Paulo Betti: “Usaram-me como instrumento para atacar Lula”
Para o ator – e agora cineasta – Paulo Betti, o Brasil deu saltos em políticas públicas de cultura, mas ainda tem muito a fazer para equilibrar o controle dos meios de comunicação, para o bem da democracia. É o que ele revelou a Viviane Barbosa, da Re
Publicado 24/10/2006 15:57
A cultura afro-brasileira (um dos temas de Cafundó, novo filme de Paulo Betti) representa metade do país, mas isso não se reflete na organização social.
No começo do governo Lula, o número de comunidades quilombolas reconhecidas passou de 700 para 2.500 – um avanço significativo que agora depende de legalização. Outra conquista foi a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com status de ministério. Mas precisa fazer ainda muita coisa. Por exemplo, implementar as cotas e o ProUni para os estudantes negros ingressarem nas universidades.
O Estatuto da Igualdade Racial prevê que a presença de negros nos meios de comunicação não seja inferior a 20% dos figurantes brancos. Você concorda?
A sociedade brasileira é muito hipócrita quando o tema é a questão racial. Por exemplo, o Lázaro Ramos até pouquíssimo tempo atrás não tinha feito nenhum comercial. E olha que ele faz um sucesso tremendo. É necessário que haja uma pressão e uma determinação de lei porque senão as coisas não acontecem. Durante 250 anos, a cabeça dos brancos foi trabalhada para justificar a escravidão. Isso não sairá de uma hora para outra do inconsciente das pessoas. As lendas pregam que os negros são de segunda categoria, não são confiáveis e além disso são do mal. Isso está plantado de uma forma muito violenta na cabeça das pessoas. Só ações afirmativas mudarão essa realidade.
A TV, o cinema e o teatro têm aberto oportunidades para jovens talentos negros?
Têm, mas ainda é muito pouco. Há um disparate entre a quantidade de negros que existem no Brasil e as posições que eles ocupam. O governo Lula tem dois méritos ao nomear dois negros (Gilberto Gil, na Cultura, e Matilde Ribeiro, na Seppir) em ministérios. Mas ainda não temos uma quantidade relevante de negros em cargos de destaque no Brasil.
Você compartilha da visão de que o cinema nacional tem evoluído nos últimos anos?
O cinema brasileiro é riquíssimo do ponto de vista temático. No aspecto da produção, dos temas, da interpretação e da qualidade dos filmes a gente está muito bem. O problema é que quando um brasileiro entra num cinema no Brasil ele se sente num espaço estrangeiro, parece que está num território ocupado. O cara quer ver Los Angeles e não Cafundó. Quando escuta a nossa língua até estranha. Para mudar isso você tem de descondicionar as pessoas. A distribuição dos filmes é um dos problemas cruciais. Hoje, 95% do espaço das salas de cinema é ocupado por filmes americanos. Dominação absoluta. E só entram nesse espaço os filmes brasileiros que são aceitos pelas grandes distribuidoras. O Brasil tem 2 mil cinemas e, quando lançam o Superman ou Homem-Aranha, ocupam a maioria das salas. E não sobra mais nada. No meu entender, é uma questão de segurança nacional.
Como solucionar?
É preciso criar espaços para divulgação. Defendo as cotas para filmes nacionais nas salas de exibição. Já existe um sistema de cotas, mas precisa ser fiscalizado e aprimorado. O natural seria que no Brasil 70% dos espaços fossem reservados para os filmes brasileiros e 30% para os estrangeiros.
Como você vê a atuação do Ministério da Cultura (MinC) comandado por Gilberto Gil?
O fato de o ministro ser um grande artista popular, que pensa, reflete e é negro, é bem interessante. Ele formou uma equipe boa, que criou centenas de pontos de cultura em todo o país e deu ênfase à descentralização da cultura brasileira. Apesar de as verbas de distribuição ainda estarem concentradas no eixo Rio-São Paulo, essa nova política contribuiu para que os recursos também cheguem aos outros estados.
Do ponto de vista da distribuição dos filmes nacionais, o ministério não agiu timidamente?
Conheço Orlando Senna, responsável pelo audiovisual do MinC, que tem um profundo conhecimento dos problemas do cinema brasileiro. Não dá para mexer com essas grandes distribuidoras rapidamente, isso geraria uma gritaria generalizada. Eles vão dizer que não há democracia, como aconteceu com a proposta de criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinena e do Audiovisual). São estruturas muito poderosas, que agem com organizações internacionais e não estão para brincadeira. Uma coisa em que o governo deveria prestar mais atenção e não presta é nas comunicações de massa no Brasil. O MinC é fraquinho perto do Ministério das Comunicações… E 95% dos fatores culturais brasileiros chegam à população pela televisão.
Seu colega Lima Duarte disse em declarações à imprensa que o presidente Lula, assim como ele, é um “analfa” e que faz uma “glamorização da ignorância”. Qual sua opinião?
Sei que, muitas vezes, a imprensa pinça as frases que mais lhe interessam para denegrir ou atacar. Na narrativa de hoje, a imprensa dominante quer derrotar Lula, o PT e toda essa “raça”. Conheço Lima Duarte, e o admiro muito. Se Lima falou que ele é um “analfa”, assim como Lula, então Lula está muito bem na fita, porque Lima é um “analfa” maravilhoso (risos). Não creio que tenha feito essa declaração dessa maneira.
Recentemente, você e o maestro Wagner Tiso foram alvo de “linchamento” por setores da imprensa. O que aconteceu?
Golpe sujo. Repercutiram a minha declaração fora de contexto. Disse que “é quase impossível fazer política sem sujar as mãos”. Para fazer política, muitas vezes você tem de colocar as mãos na merda. Estava me referindo à situação política não só do Brasil, mas do mundo inteiro. A melhor forma de resolver um problema é saber que ele existe. Fiz uma contestação, e não uma defesa dessa prática. Chico Buarque entendeu perfeitamente meu pensamento, segundo disse em entrevista. Usaram-me como instrumento para atacar Lula. Isso prova que a política é suja. O dramaturgo alemão Bertolt Brecht disse que “nós não somos melhores do que ninguém, mas a nossa causa é melhor”. Se houve alguns erros, eles devem ser punidos, mas isso não invalida nossa causa. O estadista britânico Winston Churchill disse que, se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas, ficaria horrorizado.
Você ficou chateado com declaração de algum colega?
Não, até porque tenho certeza de que foram editadas. Todos são meus amigos. Muitos me ligaram e disseram que não falaram aquilo que foi publicado. O Estado de S. Paulo colocou meu nome em três editoriais negativos e não teve a honradez de publicar uma carta minha.
O que você espera do futuro governo?
Uma ênfase ainda maior na questão social, continuidade de alianças políticas visando à integração na América Latina, uma evolução do Bolsa Família, maior clareza sobre o papel do Ministério das Comunicações.