Robert Fisk: Libaneses se preparam para guerra civil

No velório, numa velha casa libanesa feita de pedra talhada, não mostraram o corpo de Pierre Gemayel. O caixão foi selado — tão desfigurado ficou seu rosto —, como se os pesadelos do Líbano pudessem ser deixados na escuridão do túmulo.

Mas os maronitas, os gregos-ortodoxos, os druzos e, sim, os muçulmanos que foram prestar condolências à família choraram copiosamente. Eles entendem os horrores que podem vir nos próximos dias, e sua dignidade é uma recusa em aceitar essa possibilidade.


 


Em Beirute, acompanhei o trabalho dos investigadores libaneses, que nunca resolveram um único dos vários assassinatos políticos no país. Eles fotografaram os buracos de bala no carro -13 na janela do motorista, sendo que seis tiros atravessaram a cabeça do ministro e atingiram a porta do outro lado.


 


Na cidade natal da família, Bikfaya, no frio da montanha, falava-se em punição legal, não em vingança. Quem poderia imaginar, após a guerra civil — que volta a assombrar a todos —, que druzos poderiam entrar em segurança e, amigavelmente, mostrar seu pesar pela morte do homem cujo tio Bashir era seu mais brutal inimigo?


 


O melhor amigo de Bashir, Massoud Ashkar, militar naqueles dias terríveis, falou da necessidade de união e justiça. “Sabemos que os sírios mataram durante a guerra. Estamos esperando para saber quem matou Pierre. Essas pessoas querem reiniciar a guerra civil. Precisamos saber quem são.”


 


Condolências


 


Com a tristeza daqueles que ainda esperam uma recuperação quando todas as possibilidades lhe foram tiradas, alguns cristãos se reuniram em Beirute para ver o trabalho da polícia. Eram observados em silêncio pelo casal que, no dia anterior, não ouviu os tiros e pensou que o ministro havia sido vítima de um acidente de trânsito.


 


Ninguém dá o próprio nome, é claro. Não se faz isso no Líbano agora. “Eu estava dormindo quando ouvi um barulho, como tiros, mas não tão alto”, disse um homem. “Então ouvi uma batida e vários tiros. Levantei, mas não vi ninguém. Um vizinho voltou e disse que era o xeque Pierre, e então eu o vi sendo carregado, coberto de sangue, e colocado numa van.”


 


“Vê aquela casa?”, pergunta outro. “Uma senhora havia morrido lá, e o xeque Pierre estava vindo dar condolências à família.” A casa fica a 30 metros de onde Gemayel morreu. Todos sabiam que ele estava vindo naquela manhã, o que significa — embora ninguém diga, é claro — que ele foi traído. Os assassinos estavam esperando que o ministro fosse prestar condolências, sabendo que a família dele estaria recebendo condolências um dia depois. Eles nem usaram máscaras, e mataram um lojista que os viu.


 


Os libaneses têm respondido ao clamor internacional que se seguiu ao assassinato com palavras menos vazias que as do presidente George W. Bush, cuja promessa de “apoiar o governo de Fouad Siniora e sua democracia” foi recebida com merecido desdém. Afinal, este é o mesmo George W. Bush que observou em silêncio os israelenses abusarem do governo democrático de Siniora e bombardearem o Líbano por 34 dias, matando mais de mil civis.


 


E os libaneses sabem o que pensar da declaração de Tony Blair — que também adiou um cessar-fogo que teria salvo inúmeras vidas —, que disse que “nós precisamos fazer tudo que pudermos para proteger a democracia no Líbano”. Foi um ex-membro de uma milícia cristã, rival do clã de Gemayel, quem resumiu: “Eles não dão a mínima para a gente”.


 


“Foi o mordomo”


 


Parte da narrativa permanecia um problema ontem, enquanto as potências ocidentais apontavam seus dedos para a Síria. Sim, todos os cinco líderes assassinados nos últimos 20 meses eram contra a Síria. É quase como dizer “foi o mordomo”. Uma Síria vingativa não golpearia a independência libanesa matando um ministro? Sim. Mas, também, qual seria a melhor maneira de minar o poder do grupo pró-Síria Hezbolá, que exigiu a renúncia do gabinete de Siniora? Matando um ministro, sabendo que muitos libaneses culpariam os aliados sírios do Hezbolá?


 


No Líbano, você aprende a ver esses truques semânticos por uma espécie de lupa. Nada aqui acontece por acaso. E o que quer que aconteça nunca é o que parece de início. Os libaneses em Bikfaya entenderam isso ontem, quando se juntaram e falaram em união. Se ao menos eles parassem de pôr sua fé em estrangeiros — americanos, israelenses, britânicos, iranianos, as Nações Unidas — e confiassem uns nos outros, poderiam deixar o pesadelo de uma guerra civil lacrado no caixão de Gemayel.