Artigo: Louise Caroline, vice da UNE, homenageia estudantes
Confira o artigo da militante juvenil Louise Caroline, vice-presidente da UNE, O texto foi escrito por ocasião do Dia dos Estudantes, comemorado neste mês de agosto.
Publicado 21/08/2006 20:21
Estudante: presente!
Por Louise Caroline *
No dia 11 de agosto de 1827, D. Pedro I instituiu os primeiros cursos superiores de nosso país: ambos cursos jurídicos, um em São Paulo e o outro em Olinda. Cem anos depois, a data foi escolhida como propícia para homenagear os estudantes brasileiros. E estamos, hoje, comemorando mais um “dia do estudante”. Entretanto, talvez outros acontecimentos fossem mais adequados para tal homenagem.
A primeira manifestação estudantil em nosso país, registrada na história por Olavo Bilac, é de 1710. Segundo o poeta, centenas de estudantes dos conventos e colégios religiosos combateram corajosamente invasores franceses no Rio de Janeiro nesse ano. A Inconfidência Mineira teve a participação destacada do estudante José Álvares Maciel, que imprimiu um cunho ideológico ao movimento. A Conspiração dos Alfaiates, na Bahia, a Revolução Pernambucana de 1817 e, principalmente, as idéias revolucionárias de Voltaire, Rousseau e Montesquieu trazidas da Europa foram contribuições dos estudantes brasileiros mesmo antes da fundação dos primeiros cursos superiores.
Por isso, marcar a homenagem aos estudantes pela data de criação das Faculdades de Direito não parece adequado – embora seja eu estudante orgulhosa de uma delas, a Faculdade de Direito do Recife. É que o ato de D. Pedro contrasta fortemente com a histórica luta dos estudantes. Os cursos criados por ele eram destinados aos filhos da elite que vivia à época no país, o que se comprova pelas regiões beneficiadas: Olinda, reduto dos senhores de engenho. São Paulo, centro da hegemonia política dos fazendeiros. Apesar disso, registre-se a ironia, os filhos da oligarquia paulista e do latifúndio açucareiro rapidamente organizaram a imprensa acadêmica, de caráter político, e mobilizaram lutas pela Independência e pela República.
Considerando, ainda, que o 11 de Agosto só foi escolhido em 1927, outras datas mais apropriadas para a homenagem aos estudantes poderiam ter sido lembradas. Por exemplo, a fundação da Sociedade Epicurea, em 1845, movimento literário que aglutinou Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, José de Alencar e José Bonifácio. Ou, talvez, também pudesse ser objeto da data comemorativa o marco da Campanha Abolicionista, defendida na luta e nos versos pelos então estudantes Castro Alves, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco. Quem sabe um outro acontecimento para congratular os estudantes brasileiros fosse o 13 de novembro, já que, nesta data, em 1888, Euclides da Cunha liderou uma revolta na Escola Militar da Praia Vermelha, que passou a simbolizar a luta anti-imperial no Brasil.
Outra sugestão interessante seria o 3 de novembro. É nesse dia, em 1897, que se registra o primeiro manifesto estudantil do país. Tratava-se de uma formulação dos estudantes de Direito da Bahia em condenação ao massacre de Canudos. Há também opções para os que preferem datas de massacres, feito que a jornada de assassinato de estudantes começa bem antes da Ditadura Militar de 1964. Já em 22 de setembro de 1909, dois estudantes foram assassinados em passeata integrante da Campanha Civilista, episódio que passou à história como “A Primavera de Sangue”.
11 de Abril também é um bom candidato. Em 1917 foi fundada, nesta data, a “Liga Nacionalista”, movimento através do qual os estudantes promoveram campanhas de cunho cívico-social, como a alfabetização e a heróica mobilização contra a gripe “espanhola” em 1918.
Se interrompermos o retrospecto nesse ano, já não faltariam datas marcantes para que os estudantes brasileiros fossem lembrados e comemorados. Mas é em 13 de Agosto de 1937, com a fundação da União Nacional dos Estudantes, e em 25 de julho de 1948, com a criação da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, que a luta estudantil se organiza com unidade nacional. A história de sonhos e resistência que se desenrolou de lá para cá tem suas fases de grandes avanços e também de retrocessos. O fato memorável, contudo, é que, em um país com as dimensões do nosso, as entidades nacionais permaneçam vivas, unitárias e alinhadas com os sentimentos que desde os tempos coloniais levantam os estudantes brasileiros: a luta incansável por um mundo melhor.
A defesa radical da democracia plena; os movimentos de produção cultural e soberana; a persistência na crença de que educação é direito de todos e que apenas através dela se faz possível o desenvolvimento igualitário; a dedicação à escola pública de qualidade, à expansão da universidade pública gratuita, à pesquisa e à extensão; o protagonismo pela exploração nacional de nossas riquezas, contra as guerras, pela auto-determinação dos povos, pela integração latino-americana; a resistência com a vida e com a morte ao autoritarismo sanguinário das ditaduras; a reafirmação diária de esperança e bravura: são demonstrações de amor indubitáveis para que em qualquer data, em qualquer tempo, os estudantes brasileiros tenham as melhores saudações e os mais fortes abraços de toda nossa gente.
Mas, para que se justifique o todo acima defendido, é preciso esclarecer: os estudantes não são uma classe social e não têm a mesma opinião sobre tais questões. Nas bancas escolares e universitárias, como no conjunto da sociedade, há os mais diversos pensamentos e interesses. Confrontam-se, principalmente, desde os tempos coloniais até hoje, os sentimentos individualistas e os coletivistas. É justamente por isso que o 11 de Agosto não é apropriado. A celebração dos estudantes não deve ser simplesmente pelo número de matrícula, mas sim àqueles que ao exercer o restrito direito ao conhecimento tenham optado por contribuir para sua universalização. O “dia do estudante” deve servir para celebrar tantos e tantas que de mochila nas costas, em maior ou menor grau, se organizaram coletivamente para que o sentimento de coletividade conquiste mais corações.
Cada vez que se questiona o engajamento político dos militantes estudantis, cada vez que campanhas publicitárias e programas de televisão alimentam o horror à política, os estudantes brasileiros reafirmam sua luta e têm como argumentos incontestáveis as inúmeras páginas de uma história ousada, combativa e vitoriosa.
À luta, sempre. Saudações estudantis!
* Louise Caroline é estudante de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)