Setor de construção comemora anúncio de pacote habitacional do governo
O setor de construção civil comemorou, neste domingo, a notícia de que o governo estaria preparando um sistema de crédito consignado para a compra de imóveis. A informação foi publicada hoje, com exclusividade, no jornal O Globo, em uma entrev
Publicado 06/08/2006 20:22
De acordo com o ministro da Fazenda, além do crédito consignado, seria eliminada a TR (Taxa Referencial) dos contratos habitacionais. Atualmente, 65% dos depósitos em poupança têm de ser aplicados em habitação. Deste total, 80% são aplicados a juros ''fixos'', que são 12% mais a TR. A questão é que a TR é um indexador que varia.
Confira abaixo a íntegra da entrevista do ministro Guido Mantega:
Crédito consignado para casa própria
Formulador histórico de programas econômicos para o PT, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já pensa na agenda para eventual segundo mandato do presidente Lula. Sem esconder as pretensões de continuar no cargo, afirma que a nova tônica da economia deve ser o crescimento. Há quatro meses no posto, diz que é com esta orientação que o governo lançará, em 15 dias, um pacote de estímulo ao crédito habitacional, com a criação do crédito consignado para financiamento da casa própria. De formação heterodoxa, surpreende ao defender que o Estado não tem necessariamente que ampliar investimentos. Mas nega uma guinada em seu pensamento.
Flávia Barbosa, Martha Beck e Sergio Fadul
Especialistas alertam que o controle das contas públicas está sob riscos. O ritmo crescente dos gastos não é preocupante?
GUIDO MANTEGA: A resposta é não. É natural que se tenha alguns aumentos de despesas. O gasto com pessoal em relação ao PIB está estável. Eu desafio vocês: olhem 2003, 2004 e 2005. Até caiu em relação ao PIB. Só em 2006 vai subir um pouco. Estão criando falsas idéias.
Mesmo diante dos aumentos concedidos ao salário-mínimo e aos servidores?
MANTEGA: Mesmo com tudo isso, os gastos com o funcionalismo estão sob controle. Não é possível imaginar que vai dar aumento para o funcionalismo abaixo da inflação. Num governo que se diz de centro-esquerda, num governo progressista como o nosso, arrochar salário de funcionalismo… é só o que faltava. O presidente Lula definiu um critério de política salarial que diz: olha, no meu governo não tem sentido que eu tenha dado aumentos abaixo da inflação. Além disso, por exemplo, aumentamos em 50% o efetivo da Polícia Federal e elevamos os vencimentos. Você não tem um funcionário de alto nível motivado se ele não ganhar mais e, portanto, sem estar sujeito às tentações do vil metal. Isso deu resultado e se deve a termos um funcionalismo mais robusto.
A oposição incluiu numa medida provisória um reajuste de 16,5% para os aposentados que ganham acima do mínimo. Isso gerou uma troca de acusações e aí foi a vez de o governo dizer que o ajuste fiscal ficaria em perigo…
MANTEGA: Tendo acabado de negociar 5% de aumento com os aposentados, vem uma medida que foi gestada pela oposição, cujo único objetivo não é beneficiar os aposentados, é criar um constrangimento para o governo ou desequilibrar as contas públicas. Acho engraçado ver a oposição falando em equilíbrio fiscal e propor uma medida que, se efetivada, poderia desequilibrar em R$ 8 bilhões as contas. Por isso que o presidente vetou e vetará quantas vezes for preciso.
Analistas avaliam que a meta de superávit primário está sendo alcançada às custas dos lucros das estatais, mas nada garante que os resultados vão se repetir. Eles estão corretos?
MANTEGA: As estatais estão cumprindo a sua parte. Você viu como está o preço do petróleo. É uma festa. Não tem chance de a Petrobras ter redução de lucratividade. Além do que, é vendedora dos novos tipos de energia. O setor de gás e petróleo é o que mais investe e vai continuar tendo lucros elevados. Não há nenhuma razão para retirar do cálculo do resultado fiscal a performance das estatais, que estão sob nova gestão.
Outro ponto de apoio do ajuste fiscal é o aumento da carga tributária. É possível mantê-la neste patamar?
MANTEGA: É verdade que a carga fiscal cresceu expressivamente de 1995 a 2002 por aumento de tributos. Só que a partir de 2003, 2004, o aumento de arrecadação se deu por motivos virtuosos, que são o aumento da atividade econômica, da formalização da economia e da eficiência da máquina arrecadatória. As empresas estão pagando mais Imposto de Renda, pois há muito tempo não lucravam tanto. O governo está reduzindo alíquotas, a renúncia fiscal entre 2003 e 2006 é de R$ 19 bilhões. Houve uma elevação, porém chegamos no topo da montanha e estamos descendo. Estamos na direção certa, diminuindo tributos.
Então, não há risco de descumprimento da meta de superávit de 4,25%? MANTEGA: Eu garanto que vamos fazer o primário porque eu tenho a chave do cofre, eu controlo a receita todo dia. Se eu for responsável pela política fiscal no próximo governo, continuarei entregando os 4,25% do PIB nos próximos quatro anos. E o compromisso mais importante é o de reduzir a relação dívida/PIB. Tendo em vista as condições que o país estabeleceu, muito mais sólidas, com redução do risco-país, inflação baixa, teremos redução gradual das taxas de juros, de modo que vamos chegar ao déficit nominal zero.A relação dívida/PIB, hoje na casa dos 50,6%, estará em 44,2% em 2009.
E o déficit na Previdência, como resolvê-lo?
MANTEGA: As despesas de Previdência são as que mais vêm subindo porque sofrem influência do mínimo. Agora, está sendo feito um trabalho de gestão como nunca se fez no Brasil, que consiste em reduzir os gastos, diminuir fraudes. No início do ano, a previsão de déficit era de R$ 50 bilhões. Mas agora já trabalhamos com R$ 41 bilhões.
Os investimentos não deveriam ser o destino de uma parte maior dos impostos arrecadados?
MANTEGA: O investimento público subiu muito este semestre em relação ao passado. Em 2005 já foi maior do que em 2004. Temos procurado fazer mais obras rodoviárias e na infra-estrutura portuária porque são necessárias para viabilizar um crescimento maior da economia. Agora, é um volume expressivo? Não é. Mas estamos em outros tempos. O Estado vai diminuindo seu papel como investidor e abrindo espaço para o setor privado. Isso é uma tendência não só no Brasil, mas em todos os países capitalistas.
O senhor acha que o Estado não tem mais que investir tanto?
MANTEGA: O Estado brasileiro investe menos da metade do que investia nos anos 60 e 70. Você tinha um capitalismo incipiente, sem condições de fazer investimentos em infra-estrutura, então as estatais faziam diretamente. Hoje, tem que abrir espaço e dar condições para que o setor privado faça o investimento. O Estado tem que fazer o que o setor privado não faz porque não tem condições ou rapidez. O empresário administra bem concessões como estradas e ferrovias, por exemplo.
O senhor está com um viés neoliberal, defendendo um Estado menor…
MANTEGA: Não tem nenhum viés neoliberal. Pode escrever aí que eu sou um desenvolvimentista. Eu não falei que o Estado não tem que investir. O Estado tem que recuperar rodovias e, muitas vezes, tem que abrir novas em lugares onde o setor privado não faria, como a BR-101 Norte. No dia em que o setor privado quiser fazer tudo isso, o Estado não precisa fazer.
A economia praticamente se livrou da indexação dos preços. A inflação não assusta mais?
MANTEGA: Quando você passa a ter uma inflação abaixo de 5%, ela deixa de ser relevante. O cidadão e o agente econômico olham para outros parâmetros. Uma inflação de 4%, 3,5% significa que em alguns setores os preços não estão subindo ou que há um barateamento. O grande avanço que vamos ter na economia é deixar de nos preocuparmos com algumas variáveis que foram um pesadelo para o país nos últimos anos, como inflação, juros e dívida.
Os juros no Brasil estão entre os mais altos do mundo, mesmo assim o senhor afirma que não são mais um pesadelo?
MANTEGA: Tudo isto vai saindo da pauta. Vamos olhar para outras coisas mais importantes. Os juros também, à medida que vão baixando. Daqui a pouco a questão dos juros vai deixar de ser o foco no noticiário. A questão fiscal também é outra questão que vai deixar de ser tema. As pessoas só falam dos assuntos que são problemáticos. Então o pessoal vai ter que inventar outros temas porque esses vão ficando velhos.
O que vai entrar na pauta?
MANTEGA: A potencialização do crescimento. O Brasil deixa de ser um país de crescimento de zero a 4% para ser um país de crescimento de 5% a 10%. É como faixa de imposto. Só que aqui é positiva. Estamos na iminência de mudar de país emergente pouco dinâmico para mais dinâmico. A partir do ano que vem, o Brasil está habilitado a crescer mais de 5%.
O senhor fala em potencializar o crescimento. Que medidas a Fazenda tomará para apressar isso?
MANTEGA: Estamos estudando um conjunto de medidas para impulsionar o crédito habitacional. O setor está indo de vento em popa, mas muito aquém daquilo que é feito em escala internacional. O volume de crédito para construção civil hoje no Brasil chega a 2% ou 3% do PIB. Em outros países, como a Espanha, chega a 30% ou 40% do PIB.
Que medidas vão ser adotadas?
MANTEGA: Vamos permitir a utilização do crédito consignado (com desconto na folha de pagamento) para habitação. Isso vai permitir que as pessoas façam contratos de longo prazo para comprar a casa própria a custos menores porque a operação terá menos risco. Além disso, vamos dar permissão para os bancos operarem com taxas de juros fixas de fato, eliminando a TR (Taxa Referencial) da correção dos financiamentos.
O senhor vem repetindo que é preciso reduzir o spread bancário. Como fazer com que essa intenção chegue aos consumidores?
MANTEGA: O crédito impulsiona toda a economia e é fundamental para manter o patamar de investimento acima de 20%, necessário a um crescimento acima de 5%. Devemos anunciar medidas como o crédito consignado para as pequenas empresas e estímulos à redução dos spreads a partir de eficiência operacional. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica já foram orientados nesse sentido. O cadastro positivo, que está no Congresso, também será muito importante.
Quais as prioridades para a Fazenda na eventual reeleição do presidente Lula?
MANTEGA: Vamos dar continuidade à política econômica que temos, porém numa nova fase, porque é bem-sucedida. A primeira fase foi de consolidação da economia, e nela o crescimento foi menos intenso porque você estava se ocupando dos equilíbrios monetário e fiscal e da redução da vulnerabilidade. Como tudo isso foi conquistado, agora entra uma nova fase. Isso vale para qualquer governante que vem por aí: é a fase de potencialização do crescimento.
O senhor mais uma vez vai escrever o programa econômico para o candidato Lula. O que será prioridade?
MANTEGA: Por ordem de importância, é a reforma tributária. Temos muito a avançar, principalmente na área dos tributos estaduais. Eu me dedicaria a isso. Existem conflitos, mas podemos contorná-los. Criando o fundo de compensação de ICMS de exportações, você poderia conseguir aprovar a reforma tributária. Isso acaba com a guerra fiscal, que é muito nociva para o país. Aí depois vem a reforma trabalhista. Agora, em primeiro lugar, a reforma política, ela é fundamental.
E uma nova reforma da Previdência?
MANTEGA: Neste momento, não. Vejo a necessidade de medidas de gestão importantes que estão sendo tomadas. Vamos examinar adiante se será preciso fazer reformas. Neste momento, eu não faria essa proposição, mas isso não quer dizer que nos anos futuros não se coloque essa necessidade. A realidade muda.
Para um segundo mandato do presidente Lula, o senhor apóia a idéia de uma meta de crescimento?
MANTEGA: Não é possível definir isso. Quando você estabelece uma meta de inflação, já está levando em consideração uma meta de crescimento, que está implícita, só que você não pode fixar as duas coisas porque uma amarra a outra. Quando definimos a meta de inflação, poderíamos ter definido uma meta de 2%, aí estaria implícito um crescimento menor. Definimos uma meta de 4,5%, então está implícito um crescimento maior porque a política monetária terá que ser menos austera. Em termos de crescimento, vamos ultrapassar a barreira dos 5% a partir do ano que vem, pode ser até 6%.
Semana passada, o governo adotou mudanças nas regras cambiais. Qual a expectativa para a cotação do dólar?
MANTEGA: O conjunto de medidas vai ter uma repercussão em 30, 60, 90 dias. O câmbio estar em R$ 2,18 é virtude das exportações. É impossível ter uma equação em que o país é muito bem-sucedido na área comercial e nos fundamentos e achar que vai ter uma moeda desvalorizada. O país tem uma moeda fraca quando ele é fraco. Quando um país gera confiança a moeda se valoriza. O governo vai continuar se esforçando para que o câmbio não descambe para um patamar inadequado, mas dentro das regras do câmbio flutuante.
Fonte: O Globo