Extinção tácita de mandato parlamentar

O jurista Félix Marques, militante do PCdoB/MT, analisa a decisão do TSE sobre a questão do mandato partidário e aponta caminhos de como garantir tal direito.

Recentemente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, em consulta, que os mandatos obtidos pelo sistema proporcional, compreendendo deputados federais, estaduais e vereadores, pertencem aos partidos políticos ou às coligações e não aos parlamentares. Essa decisão, na realidade, está criando uma grande polêmica na opinião dos políticos, parlamentares e no entendimento dos juristas brasileiros. O decisum por ser originário do Plenário do Tribunal Superior Eleitoral tem uma importância fundamental com relação ao que está disposto no art., 17, º 1º, da Lex Mater segundo o qual “é assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidária”.


No caso em comento, o TSE trouxe à baila o instituto da fidelidade e disciplina partidárias e que, no conceito jurídico, entende-se a observância exata e leal de todos os deveres e obrigações do parlamentar para com o seu partido em virtude do cargo que obteve nas urnas em nome da agremiação ou coligação partidária. O Judiciário quis exaltar a lealdade e o decoro do parlamentar para com o partido, interpretando a lei vigente e preservando a vontade popular. Nesse sentido, especificamente, norteado pela Constituição, cabe aos partidos políticos regulamentar a titularidade do mandato parlamentar através do estatuto do partido, estabelecendo, conseqüentemente, o destino do mandato quando o parlamentar resolver, após eleito, deixar a agremiação partidária. Examinando vários estatutos partidários, notamos que muitos deles já estabelecem, expressamente, a perda do mandato para aquele parlamentar que debandar do partido, como está no estatuto do PMDB, do PDT, do PTB e do PC do B, sendo que, este último, estabelece mais, que “os mandatos eletivos alcançados sob a legenda do PC do B pertencem ao coletivo partidário soberanamente”, art. 59 e o art 45 do Estatuto do PPS, estabelece que “As infrações éticas e disciplinares cometidas por parlamentares filiados ao PPS… acarretarão aos seus autores… perda das prerrogativas, cargos e funções, exercidos em virtude da proporção partidária na respectiva Casa Legislativa” regras estas que nos remetem ao entendimento de que, no recente caso dos parlamentares fujões, o partido político, a coligação ou os suplentes diplomados devem recorrer, imediatamente, ao Judiciário e pedir a declaração de vacância do cargo e empossar o suplente, pois esse é um direito líquido e certo desses interessados. Se o entendimento é a nível superior da Justiça Eleitoral, não vemos como o procedimento dos interessados não possa obter êxito, podendo, inclusive, face à verossimilhança que o caso demonstra, se valerem de liminar ou antecipação de tutela, dependendo da medida judicial eleita, ficando, conseqüentemente, o infrator fora do cargo até decisão final, que, por certo, não lhe será favorável.


Destarte, cumpre salientar que a legitimidade é do partido, da coligação ou dos suplentes regularmente diplomados e a competência é do STF com relação aos federais, dos Tribunais de Justiça com referência aos estaduais e da Instância Ordinária relativamente aos vereadores, já que a competência do Justiça Eleitoral se esgota, no caso específico, com a diplomação dos parlamentares.


A exceção fica, tão somente, para casos de mudança de partido para fundação de um partido novo como já previa o art. 72, da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, desde que o parlamentar tenha deixado o seu partido para participar, como fundador, na constituição de novo partido, caso contrário, se a retirada tenha sido por fisiologismo ou para, simplesmente, engrossar a fileira do novel partido, o parlamentar perderá, da mesma forma, o mandato. Agora, cumpre aos partidos e dirigentes partidários atuarem com rigor e eficiência no caso para restabelecer a moralidade pública partidária e conseqüentemente cobrar a moralidade nas decisões do Judiciário como a Constituição estabelece no art. 37, caput, restaurando a dignidade do voto do povo brasileiro, a não ser que os políticos prefiram continuar na ignorantia facti et jus.


Félix Marques é advogado e presidente da Comissão de Defesa do IBDI/SP e militante do PCdoB/MT. E-mail: felixmarques@terra.com.br