Sede do PC abrigará centenário de Niemeyer na França
As obras de Oscar Niemeyer na França deverão ser declaradas bens do patrimônio pelo Ministério da Cultura do país até o fim de 2006. O arquiteto brasileiro também ganhará uma grande exposição em Paris comemorativa ao seu centenário, a ser completado no di
Publicado 22/10/2006 05:09
Quando Niemeyer foi obrigado pela ditadura militar a deixar o Brasil, em 1965, o intelectual de esquerda André Malraux interferiu junto ao general Charles De Gaulle, então presidente da França. Malraux argumentou que o arquiteto encontrava-se no seu 'museu imaginário'. Essa interferência permitiu que o brasileiro fosse bem acolhido na França.
Obras do arquiteto em Paris
Agora, 40 anos depois, o Partido Comunista Francês estimula pela homenagem, contando com a ajuda do governo francês embora este esteja com a direita. Isso porque em Paris encontram-se algumas das principais obras do arquiteto no exterior, entre elas, a sede do PCF.
Outras obras importantes do brasileiro na França são a sede do jornal l'Humanité, órgão oficial do partido, o imóvel da Bolsa do Trabalho de Bobigny e o Centro Cultural do Havre, conhecido como 'Vulcão' – o único que não está bem conservado, mas que a municipalidade já se comprometeu a reformar.
Morros x mulheres do Rio
Le Corbusier, outro grande mestre da arquitetura que se tornou amigo de Niemeyer, costumava dizer que o brasileiro teve a seu favor o fato de ter sempre à vista as montanhas do Rio. O arquiteto respondia que eram os corpos das mulheres livres e sensuais que mais inspiravam sua arquitetura.
Hoje, o guardião da sede do PCF é um de seus dirigentes, Gerard Fournier. Desde a abertura das portas do partido para o público, há dez anos, ele é um dos lugares mais visitados de Paris, principalmente durante as Jornadas do Patrimônio, quando todos os monumentos, castelos e imóveis administrativos do país – inclusive o Palácio do Eliseu, sede da Presidência da República – permanecem abertos.
Todas as escolas de arquitetura do mundo já visitaram a sede do PCF, afirma Fournier. 'Chegamos a receber grupos de cegos que puderam ter uma idéia sensorial do trabalho efetuado por Niemeyer', diz. Muitos brasileiros que entram ali sentem o mesmo ambiente dos palácios e do Congresso em Brasília.
Quanto mais velho, mais novo
Certa vez, o presidente gaullista e anticomunista Georges Pompidou reuniu um grupo de arquitetos internacionais para um almoço, e mesmo só conhecendo por fora a sede do PCF, disse a Niemeyer que se tratava de uma obra maior, razão pela qual não deveria permitir nenhuma alteração, por menor que fosse, no conjunto erigido numa região popular da cidade, a Place du Colonel Fabien, um herói da Resistência Francesa.
Também o diretor do Patrimônio, François Barre, após visitar o interior do prédio, não hesitou em afirmar: 'Esse imóvel, quanto mais envelhece, mais parece novo e moderno.' Até hoje, nada foi alterado no projeto inicial, mesmo porque, ao concebê-lo, o próprio Niemeyer disse que não se tratava de um imóvel, mas de uma 'escultura'.
Na sala do CC, desfiles de Dior
Segundo Fournier, ao contratar Niemeyer, que chegava exilado à França, perseguido pelos militares, o PCF nunca censurou qualquer aspecto de sua obra. O partido só exigiu três salas de trabalho e uma grande sala de reunião para o antigo Comitê Central.
Em apenas três dias, Niemeyer, que aceitou o convite sem hesitar, desenhou o projeto e entregou aos engenheiros, que deveriam se ocupar da construção – inclusive da cúpula, verdadeira jóia arquitetônica que abriga as reuniões da hoje chamada Comissão Nacional (Comitê Central). Essa área é tão elogiada pelos artistas e estilistas que tem servido, nesses últimos anos, para desfiles de moda de Dior, Lacroix e Saint Laurent, entre outros.
Recentemente, os espaços e salões foram utilizados até para eventos cristãos, como Jesus Cristo – A Humanidade na Véspera do Terceiro Milênio, com a presença do episcopado de Paris e mais 6 mil pessoas. Sob a cúpula, alguns chegaram a dizer que sentiam certa religiosidade, apesar de não ter sido esta a motivação do arquiteto. Provavelmente, ele estava mais próximo do que dissera Louis Aragon, poeta comunista, durante a guerra: 'Encontramo-nos lado a lado, os que crêem no céu e os que só acreditam na felicidade da humanidade.'
A promoção do refeitório
O local é cheio de simbolismo. Ainda antes de existir a sede partidária, onde se encontravam instaladas as primeiras universidades operárias, 3 mil comunistas se alistaram nas Brigadas Internacionais para combater a ditadura do general Franco.
Já naquela época, Niemeyer revolucionava e mudava a concepção. Gerard Fournier lembra que os refeitórios dos assalariados na França sempre eram instalados no subsolo dos imóveis. O brasileiro inovou, instalando o refeitório no sexto e último andar, para que os trabalhadores pudessem aproveitar ao máximo a luminosidade e a bela vista de Paris.
Hoje, apesar das dificuldades financeiras que o PCF enfrenta – seu eleitorado caiu de 20% para apenas 5%, e o número de militantes e a receita foram reduzidos -, a obra de Niemeyer se mantém como uma das jóias criadas pelo gênio do artista que projetou Brasília, um dos mais arrojados conjuntos arquitetônicos da história mundial.
Com informações de O Estado de S. Paulo