“Dito no Pacaembu”, o poema de Pablo Neruda para Prestes

No Chile, onde representa o PCdoB no 23º Congresso do Partido Comunista Chileno, Adalberto Monteiro citou Dito no Pacaembu. De autoria de Pablo Neruda, esse poema-discurso se volta para o dia 15 de julho de 1945. Foi quando 100 mil pessoas s

Um dos presentes era Neruda, o grande poeta chileno, que se declarou surpreso com a grandeza da manifestação e pediu para ler seu poema. Dito no Pacaembu veio assim a público, como uma homenagem ao líder comunista Luís Carlos Prestes, recém-saído da prisão. O poema não está entre os mais famosos de Neruda – mas foi incluído em seu livro Canto Geral.


 


Segundo Adalberto Monteiro, a presença do poeta chileno no comício talvez tenha sido ''o símbolo dessa relação viva de cooperação internacionalista entre os nossos povos – entre o Partido Comunista do Chile e o Partido Comunista do Brasil''. Confira os versos pouco conhecidos de Neruda.


 


Dito no Pacaembu


 


Por Pablo Neruda


 


Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,
quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,
que levei anos e anos no coração para dizer-vos, pensamentos
e saudações. Saudações das neves andinas,
saudações do Oceano Pacífico, palavras que me disseram
ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros, todos
os povoadores de minha pátria longínqua.
Que me disse a neve, a nuvem, a bandeira?
Que segredo me disse o marinheiro?
Que me disse a menina pequenina dando-me espigas?


 


Uma mensagem tinham. Era: Cumprimenta Prestes.
Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.
Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.
E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te
e nos conta amanhã o que viste.


 


Hoje estou orgulhoso de vê-lo rodeado
por um mar de corações vitoriosos.
Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração
das bandeiras livres de seu povo.


 


Me lembro em Paris, há alguns anos, uma noite
falei à multidão, fui pedir auxílio
para a Espanha Republicana, para o povo em sua luta.
A Espanha estava cheia de ruínas e de glória.
Os franceses ouviam o meu apelo em silêncio.
Pedi-lhes ajuda em nome de tudo o que existe
e lhes disse: Os novos heróis, os que na Espanha lutam, morrem,
Modesto, Líster, Pasionaria, Lorca,
são filhos dos heróis da América, são irmãos
de Bolívar, de O' Higgins, de San Martín, de Prestes.
E quando disse o nome de Prestes foi como um rumor imenso.
no ar da França: Paris o saudava.
Velhos operários de olhos úmidos
olhavam para o futuro do Brasil e para a Espanha.


 


Vou contar-vos outra pequena história.


 


Junto às grandes minas de carvão, que avançam sob o mar,
no Chile, no frio porto de Talcahuano,
chegou uma vez, faz tempos, um cargueiro soviético.
Quando a noite chegou
vieram aos milhares os mineiros, das grandes minas,
homens, mulheres, meninos, e das colinas,
com suas pequenas lâmpadas mineiras,
a noite toda fizeram sinais, acendendo e apagando,
para o navio que vinha dos portos soviéticos.


 


Aquela noite escura teve estrelas:
as estrelas humanas, as lâmpadas do povo.
Também hoje, de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.
Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.


 


Vou dizer-lhe que não guardas ódio.
Que só desejas que a tua pátria viva.
E que a liberdade cresça no fundo
do Brasil como árvore eterna.


 


Eu quisera contar-te, Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.


 


Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.
Um grande silêncio peço de terras e varões.
Peço silêncio à América da neve ao pampa.
Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.
Silêncio: que o Brasil falará por sua boca.