatria revelam que a
chamada ''maturidade'' é um processo complexo: ''Na fase que vai dos 14
até os 21 anos, acontece a reorganização dos neurônios que se
manifesta justamente nas áreas ligadas ás emoções, ao discernimento e
autocontrole''
(psiquiatra Jorge Gaba, Jornal do Comércio); ''É comum
períodos de serenidade sucederem-se a outros de extrema fragilidade
emocional com demonstração freqüente de instabilidade… Sentem-se
imortais, fortes, capazes de tudo… As emoções são contraditórias.
Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e infeliz
para outro pleno de euforia…'
' (Educar Sem Culpa, Tânia Zagury, pág.
82).

Também é preciso ressaltar que a opção política do nosso ordenamento
jurídico em estabelecer inimputabilidade penal do menor de 18 anos
data de 1940 (no Império e no início da República, essa condição era
aos 14 anos) e está em sintonia com a evolução das conquistas da
cidadania e direitos humanos, em âmbito mundial. Já em 1949, a ONU
indicava a idade de 18 anos como limite razoável para o início da
imputabilidade. A Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Resolução n. 44 da ONU, de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil
em 1990, também recomendou o limite de 18 anos.

Ao contrário de posições preconceituosas e remédios ''que tendem a
matar o paciente'', a solução para a violência, em especial a praticada
com a participação de menores, foi muito bem sintetizada pela jovem
deputada federal Manuela D'Ávila (PCdoB-RS) ao afirmar que ''é preciso
superar a contradição entre emprego x educação.'' Segundo Manuela,
também é importante trabalhar outras medidas de inclusão, como
''garantir a permanência de estudantes na sala de aula – viabilizando
transporte escolar, por exemplo – e reduzir o número de jovens em
situação de violência.''
Para ela ''o Brasil deve se desenvolver de
maneira soberana''
para entrar nesse rumo de mudanças. ''Temos que fazer
com que a economia cresça para viabilizar investimentos na juventude''
,
pondera a deputada comunista.

 • MIRANDA MUNIZ – Agrônomo, Bacharel em Direito, Oficial de Justiça
Avaliador Federal e Presidente Estadual do Partido Comunista do Brasil
– PCdoB.