Debate: mais preparado, Lula dribla ataques e discurso repetitivo de Alckmin
“Ao contrário do meu adversário, eu não preciso ficar repetindo que somos diferentes. Somos diferentes mesmo. Ideologicamente, programaticamente”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva num dos momentos do debate de ontem à noite da TV Record. A
Publicado 24/10/2006 09:04
Da redação,
Cláudio Gonzalez
Um debate que começou morno, passou por ironias e alfinetadas e terminou quente. Assim foi o penúltimo debate da campanha presidencial. Realizado pela TV Record nesta segunda-feira (23), e mediado pelo jornalista Celso Freitas –que fez uma mediação discreta– o encontro dos presidenciáveis não apresentou surpresas para nenhum dos candidatos.
O debate começou como os demais: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-PCdoB-PRB), candidato à reeleição, foi novamente questionado pelo candidato do PSDB-PFL, Geraldo Alckmin, sobre os escândalos de corrupção. Já no primeiro embate entre os candidatos, ficou claro que Alckmin estava mais agressivo do que no último debate realizado pelo SBT, mas ainda não assumia o estilo ''Mike Tyson'' apresentado no debate da TV Bandeirantes.
Desta vez, contudo, a postura do tucano não abalou o presidente. Ficou evidente que os marqueteiros da campanha pela reeleição e o próprio candidato fizeram a ''lição de casa''. Lula não cometeu nenhum dos erros observados no debate anterior. O petista comportou-se bem diante das câmeras. Falou o tempo todo com o telespectador; gesticulou pouco; moderou as ironias sem abandoná-las por completo; foi respeitoso como se espera de um homem público, sem se deixar intimidar por perguntas incômodas; citou números sem se perder em leituras e usou as considerações finais de forma eficiente, mesclando razão e emoção na medida certa.
Alckmin, ao contrário, não aperfeiçoou em quase nada a performance mostrada no debate anterior, do SBT. Ainda que na forma e no tom moderadamente agressivo tenha mantido um ''padrão de qualidade'' digno de nota, no conteúdo Alckmin perdeu todas as oportunidades que tinha de mostrar alguma diferença.
O candidato tucano foi repetitivo desde a primeira pergunta até as considerações finais. A única novidade que apresentou foi a denúncia sobre o suposto superfaturamento de obras na reforma do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ainda assim, a insistência no tema da corrupção e as respostas de Lula, sempre afirmando que a Polícia Federal está fazendo seu trabalho, acabou amortecendo o assunto e, desse modo, nem mesmo a nova denúncia foi suficiente para levar algum calor ao debate quando o assunto foi ética na política.
A fraseologia decorada de Alckmin chegou a tal ponto de repetição que irritou quem assistia ao debate. Nos comentários de blogs que acompanharam o debate em tempo real, vários internautas opinaram que Alckmin nem precisa ir ao debate da Globo na sexta-feira, ''é só levar um gravador e reproduzir as falas de qualquer um dos debates que participou'', recomendou um leitor, de forma irônica.
A pergunta-refrão da campanha de Alckmin, sobre a origem do dinheiro do dossiê contra tucanos, escândalo que teria levado a eleição para o segundo turno, surgiu ainda no primeiro bloco. ''De onde veio aquele 1,7 milhão em reais e dólares para comprar dossiê fajuto?'' O tucano citou nomes de assessores e ministros de Lula afastados por denúncias.
''O povo está repudiando esse comportamento do Alckmin'', retrucou Lula.
Ironias certeiras
A exemplo do debate anterior, Lula continuou apostando nas ironias para alfinetar o adversário, incapaz de usar o mesmo recurso. Entre as tiradas que mais agradaram a platéia que acompanhava o debate, estão frases como: ''eles (os banqueiros) são ingratos mesmo, porque ganharam (muito dinheiro no meu governo) e votam todos no Alckmin''. O presidente saiu-se bem também quando respondeu a uma pergunta de Alckmin sobre a situação da saúde. Lula rebateu com irnonia a afirmação do tucano de que a situação dos hospitais no Rio de Janeiro é calamitosa. ''A pessoa que passou as informações a você, se for quem eu estou pensando, não merece credibilidade'', disse Lula, disparando um olhar sarcástico que arrancou risos da platéia.
Lula também driblou com maestria uma pergunta de Alckmin sobre investimentos no Nordeste e deixou o tucano melindrado quando deu a Alckmin mais 30 segundos para que o candidato concluísse uma pergunta que não tinha conseguido terminar.
Quando o tucano cobrou de Lula o conhecimento da origem do dinheiro do dossiê e disse que, se fosse o presidente, chamaria os “companheiros” e os faria revelar toda a história. Lula devolveu a provocação sugerindo a Alckmin que colocasse o ''discurso em prática'' e fizesse o mesmo em relação aos tucanos acusados de envolvimento na máfia dos sanguessugas. ''Ele poderia chamar o Barjas Negri (ex-ministro da Saúde no governo FHC) e perguntar até que ponto ele se envolveu nesse negócio (da máfia das ambulâncias)''.
Em outra tirada, Lula bateu três vezes na mesa pedindo “proteção aos deuses” contra as previsões de Alckmin de que o preço dos alimentos subiriam imediatamente após as eleições por causa da crise na agricultura. Além das batidinhas na mesa serem um gesto inadequado para se fazer num debate transmitido por uma emissora evangélica, Lula exagerou na dose da ironia e permitiu que Alckmin pudesse fazer sua única tirada irônica do debate: disse que, ao contrário de Lula, ele não brincava com assuntos sérios.
Realizações x acusações
Nas suas perguntas, o candidato do PSDB procurou negar avanços do governo Lula em áreas como atendimento a deficientes físicos, saúde, política externa e investimentos em infra-estrutura e agricultura. Por várias vezes, Lula se irritou com os dados controversos fornecidos pelo adversário.
''Queria pedir desculpas ao telespectador porque é difícil debater com tanta desinformação'', disse o petista.
Sempre que chamado a perguntar, o presidente Lula conduzia o debate para os programas de governo. Ele questionou o tucano sobre a indústria naval e educação. Alckmin, além de voltar a questionar escândalos já conhecidos, relembrou o suposto superfaturamento de R$ 100 milhões no aeroporto de São Paulo, também voltou a cobrar transparência nos gastos dos cartões presidenciais. Retornou ainda ao tema da saúde, já abordado exaustivamente no debate da semana passada e, mais uma vez, insinuou que a campanha de Lula faz terrorismo eleitoral ao identificar o tucano como uma ameaça às estatais e aos programas sociais.
Instigado pelas perguntas e provocações de sempre, Lula deu as respostas que já vinha dando desde o início da campanha. Reafirmou que, na questão do combate à corrupção, a Polícia Federal está trabalhando “como nunca aconteceu neste país”. Nas colocações sobre o desempenho da economia, voltou a elencar os avanços obtidos no atual governo e a afirmar que “nunca o Brasil passou por uma conjuntura que reunisse tantos fatores (econômicos) positivos ao mesmo tempo”. Lula até desafiou o candidato tucano a consultar os economistas do PSDB para verificar a veracidade da afirmação. O candidato à reeleição também analteceu, por diversas vezes, os programas sociais de seu governo afirmando que, pela primeira vez, um governo conseguiu aliar crescimento econômico com distribuição de renda.
Lula questionou o adversário sobre o rombo nas contas do Estado de São Paulo que estaria paralisando obras anteriormente ''apressadas por conta do processo eleitoral''. Segundo Alckmin, o governo de Cláudio Lembo termina este ano com déficit público zero e as contas estão ''rigorosamente em dia''. Não convenceu.
Sobre o suposto superfaturamento nas obras do Aeroporto de Congonhas, apresentado pelo tucano como ''o escândalo desta semana'', Lula respondeu que ''o dado concreto é que não tem nenhum julgamento do Tribunal de Contas''. ''As ilações feitas por você são maiores do que a força da própria denúncia'', afirmou o petista.
No quarto bloco, único momento do debate em que o tema da privatização foi discutido, Lula retomou a discussão sobre o avião presidencial, apelidado de AeroLula, e disse que se Alckmin diz que vai vender até o avião da presidência, pode-se imaginar o que fará com as empresas estatais.
Perguntas dos jornalistas
O debate só fugiu um pouco do roteiro experimentado nos encontros anteriores a partir do terceiro bloco, quando foi a vez de jornalistas convidados formularem perguntas aos candidatos.
A jornalista Adriana Araújo (Record) perguntou a Lula qual a principal virtude que ele via no adversário tucano. De Alckmin, a jornalista quis saber qual o principal defeito que via em si mesmo como homem público.
Bob Fernandes (portal Terra) questionou Lula sobre a conveniência de se levar adiante um projeto de democratização dos meios de comunicação e quis saber de Alckmin que iniciativas o tucano adotará pata tentar reverter a enorme diferença que o separa de Lula nas pesquisas eleitorais.
Por fim, a jornalista Cristina Lemos (Record) perguntou a Lula porque ele “abandonou a classe média”. Já do candidato tucano, Cristina quis saber se ele assumiria publicamente o compromisso de acabar com a CPMF e, se não acabasse, quais impostos ele diminuiria.
Lula escapou da pegadinha sobre a qualidade que via em Alckmin e atacou o tucano sem responder diretamente à pergunta da jornalista: ''Eu via mais virtude em Alckmin antes dos debates (…) Ele até então era um homem altamente civilizado. Eu não sei ultimamente por que eles (tucanos) andam tão nervosos'', disse Lula.
Depois, foi a vez de Alckmin devolver a provocação. ''Certamente tenho muitos defeitos, mas roubar, não'', disse o tucano.
Nordestino arretado
O Nordeste, assunto que Lula já havia abordado na apresentação inicial, reapareceu no quarto bloco, por iniciativa do candidato tucano. Alckmin levantou uma tremenda bola para Lula ao dizer que seu governo não investia no Nordeste. Foi a deixa para Lula falar da sua origem nordestina, da sua infância pobre, dos retirantes. Transmitiu emoção, como gosta de fazer.
Falando para o ''povão'', de forma muito dura, disse que Alckmin não conhecia as condições de pobreza do povo do Nordeste e ainda produziu uma das frases mais marcantes do bloco, ao afirmar que o nordestino é pensado (pelas elites representadas pelo candidato tucano) como alguém que só serve para ser pedreiro, “quando ele (o nordestino) quer é ser engenheiro”.
Foi um dos momentos de maior exaltação do presidente no debate. Lula citou realizações como o programa do leite, a construção de cisternas e a ampliação do Ensino Médio em nove Estados da região.
Alckmin teve que se limitar a citar números, investimentos não realizados. Não comoveu. Não conseguiu ganhar votos no Nordeste e ainda pode ter perdido o pouco de apoio que ainda tinha por lá.
Política Externa
E se no debate do SBT Alckim insistiu no tema da saúde para tentar pautar a discussão, desta vez foi Lula quem escolheu um tema predominante. No penúltimo bloco, antes das considerações finais, Lula questionou Alckmin sobre política externa. O tucano, mais uma vez, respondeu com uma lista de propostas genéricas sobre o tema e criticou as supostas derrotas diplomáticas sofridas pelo Brasil ao longo dos últimos quatro anos.
Alckmin comete, assim, mais um erro estratégico. Afinal, a política externa do atual governo é reconhecida pela quase unanimidade dos diplomatas brasileiros como uma política altiva e de bons resultados para o país. Ao tentar conspirar contra os fatos, Alckmin não atinge a parcela do eleitorado que tem pouca intimidade com o tema e ainda corre o risco de perder apoio entre os que conhecem o assunto.
Mas, para Lula, o grande mérito desta parte do debate foi ter conseguido arrancar de Alckmin uma verdadeira “confissão” de lealdade aos Estados Unidos e de compromisso com a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). ''Vou privilegiar mercados mais dinâmicos, economias fortes. Os Estados Unidos são a maior economia, a mais aberta (…) e estamos tendo perda de mercado com os EUA fazendo acordos bilaterais com os nossos vizinhos'', disse o tucano. Esta postura de Alckmin certamente afetará a opinião dos eleitores mais à esquerda, como os que optaram pelo PSOL no primeiro turno e que pretendiam agora votar no tucano ou nulo como forma de “derrotar” o presidente Lula a qualquer custo.
Neste debate da política externa, Lula conseguiu ainda mostrar que a atual orientação de seu governo tem trazido resultados positivos do ponto de vista comercial e favorece politicamente o Brasil ao fortalecer a integração regional e ao promover a independência do país em relação aos países hegemônicos, como os Estados Unidos. ''O Brasil passou a ser protagonista e não coadjuvante'', afirmou Lula. ''Depois que criamos o G20 poucas reuniões no mundo acontecem sem que o Brasil seja chamado'', comentou, destacando as vitórias do país na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os subsídios ao açúcar, na União Européia, e ao algodão, nos EUA.
Considerações finais
No quinto e último bloco, reservado às considerações finais, Alckmin voltou a fazer um pronunciamento burocrático. ''Eu sou um homem de fé, temente a Deus (…) O meu sonho é que seu filho, a sua filha, as pessoas tenham mais oportunidades. O Brasil pode e merece muito mais. O nosso País pode avançar muito mais. O meu compromisso é emprego, renda e trabalho. Essa é a prioridade número um. O meu sonho é um País onde o governo federal dê bons exemplos, tenha apreço pela verdade, tenha eficiência. O meu sonho é que possamos reduzir a pobreza, reduzir a desigualdade através do trabalho, das oportunidades, do crescimento. Tenho confiança que no próximo domingo, com o seu voto, com o voto de confiança, o Brasil vai poder dar um passo muito mais forte para poder avançar mais.'', concluiu o tucano.
Já o presidente Lula, que falou em seguida, soube evitar a falha observada nos debates da Bandeirantes e do SBT, nos quais concluiu sua participação com discursos burocráticos. Desta vez, Lula teceu suas considerações finais de forma cativante, formulando uma mensagem de esperança e de compromisso com a boa governança. ''Eu tive uma experiência que jamais pensei que teria que é presidir este País por quatro anos e provar que é possível a gente compatibilizar o crescimento econômico com a política de distribuição de renda. Conseguimos provar que é possível fazer com que as pessoas mais necessitadas tenham acesso ao mínimo que um País pode oferecer (…) Eu sei que ainda não fizemos tudo. Ainda temos que cuidar do Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e o Sul, sobretudo um estado como o Rio Grande do Sul. É um estado preparado que nós temos que alavancar (…) Poucos governos na história deste país foram perseguidos e atacados como o meu foi. Em nenhum momento eu perdi a paciência porque eu tinha um único objetivo: provar que é possível juntar a classe média, a classe trabalhadora, empresários, as pessoas de boa vontade e fazer o País se transformar numa grande nação''.
Audiência
Segundo informações da Rede Record, o debate fez a audiência da emissora na Grande São Paulo crescer de 11 pontos para um pico de 20 pontos e uma média de 17 pontos.
Cada ponto de audiência significa 54.400 televisores ligados na Grande São Paulo, conforme medição do Ibope.
No segundo debate eleitoral entre os presidenciáveis, no dia 19 de outubro no SBT, o pico foi de 15 pontos, com média de 11 pontos. Já no primeiro embate entre os candidatos, no dia 8 de outubro, a Rede Bandeirantes havia registrado 16 pontos de média e 21,5 pontos de pico.
Segundo a Record, no mesmo dia e horário do debate, a emissora costuma registrar uma média de 11 pontos de audiência no programa Repórter Record.