John Pilger: Como as mídias retratam Israel

“Se a sua fonte de notícias é apenas a televisão, você não terá nenhuma idéia das raízes do conflito do Oriente Médio, ou que os palestinos são vítimas de uma ocupação militar ilegal”. Artigo do escritor e cineasta britânico John Pilger, para o Resist

Em maio, o Glasgow University Media Group, notável pela sua análise pioneira das mídias, publicou um estudo das reportagens do conflito israelense-palestino. Ele deveria ser uma leitura obrigatória nas salas de redação e nas escolas de comunicação. A investigação mostrou que a falta de entendimento do público em relação ao conflito e sua origens foi preparada pelos relatos noticiosos, especialmente da televisão.


 


Aos espectadores, afirma o estudo, raramente lhes é dito que os palestinos são vítimas de uma ocupação militar ilegal. A expressão “territórios ocupados” quase nunca é explicada. Na verdade, apenas 9% dos jovens entrevistados sabiam que os israelenses eram os ocupantes e que os “colonizadores” (“settlers”) eram israelenses. A utilização seletiva da linguagem é importante. O estudo descobriu que palavras tais como “assassinato”, “atrocidade”, “linchamento” e “matança selvagem a sangue frio” eram utilizadas apenas para descrever mortes israelenses. “A extensão com que algum jornalismo assume a perspectiva israelense”, escreveu o Professor Greg Philo, “pode ser vista se as declarações forem 'revertidas' e apresentadas como ações palestinas. Não encontramos quaisquer relatos a declarar que Os ataques palestinos foram em retaliação pelo assassinato daqueles que resistem à ocupação ilegal israelense”.


 


Uma vez que a verdade central do conflito é habitualmente obscurecida, nada disto é surpreendente. Noticiários e programas de assuntos atuais raramente, se é que alguma vez, recordam aos espectadores que Israel foi estabelecido em grande medida pela força sobre 78% da Palestina histórica e, desde 1967, tem ocupado ilegalmente e imposto várias formas de governo militar sobre os 22% remanescentes. A “cobertura” das mídias há muito reverteu os papéis do opressor e da vítima. Israelenses jamais são chamados de terroristas. Os correspondentes que quebram este tabu são muitas vezes intimidados com o estigma do anti-semitismo — uma ironia lúgubre, pois os palestinos também são semitas.


 


Tendo há muito reconhecido o “direito” de Israel a mais de dois terços do seu país, a liderança palestina tem-se contorcido a fim de acomodar um labirinto de planos, sobretudo americanos, concebidos para negar verdadeira independência e assegurar poder e controle duradouro a Israel. Até recentemente, isto era relatado acriticamente como “o processo de paz”. Quando palestinos comuns gritaram “basta!” e levantaram-se na segunda intifada, armados principalmente com pedras, eles foram abatidos por atiradores de elite (snipers) com armas de alta velocidade e com tanques e helicópteros Apache, fornecidos pelos Estados Unidos.


 


E agora, no seu desespero, pois alguns estão a voltar-se para ataques suicidas, os palestinos aparecem nos noticiários apenas como bombistas e desordeiros, o que, como destaca o estudo de Glasgow, “é, naturalmente, a visão do governo israelense”. O mais recente eufemismo, “incursão”, é do vocabulário das mentiras cunhadas no Vietnã. Isto significa assaltar seres humanos com tanques e aviões. “Ciclo de violência” é semelhante. Sugere, na melhor da hipóteses, dois lados iguais, nunca que os palestinos estão a resistir à opressão violenta com violência. Um programa do Channel 4 inglês, Dispatches, recentemente “equilibrou” o assalto israelense ao campo de refugiados de Jenin com um ataque palestino a um “assentamento”. Não houve qualquer explicação de que estes não são de modo algum assentamentos e sim fortalezas armadas e ilegais que são peça central para uma política de imposição de controle estratégico e militar.


 


Em 9 de junho, a série Correspondent da emissora britânica de televisão BBC difundiu uma reportagem acerca do recente sítio à Igreja da Natividade em Belém. Aquilo foi um caso exemplar dos problemas identificados na investigação de Glasgow. Foi, com efeito, um filme de propaganda da ocupação israelense apresentado pela BBC. Foi feito em co-produção com um canal americano, e os créditos listavam o produtor como Israel Goldvicht, que dirige uma companhia produtora israelense. Teria sido bonito se os autores do filme tivessem feito qualquer tentativa para desafiar os militares israelenses com os quais se congraçaram. “Os israelenses estavam determinados a não danificar os edifícios”, começou o narrador. “A imprensa internacional fora afastadas da Praça da Manjedoura, mas foi-nos permitido permanecer e observar a operação israelense…” Com este “acesso único” não explicado aos espectadores, o filme apresentou um Coronel Lior como o rapaz da boa estrela, garantindo “tratamento médico para qualquer ferido”, dizendo um carinhoso alô num celular a um amigo em Oxford Street e, tal como qualquer oficial colonial, falando sobre e em nome dos palestinos.


 


“Assassinos”, como foram descritos pelo coronel sem serem desafiados pela equipe BBC/Israel Goldvicht. Eles eram “terroristas” e “pistoleiros”, não aqueles que resistiam à invasão da sua pátria. O direito de Israel a “prender” manifestantes pacifistas estrangeiros não provocou interrogações da BBC. Nem um único palestino foi entrevistado. Como o sol brilhava sobre o seu fino perfil, a última palavra foi para o bom coronel. As questões entre israelenses e palestinos, disse ele, “eram pontos de vista pessoais”.


 


Bem, não são. A brutal subjugação dos palestinos é, sob qualquer interpretação do direito, uma enorme injustiça, um crime no qual o coronel desempenha uma parte destacada. A BBC sempre proporcionou o melhor e mais refinado serviço de propaganda do mundo, porque assuntos de justiça e injustiça, certo e errado são simplesmente escamoteados tanto pelo “equilíbrio” como pela sofística liberal, alguém é ou “pro-israelense” ou “pro-palestino”. Fiona Murch, a produtora executiva de Correspondent, contou-me que a Israel Goldvicht Productions não teria ganho a “confiança” do exército israelense se o produtor perguntasse questões jornalísticas reais. Foi uma cândida admissão. “Era romper um estereótipo”, disse ela. “Era acerca de um homem bom e decente” (o coronel). Ela disse que eu devia ter visto uma série anterior da Correspondent, na qual apareciam palestinos.


 


Penso que ela tentava apresentar aquilo como “equilíbrio” para “O sítio de Belém” — um filme que pode ser descartado como Relações Públicas barata, não fosse pela sua cumplicidade com um regime que utiliza a diferença étnica para negar direitos humanos, aprisionar pessoas sem acusação ou processo, e assassina e tortura “sistematicamente”, como afirma a Anistia Internacional.


 


Goebbels teria aprovado.


 


O original encontra-se em http://www.thirdworldtraveler.com/Israel/Media_Cover_Israel.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.