Dallari: Operação Furacão da PF tem mais resultados que CPI
Em entrevista ao site Terra Magazine, o jurista Dalmo Dallari, professor de Direito da Universidade de São Paulo, comparou as investigações da Polícia Federal com as das CPIs, que, segundo ele, acabam porque os “processos são mal feitos”: “
Publicado 25/04/2007 15:37
A Operação da Polícia Federal que prendeu magistrados acusados de envolvimento com a máfia dos bingos e máquinas caça-níqueis não deve acabar em pizza. A opinião é do jurista Dalmo Dallari, professor de Direito da Universidade de São Paulo, que destaca sobretudo um mérito da Hurricane (Furacão, em inglês): ” …a Polícia procurou antes o apoio do Judiciário. Isso vai impedir muitos habeas corpus, muita liminar, porque houve muito cuidado na produção da prova”.
Dallari compara as investigações com as das CPIs, que, segundo ele, acabam porque os “processos são mal feitos”: “Não respeitavam o direito de defesa, suposição era tomada como prova. Claro, o processo acaba. Agora, quando se fez como a PF fez, procurando antes o Judiciário, com autorização para escuta, busca e apreensão, isso tudo legaliza a diligência”.
Ele também refuta que esteja havendo corporativismo entre os juízes – uma crítica de quem acha que eles não deveriam ter sido soltos. Dallari diz que é preciso manter o amplo direito de defesa aos acusados: “O juiz, o ministro não pode proceder ilegalmente porque a opinião pública gosta mais”.
Leia os principais trechos da entrevista:
O ministro Gilson Dipp, do STJ, disse que a Operação Furacão mostra que 'acabou a era do juiz intocável'. O senhor concorda com isso?
Dalmo Dallari – É, eu acho que pelo menos vai ficar muito difícil qualquer intocável. Não só o juiz…
Mas quando o juiz Nicolau dos Santos Neto foi preso, também ouvimos essa história de que 'acabou a era do juiz intocável'. Mas isso já faz 7 anos…
Mas isso é uma coisa tão antiga e tão ramificada que não se elimina de um dia para a noite, num ato só. É preciso que haja persistência, continuidade, correção das falhas, aperfeiçoamento dos instrumentos de controle… porque a tentação sempre vai existir. Especialmente então na nossa época, em que é comum o criminoso muito rico. Aí o poder de corrupção aumentou também. Então não se pode dizer: “acabou”. Só se acabar a pessoa humana, porque a fraqueza é da natureza humana.
Não é muito fatalista essa visão de achar que enquanto existir a pessoa humana vai haver corrupção?
Não, não é fatalista, é só realista. E se vê isso no mundo inteiro. Não há nenhuma país em que não haja corrupção, em nenhum momento da História da Humanidade. Corrupção não acaba, diminui. No caso do Judiciário também. Quando foi criado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já foi um passo, porque antes as corregedorias eram dentro dos tribunais e agora já tem um órgão de fora dos tribunais para fazer o controle. Claro que isso também exige tempo, experiência… vai se corrigindo. E conforme vão surgindo novas formas de corrupção, têm que ser criadas novas formas de controle. Esse é um processo permanente, não vai acabar de um dia para outro. Nunca existiu isso, em nenhum lugar do mundo.
A grandiosidade dessa operação recente da Polícia Federal impressiona?
Eu acho que foi muito bem montada e eu ressalto até um aspecto que foi muito positivo: a Polícia procurou antes o apoio do Judiciário. Porque isso vai impedir muitos habeas corpus, muita liminar, porque houve muito cuidado na produção da prova. Esse é um dado fundamental. Porque veja por exemplo no caso das CPIs. O pessoal diz que não adianta nada, que sempre acaba em pizza. Acaba porque eram processos mal feitos. Não respeitavam o direito de defesa, suposição era tomada como prova. Claro, o processo acaba. Agora, quando se fez como a PF fez, procurando antes o Judiciário, com autorização para escuta, busca e apreensão, isso tudo legaliza a diligência.
A Operação Furacão não vai acabar em pizza?
Não, eu acho que não exatamente por isso. E também, se acabar em pizza, é uma blague que pode ser muito perigosa. Porque também não se pode pretender que todo acusado seja condenado. O próprio criminoso, habilmente, cita nomes de pessoas com quem ele não tem contato. É uma cortina de fumaça. Qualquer um pode dizer: “ah, a ministra Ellen (Gracie, presidente do STF) está metida nisso”. E cadê a prova? Não é porque o acusado disse que é verdade. É comum isso, o acusado jogar poeira, criar cortina de fumaça, fazer acusações, referências como um processo de diversão – no sentido militar, que você joga uma isca para afastar do objetivo principal.
O senhor vê alguma espécie de corporativismo no julgamento desses magistrados?
Não, de jeito algum. Inclusive essa questão do foro privilegiado está na Constituição e na lei. O juiz, o ministro não pode proceder ilegalmente porque a opinião pública gosta mais. Não é isto. Qualquer acusado, eu, você, qualquer um, quer o respeito à lei, à Constituição, ao direito de defesa.
Então temos uma nova etapa no sistema Judiciário brasileiro, iniciado com essa operação?
Eu acho que sim, porque vai haver uma atenção muito maior, inclusive aquilo que nós poderíamos chamar de 'candidato a corrupto', alguém que esteja tentado a entrar num esquema de corrupção agora sabe que poderia ser apanhado. Inclusive com a tecnologia moderna de escuta, por exemplo. Mas também com a disposição dos Tribunais Superiores de punir os juízes corruptos. Isso vai ter um peso muito grande, vai diminuir muito a corrupção. Tenho convicção disso.
Dá para atribuir, embora seja uma análise mais psicológica, por que um juiz, um desembargador, uma pessoa que tem status, estabilidade, um excelente salário comparado com a média brasileira, se sujeita a esse tipo de crime?
Eu acho que isso está muito ligado a uma característica da nossa época, que valoriza demais o 'ter', o crescimento econômico, a ostentação de riqueza. Uma pessoa muito rica aparece na coluna social, na televisão, é manchete do jornal, não importa de onde venha a riqueza nem como usa essa riqueza. É rico, é importante, nível “A”. e isso acaba influenciando o juiz. É um modo como a nossa época está valorizando as pessoas, pelo 'ter'. E isso implica no quase abandono da preocupação com a ética.
Fonte: Terra Magazine