Franklin Martins: “Não tem que ter jornalismo chapa-branca”
Para o jornalista e agora ministro Franklin Martins, a história recente obrigou o governo, a imprensa e a oposição a rever a forma de lidar com a sociedade. “Todo mundo está tendo que repensar”, disse Franklin em depoimento ao repórter Lucas Ferraz, do
Publicado 26/03/2007 20:04
Por que aceitar ser ministro do governo, ficar do outro lado do balcão?
Só lembrando, isso é mais comum do que se pensa. Vou citar o nome de alguns dos maiores jornalistas brasileiros que foram para o outro lado do balcão e depois voltaram, e talvez voltaram jornalistas mais completos, mais experientes, com mais visão do conjunto da questão política.
O Carlos Castello Branco, por exemplo, foi ser assessor de imprensa do Jânio (Quadros). Ele já era um grande jornalista, mas depois disso ele se tornou o colunista político mais importante do período da ditadura. O Evandro Carlos de Andrade, que dirigiu a grande transformação do Globo e da TV Globo, também trabalhou na assessoria de imprensa do governo Jânio Quadros.
O Carlos Chagas, um grande jornalista até hoje, trabalhou na assessoria de imprensa do presidente Costa e Silva. Isso é normal, que o presidente da República, quando dá uma importância grande à questão da imprensa, convoque profissionais importantes, ou que ele julgue importantes, experientes, para resolver uma relação (entre imprensa e governo) que é sempre complexa na sociedade.
Nós estamos saindo de uma crise política brutal nestes últimos anos, uma crise política selvagem, e isso intoxicou muito o país. Nós estamos passando por um processo de envenenamento político que só não envenenou de vez o país porque o eleitor teve muita sabedoria, teve muita tranqüilidade e exigiu que todos os candidatos fossem baixando um pouco o fogo da fervura.
Estamos vivendo hoje um processo de desintoxicação, ele pode ser mais rápido ou mais demorado, mais bem-sucedido ou mais malsucedido, dependendo de como o governo se comporta, de como a imprensa se comporta. A relação entre governo e imprensa se tornou uma questão crucial para se resolver um problema que eu considero gravíssimo, que é desintoxicar o país e fazer com que ele consiga ter um debate político qualificado.
Ainda bem que não precisa xingar o outro, desqualificar o outro, dizer que o outro é um safado, um bandido, um ladrão, e achar que não precisa argumentar. É necessário basicamente discutir as grandes questões que interessam ao país, e para isso é necessário respeitar o adversário político. Acho que posso ter um papel importante, ajudando o governo a ter uma postura mais tranqüila nessa relação.
E quanto à imprensa?
É preciso colaborar com a imprensa para que ela também tenha uma postura mais tranqüila. A relação de comunicação entre o governo e a sociedade é realizada, basicamente, através da mídia, ou realizada em boa medida através da mídia. Tem que ter crítica? Que se façam críticas. Tem que fazer a denúncia? Que se faça a denúncia.
Mas que isso não seja um pretexto para não discutir aquilo que precisa ser discutido, que é como se cresce mais, como se tem uma escola de mais qualidade, como estados, municípios e a União podem ter uma política de segurança eficiente, como se atacam as desigualdades, como se combina crescimento econômico com o respeito ao meio ambiente, como podemos ter uma política externa soberana, altiva e ao mesmo tempo nos inserir num mundo globalizado.
Essas são as grandes questões que precisam ser discutidas e não isso que andamos discutindo nos últimos tempos. Tem que investigar o que for investigar, tem que punir quem cometeu alguma coisa, mas não se pode achar que isso substitui o debate político, o debate público qualificado, que é uma condição essencial para o Brasil ser um país que volte a crescer e seja menos injusto.
Na sua avaliação, quais foram os erros do governo na relação com a imprensa?
Não quero ficar falando para trás, mas acho que o governo Lula teve uma relação insegura com a imprensa. Comunicação não é só falar: é falar e ouvir. É conversar. Boa parte da comunicação do governo, não toda, mas boa parte, se faz através da mídia, ou seja, pela intermediação da imprensa.
O governo tem que conversar com a imprensa. Tem que dar a entrevista e ouvir as perguntas. A imprensa fez uma crítica, ele deve dar uma resposta a essa crítica. A crítica é injusta, ele deve dizer que é injusta. Existe um debate político com a imprensa que tem que ser enfrentado o tempo todo e não pode se resumir a determinadas fórmulas. Agora, a imprensa revelou também durante esse processo que ela também não queria falar e ouvir. Ele queria apenas falar e falar qualquer coisa que desse na telha.
Setores da imprensa acharam que pudessem puxar a sociedade de um lado para o outro, o que também é um equívoco. A função da imprensa não é dizer para onde a sociedade deve ir, a imprensa não é um partido político. O que a imprensa tem que fazer é informar da forma mais isenta possível, sabendo que a isenção é algo difícil e muitas vezes não se consegue, mas que deve ser perseguida, e promover a circulação do debate político, do debate de idéias, plural, de alta qualidade, e não apenas concentrado em uma idéia.
E quais setores da imprensa quiseram guiar a sociedade?
Não quero ficar citando nomes. Acho que a imprensa está vivendo um processo que ela está tendo de refletir sobre o papel dela, da mesma forma que o governo está tendo de refletir sobre o papel dele, da mesma forma que a oposição, aliás, está tendo de refletir sobre o papel dela. Todo mundo levou um freio de arrumação do eleitor nesse processo, foi muito positivo. Todo mundo está tendo que repensar.
O presidente Lula já demonstrou insatisfação com a comunicação do governo. A escolha do seu nome mostra que ele quer realmente mudar a comunicação?
Nas conversas que tive com o presidente, eu senti que ele quer ter uma relação com a imprensa mais profissional, mais democrática e mais leve. Ou seja, aquilo que permite cumprir e é fundamental: falar e ouvir a sociedade. O convite feito a mim é um indício de que o governo está querendo repensar e ter uma relação madura, profissional e respeitosa com a imprensa, ao mesmo tempo que firme.
A imprensa erra muito, nós sabemos como é isso. A imprensa tem que fazer uma reflexão, está fazendo, e não é porque o governo quer. Mas porque a sociedade está exigindo. A sociedade não ficou satisfeita com muitos comportamentos de vários órgãos da imprensa durante esse período (o primeiro mandato de Lula).
O PT produziu um documento em que defende a democratização da mídia no Brasil. O senhor já declarou ser favorável à democratização da informação, mas é contra que o governo fomente órgãos favoráveis a ele. Não teme um choque com o partido do presidente?
Se tiver, teve. Aí você vai ter que perguntar ao PT porque essa não é a minha opinião. Sou a favor da democratização da informação, dos meios de comunicação, como parece que o PT é. Mas sou contrário que o governo fomente órgãos favoráveis a ele e tente fazer o contrário também, que é destruir órgãos que não são favoráveis. Não é a tarefa do governo.
Quanto mais plural for a informação e a circulação da opinião no Brasil, melhor. Melhora a qualidade da democracia. Sou contra o governo plantar, regar e querer colher formas de comunicação favorável. O governo não tem que ficar fazendo isso, quem faz isso é a sociedade. O governo tem que ter apenas uma questão, que é garantir a liberdade de imprensa. Ponto final.
Na sua opinião, muitos chefes dos principais veículos de comunicação hoje no Brasil são preconceituosos com a figura do presidente, até pela origem dele, e de certa forma isso acaba sendo reproduzido nos jornais, nas revistas e na televisão? Há como combater isso?
Se há uma coisa que eu não tenho a pretensão de fazer é eliminar o preconceito da vida. Preconceito é uma coisa muito difícil de superar, de eliminar. Às vezes têm pessoas que têm preconceitos e são obrigadas, pela disputa política, a começar a rever a situação. Quando começamos a campanha eleitoral, boa parte da oposição era preconceituosa com o Bolsa-Família. Chamava de Bolsa-Esmola.
O Bolsa-Família seria uma forma de corromper a população. O debate político, durante a campanha, fez com que esses setores, no final, parassem de discriminar o Bolsa-Família. O processo não é rápido, é demorado. Acho que o preconceito com o presidente, no fundo, é um preconceito contra o povo brasileiro. Acho difícil que órgãos de imprensa importantes consigam manter uma relação preconceituosa com o povo brasileiro durante muito tempo.
Sobre a TV pública, o presidente Lula declarou que quer implantar no Brasil um modelo semelhante ao da BBC. O senhor acha possível?
Acho que a idéia é essa. É uma discussão inicial ainda no governo, e o fato de essa discussão ter apaixonado tanto, provocado artigos, debates, mostra como o país está maduro para debater essa questão. Isso mostra como o país está precisando de uma TV pública, e não estatal. Uma TV plural, e não partidária. Não tem que ter jornalismo chapa-branca, tem que ter jornalismo isento.
A TV pública, em todo o mundo, procura ter um tipo de programação que não está ditada pela ditadura da grande audiência, nem pelo interesse comercial do lucro. Então ela pode trabalhar com ciclos mais longos, pensar o país mais em longo prazo. Um exemplo clássico que todo mundo fala é a BBC. É uma TV que vai ter bom nível, vai ser plural, vai procurar ter dentro da programação os diferentes Brasis. Acho que isso é perfeitamente possível. Daqui a uns 10, 15 anos, vamos olhar para trás, ver que temos uma TV pública e custamos a entender que isso é algo bom para o Brasil.
Um dos seus futuros colegas de governo, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes (PMDB-PR), foi filiado à Arena, partido que deu sustentação ao regime militar, o mesmo que o senhor combateu e o perseguiu. O senhor se sentirá confortável ao trabalhar ao lado do Stephanes, por exemplo?
Absolutamente confortável, não tem problema nenhum. O Fernando Henrique também combateu a ditadura e o governo dele era amparado, por exemplo, por Antônio Carlos Magalhães (senador pelo PFL da Bahia), ou por Jorge Bornhausen (presidente nacional do PFL), que foram ministros da ditadura ou a apoiaram. Isso indica que a ditadura ficou para trás, mas nem o FHC, nem o Lula, nem eu precisamos abrir mão de nossas posições, nós combatemos do lado certo.
Agora, quem esteve do lado errado, provavelmente teve que fazer um movimento de procurar avançar. Acho o ministro Reinhold Stephanes um democrata, tenho relações boas com ele. Como repórter e comentarista político, conversei diariamente com dezenas de pessoas que apoiaram a ditadura. Eu só tenho dificuldade para conversar com quem foi torturador, da mesma forma que tenho para conversar com quem é fascista, racista. Sujeito que pendurou o outro em um pau-de-arara, eu teria a maior dificuldade. Agora eu não vejo nada disso no governo Lula.
Esperava-se muito que o governo Lula abrisse os documentos referentes ao período do regime militar, o que não aconteceu. Essa era também uma expectativa sua?
Pessoalmente, acho que deveria abrir. Mas essa é uma decisão que não é minha. O Brasil deve abrir, por uma razão: o país precisa conhecer a sua história, inclusive para que os crimes e erros que foram cometidos não se repitam. Não para perseguir ninguém, mas para aprender com os erros.