Quando os bancos patrocinam atividades de juízes
Por Bernardo Joffily
Com pompa, circunstância e farto patrocínio, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) abriu em Curitiba na noite desta quarta-feira (15) o seu 19º congresso. O jornalista Fernando Rodrigues, em sua coluna na Folha de S. P
Publicado 16/11/2006 12:16
Graças aos patrocinadores, o Congresso conta com variada proogramação, não só científica mas também social, cultural e gastronômica. O encerramento, na noite de sábado, será animado por Jorge Ben Jor e a banda do Zé Pretinho.
Um feriadão em Comandatuba
Fernando Rodrigues faz notar que não é a primeira vez. ''Mais de 40 juízes desfrutaram o feriado de 7 de Setembro numa praia da Bahia. A Febraban pagou todas as despesas. Criticados, os juízes trataram o episódio com desdém. Consideram natural os bancos pagarem para serem ouvidos. Na ocasião, as instituições financeiras tentaram convencer os magistrados de que o juro brasileiro não é assim tão alto'', relata.
A generosidade do Bradesco e da Febraban para com a AMB coincide com o noticiário, sobre a rumorosa vitória de um banqueiro sobre um professor. Jorge Bornhausen, acionista do banco Araucária, de propriedade da família Bornhausen, além de senador em fim de mandato por Santa Catarina e presidente Nacional do PFL, obteve do juiz Rodrigo César Muller Valente, da 22ª Vara Criminal de São Paulo, a concenação do sociólogo e professor Emir Sader a um ano de prisão em regime aberto, além da perda da função pública e da aposentadoria de professor. O motivo do processo foi o artigo de Emir, Ódio de classe da burguesia brasileira, publicado em agosto de 2005 pelo site Carta Maior, comentando a mais célebre das frases de Bornhausen — ''A gente vai se ver livre dessa raça por pelo menos 30 anos''.
O recado do presidente
Evidentemente é apenas uma fugaz coincidência. A consciência dos juízes brasileiros paira muito acima desses detalhes; jamais se deixaria abalar por um feriadão no resort de luxo Transamérica da Ilha de Comandatuba (ao custo de R$ 182 mil), um jantar com sapore di Italia no Restaurante Madalosso ou uma noite de agito ao som dançante de Jorge Ben.
Ainda assim, foi bom ouvir na abertura do Congresso em Curitiba as palavras do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Bastos, que representou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, velou aos juízes e desembargadores um recado pessoal de Lula: que, se os magistrados brasileiros desejam ter uma justiça efetivamente concreta no país, os representantes do Poder Judiciário devem lutar por uma justiça realmente acessível a toda a população.
O papel do CNJ
A AMB, entidade que representa cerca de 14 mil juízes em todo o país. Durante o processo da reforma do Judiciário, em 2003-2004, resistiu tenazmente à idéia de um controle externo deste Poder da República, afinal implantado com a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Chegou a apoiar um movimento de desobediência civil de juízes, com fulcro em Minas Gerais, quando o CNJ estabeleceu o fim do nepotismo no Judiciário.
O mesmo CNJ abriu um procedimento para verificar o episódio do feriadão em Comandatuba. Até hoje não se conhece seu veredito. Enviou também dois integrantes para acompanhar o 19º Congresso. Aguarda-se a divulgação dos resultados.
Seria bom para a imagem do Judiciário e para o augúrio do presidente Lula que a AMB guardasse distância de patrocínios por parte do poder econômico. A meta proclamada de uma Justiça igual para todos os cidadãos contrasta com uma realidade de todos conhecida: uma Justiça vesga, em que ''o crime do rico a lei encobre'', para lembrar um verso centenário da versão brasileira da Internacional. Este é também o desejo de não poucos magistrados brasileiros — uma categoria que se renovou e se feminizou notavelmente de duas décadas para cá.