10 receitas neoliberais do “ministro do Trabalho” de Alckmin

Por Altamiro Borges*
A realização do segundo turno das eleições presidenciais está tendo ao menos um efeito positivo. Trouxe a tona o debate programático entre os candidatos. No primeiro turno, a direita neoliberal e sua mídia venal conseguiram pautar

No terreno programático, Geraldo Alckmin foi jogado nas cordas e está na defensiva. Todos os dias é obrigado a dizer que não vai privatizar a Petrobras, não vai extinguir o Bolsa Família, não vai demitir servidores públicos, não vai retirar direitos trabalhistas. Mas os eleitores, inclusive da oscilante classe média, não acreditam.



A desconfiança é justificável. No que se refere aos direitos trabalhistas, nem se trata de mera suspeição. É descrédito total. Pela sua trajetória como governador de São Paulo, pela ação destrutiva e regressiva de FHC nos seus oito anos de reinado e pelas propostas dos seus conselheiros, uma conclusão é inevitável: Alckmin está mentindo. Os assalariados com registro em carteira, os milhões de trabalhadores na informalidade e os desempregados devem realmente ficar apreensivos com a possibilidade da eleição deste representante da elite burguesa. O “risco-Alckmin” é bastante real para os que vivem do trabalho.



Duas heranças malditas



Nos 12 anos em que esteve no comando do Estado, como vice, presidente da Comissão de Desestatização ou governador, Geraldo Alckmin foi um desastre para os trabalhadores. Devido à sua política privatista e fiscalista, São Paulo retrocedeu drasticamente. De locomotiva do desenvolvimento, que atraia milhões de imigrantes, passou a bater recordes de desemprego e informalidade. Em 1980, 44,5% da renda do Estado provinha do trabalho; em 2003, o índice despencou para 30%. A criminosa política de privatização cortou cerca de 40% das vagas nas estatais. O funcionalismo ficou com seus salários praticamente congelados e sofreu corte de direitos. Já o sindicalismo foi excluído das negociações e duramente perseguido.



Se a experiência administrativa de Geraldo Alckmin em São Paulo reforça os temores, pior ainda quando se analisa a política aplicada por seu tutor, o tucano-mor FHC. Isto explica porque o candidato evita usar a imagem do ex-presidente na televisão. FHC é odiado pelos trabalhadores. Nos seus oito anos de reinado, o desemprego cresceu assustadoramente – cerca de 1 milhão de cortes ao ano, segundo o economista Marcio Pochmann. O direito ao trabalho foi desmontado: a jornada fixa foi substituída pela variável, via banco de horas; a remuneração foi flexibilizada, com a introdução do PLR e o fim da indexação; e a contratação virou um frankenstein, com a difusão de várias formas de contrato precário (temporário, parcial, terceirização, etc.).
Escondendo as maldades



Se o passado já o condena, pior ainda quando se analisam as perspectivas futuras do trabalho. Não é para menos que Geraldo Alckmin protelou ao máximo a apresentação da sua plataforma trabalhista e sindical. O candidato chegou a faltar num encontro da Força Sindical, que reuniu 1.800 ativistas no final de agosto, talvez temendo sofrer pressão até daqueles dóceis sindicalistas. Depois, acuado, apresentou propostas vagas aos dirigentes dessa central. Somente em meados de setembro o programa da coligação PSDB-PFL veio a público. O texto espelha bem o candidato: é totalmente anódino. No que se refere à questão trabalhista e sindical, é pura generalidade, sem qualquer proposta concreta ou inovadora.



A ausência de programa nítido, porém, não inocenta Geraldo Alckmin. O candidato da direita neoliberal tem propostas para o trabalho, mas não as explicita porque sabe dos seus efeitos eleitorais deletérios. Para conhecê-las, basta estudar a sua experiência administrativa em São Paulo e as políticas aplicadas por FHC e conhecer os consultores que o rodeiam. Segundo reportagem da revista Exame, intitulada “Quem faz a cabeça de Alckmin”, seu mentor na área trabalhista e sindical é o sociólogo José Pastore, “nome ligado ao PFL” e ícone da regressão do trabalho. Apenas a menção de Pastore já causa calafrios nos sindicalistas. Vale a pena conhecer algumas idéias deste neoliberal cotado para ser ministro do Trabalho de Alckmin.
Idéias nefastas de Pastore



1- Defesa da terceirização:
“Na contramão do que ocorre no mundo, o governo Lula apresenta enorme resistência à modernização das leis que tratam do trabalho terceirizado… Na prática, o assunto é regido pelo Enunciado 331 do TST que limita a terceirização às atividades-meio. Isso não tem mais sentido. O que interessa é uma boa terceirização, seja onde for, mesmo porque, nos modernos sistemas de produção, é quase impossível determinar com precisão o que é meio e o que é fim (O Estado de S. Paulo, 22/08/2006)”.



2- CLT no meio rural:
“As dificuldades criadas pela CLT no meio rural têm sido objeto de várias análises… Tenho insistido que um dos principais determinantes do trabalho informal no Brasil é o fato de o país possuir uma legislação única e onerosa para realidades diferentes… Para a agropecuária, a CLT é especialmente perversa ao tratar apenas do ‘vínculo empregatício de natureza contínua’… Aplicada ao campo, a CLT é irrealista… O anacronismo dessa legislação já devia ter sido superado (O Estado de S. Paulo, 25/07/2006)”.



3- Flexibilização dos contratos de trabalho:
“Na Alemanha, muitos contratos de trabalho vêm sendo reformulados, alongando a jornada de trabalho sem aumento de salário, transformando as parcelas fixas em bônus variáveis, criando novos turnos e intensificando o trabalho aos sábados e domingos. O que isso tem a ver com o Brasil?… Além de maiores dificuldades de contratação do trabalho, o Brasil tributa as empresas de modo muito mais forte do que o leste europeu. As reformas trabalhista e tributária precisam ser feitas o mais rápido possível para manter as empresas competindo e os brasileiros trabalhando (O Estado de S. Paulo, 12/07/2006)”.



4- Extinção do Bolsa Família:
“O atrelamento a bolsa família, cesta básica e outros quitais virou uma estratégia fundamental para quem deseja ganhar as eleições hoje e contar com o mesmo eleitor-dependente nas próximas campanhas. Resta saber quem vai pagar essa conta, e por quanto tempo. Quem viver, verá (Jornal da Tarde, 05/07/2006)”.



5- Prevalência do negociado sobre o legislado:
“A negociação no Brasil foi reduzida a apenas dois direitos – salário e participação nos lucros. Fora isso, nada pode ser negociado. Mesmo quando as partes desejam e quando o ajuste é impositivo, a camisa de força da Constituição as impede de negociar e de fazer as adequações necessárias. Está tudo amarrado na lei… Já defendi ardorosamente uma profunda mudança no artigo 7º da Constituição, [mas] passei a propor uma pequena mudança no mesmo artigo, mantendo-se os atuais direitos atuais, acrescentando, apenas, duas palavrinhas… ‘salvo negociação’ (Fórum de Relações do Trabalho, 08/06/2006)”.



6- Contra-reforma da Previdência:
“No Brasil, além do fator previdenciário, há que se elevar a idade para se aposentar… As pessoas vivem mais e precisam trabalhar mais tempo… O Brasil terá de enfrentar, já no início do próximo governo, novas mudanças no sistema previdenciário”.



7- Entraves da reforma sindical:
“Há inúmeros pontos controvertidos [na reforma sindical proposta pelo Fórum Nacional do Trabalho]. Um dos mais sérios diz respeito à ‘substituição processual’ – dispositivo que dá às entidades sindicais o direito de acionar as empresas em nome de seus representados sem a sua autorização ou até mesmo contra a sua vontade. Isso constitui uma poderosa arma legal que, se mal usada, pode desequilibrar as relações do trabalho… Outro ponto polêmico se refere à imposição por lei, de uma comissão de empregados eleita pelos sindicatos para atuar nos locais de trabalho (O Estado de S. Paulo, 08/03/2005)”.



8- O papel conciliador do sindicalismo:
“Com a reforma sindical que ora se desenha, nota-se claramente a busca de uma legislação que fortaleça a cúpula (centrais) e a base (representação no local de trabalho) para garantir o êxito da atividade sindical… Todas essas estratégias são baseadas na filosofia da confrontação. Mas o mundo está indo para um outro lado. De uma maneira crescente, trabalhadores e empresas estão sendo chamados a cooperar e não a se confrontar, porque ficou impossível vencer a guerra externa (da concorrência) sem terminar com a guerra interna – do conflito entre empregados e empregadores (Revista da CNI, abril de 2005)?”.



9- Custeio do sistema sindical:
“Não estou propondo copiar nada nem voltar às práticas do autoritarismo, [mas] há que se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação de prestação de contas e de serviços. Isso não se ajusta aos dias de hoje, quando se cobra transparência crescente e responsabilidade constante de todas as organizações sociais. Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora disso (O Estado de S.Paulo, 01/07/2003)”. “O atual sistema sindical se baseia em uma contribuição compulsória – um verdadeiro imposto sindical – que dá origem à proliferação de sindicatos sem representatividade, pois, para garantir receita, eles não dependem de prestar bons serviços aos seus representados (O Estado de S. Paulo, 06/05/2003)”.



10- Defesa do pluralismo sindical:
“O que se defende para o Brasil é o sistema de pluralidade sindical. Esse sistema, porém, tem certos pré-requisitos para funcionar. Um deles é que seja capaz de disciplinar a negociação. Cada parte precisa saber claramente qual é a regra que define sua contraparte na negociação… A liberdade de criar sindicatos pode se chocar com a disciplina exigida pelas empresas e trabalhadores na negociação. Isso não impede nem deve afastar a mudança da atual organização sindical (O Estado de S. Paulo, 06/05/2003)”.



* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).