Equador: Indígenas lançam candidato próprio à Presidência
Os movimentos indígenas equatorianos estão se lançando para mais uma empreitada inédita nas eleições marcadas para o próximo dia 15 de outubro. Desta vez, eles estão lançando a candidatura de Luis Macas, presidente da Confederação das Nacionalidades Indíg
Publicado 30/08/2006 08:59
Nas últimas eleições, em 2002, os indígenas – que têm demonstrado seu poder de mobilização principalmente desde o levante massivo que parou o país no ano de 1990 e passaram a disputar oficialmente as eleições em 1996 – apoiaram e depois ajudaram a afastar o coronel Lucio Gutiérrez, que perdeu o apoio dos indígenas e de outros setores da sociedade, não resistiu e acabou deixando o cargo em abril de 2005. Para a disputa eleitoral deste ano, chegaram a negociar com o economista Rafael Correa, do Movimento Aliança pelo País, de discurso progressista, mas não houve acordo para a formação de uma coligação oficial, já que nem Correa e nem os indígenas quiseram abrir mão da “cabeça” de chapa.
Cenário indefinido
Há cerca de um mês e meio do pleito, no entanto, Macas não ultrapassa 2% nas mais recentes pesquisas de intenção de voto. Correa vem crescendo e divide a terceira posição com o magnata Alvaro Noboa, que enfrenta a sua terceira campanha seguida desde 1998. Eles estão tecnicamente empatados na casa dos 10%. Na frente, com cerca de 24%, está León Roldós, da Aliança Rede Ética, inclinada para a social-democracia, e Cynthia Viteri, do conservador Partido Social Cristão tem 17% das preferências.
Para Leonidas Isa, a campanha ainda está em seu início, a maioria absoluta é de indecisos (cerca de 80%) e as pesquisas – concentradas apenas na capital Quito e em Guayaquil – ouvem apenas parte da população. Segundo ele, as candidaturas indígenas sempre apareceram sistematicamente nas últimas disputas com intenções de voto muito baixas. “Em 1996, na primeira vez em que disputamos uma eleição, eu aparecia com 0% nas pesquisas e acabei sendo eleito com a segunda maior votação como deputado (da província de Cotopaxi)”.
O líder indígena, que já foi presidente da Conaie e esteve no Rio de Janeiro para participar da 4ª Conferência Latino-Americana e Caribenha de Ciência Sociais, dita as linhas gerais da estratégia eleitoral. “Queremos fazer uma campanha de fora (das estruturas partidárias e institucionais) para dentro”. Segundo ele, o movimento pretende priorizar a busca de apoios de outros setores da sociedade civil organizada, como associações de bairro, coletivos de estudantes e outros movimentos urbanos. “Vamos fazer nosso trabalho e temos consciência de que essa mobilização mais ampla pode amadurecer um dia antes ou muito depois das eleições”.
“Estamos há apenas 12 anos na disputa eleitoral. Durante esse percurso, decidimos optar pelas alianças com outros partidos. Essas alianças, porém, não permitiram que o nosso plano original fosse implementado e ele foi deixado de lado. Não apenas no que cabe aos capítulos estritamente indígenas, mas também no que se refere a temas mais amplos como o desenvolvimento econômico do país”, conta Isa.
A plataforma da candidatura indígena prevê medidas como o fim das privatizações, a recusa do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, o cancelamento do pagamento da dívida externa e a nacionalização dos recursos naturais – com destaque especial para os hidrocarbonetos (petróleo), inspirados na Bolívia de Evo Morales – com a finalidade de promover uma reativação econômica do país. Só assim, pontua Isa, será possível investir mais em áreas sensíveis como educação e saúde.
O instrumento para concretizar as mudanças, realça o membro do Pachakutik, será a própria Constituição. Os indígenas defendem a eleição de Assembléia Constituinte, assim como na Bolívia, para “varrer o que há de mais atrasado” da legislação. As letras da Carta Magna atual não são nada mais que “adornos” de uma realidade marcada pela injustiça e pela impunidade, justifica Isa. Faz parte dos movimentos uma reforma administrativa, para que o aparato estatal seja mais representativo e menos delegativo. “Em suma, defendemos um Estado includente e não excludente”.
Diferenciação e paradigma
O sociólogo Pablo Ospina, do Instituto de Estudos Equatorianos (IEE), explica que o movimento indígena equatoriano é formado basicamente pela união de duas correntes distintas. Os grupos das terras altas, naturais da Cordilheira dos Andes, beberam da fonte do sindicalismo de luta agrária ligado à Igreja e à ideologia da esquerda mais tradicional, para se organizar e fortalecer a sua atuação política. Já os povos das terras baixas da Amazônia, mais propensos à afirmação da etnia e da diversidade, se concentraram na resistência contra a exploração natural descontrolada da região.
De acordo com Ospina – que também esteve no Rio para participar do encontro promovido pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) – até por conta dessa nítida diferença, não existe consenso entre os indígenas sobre a necessidade de estabelecimento de um novo paradigma de organização social. De acordo com pesquisa feita pelo IEE, a maioria deles defende mudanças de conteúdo das linhas políticas – escorados em anseios por modernização, desenvolvimento e democracia (é tradicional indígena um maior controle dos eleitos e uma alternância e rotatividade na ocupação de cargos, por exemplo) – dentro do modelo vigente.
Fato é que governos locais e congressistas indígenas enfrentaram muitas dificuldades e não conseguiram implementar mudanças significativas na prática. Mesmo com essa dinâmica conflitiva, que colocou em choque o oportunismo de alguns líderes e a base do movimento, o Pachakutik decidiu lançar Macas para tentar se retomar a “palavra degradada”, já que o discurso indígena só se efetiva na prática, com atos.
A principal conquista da disputa eleitoral até o presente momento, apontada pelos próprios indígenas em pesquisas, foi o respeito. “Isso não quer dizer que não há mais racismo, mas houve uma inibição das formas mais trogloditas de discriminação”, explica o sociólogo.