Norte e Nordeste: onde o Brasil cresce como a China
Impulsionados por programas sociais, vários Estados mostram expansão comparável à do gigante asiático.
Publicado 03/07/2006 23:17
Longe das regiões mais ricas e desenvolvidas do país, há um Brasil que cresce em ritmo chinês. Enquanto o PIB brasileiro avança a taxas medíocres — a expectativa para este ano gira em torno de 3,5% —, alguns Estados das regiões Norte e Nordeste ostentam indicadores econômicos capazes de rivalizar com os do gigante asiático. É o que se vê, por exemplo, no Amazonas. Nos primeiros três meses deste ano, a produção das indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus, puxada pelas boas vendas de televisores, celulares e motocicletas, aumentou 11% — superando até a taxa de 10% registrada no mesmo período pelo PIB chinês.
O comércio de Pernambuco, onde se encontra a região metropolitana de Recife, a segunda maior do Nordeste, avançou extraordinários 16% no mesmo período. Cenário semelhante se descortina também em Estados como Pará, Bahia, Ceará e Tocantins. Trata-se de um movimento que começou a se esboçar em 2005 e que ganhou maior força a partir de janeiro deste ano. O principal motor desse fenômeno é um considerável e rápido aumento de renda nas fatias mais pobres da população brasileira, majoritariamente concentradas nos Estados do Norte e do Nordeste.
Aumento de 50 reais
Diferentemente do que se viu na China, onde primeiro houve uma onda de investimentos produtivos que depois sustentaram o crescimento e o incremento da renda, aqui a ordem dos fatores foi inversa. O acréscimo de rendimentos da população pobre está sendo a válvula propulsora do comércio e da indústria dessas regiões. O ganho maior nos salários na base da pirâmide social se explica por uma conjugação de fatores. O reajuste real do salário mínimo, de 12% neste ano, combinou-se com uma queda expressiva no valor da cesta básica — apenas nos três primeiros meses deste ano, os produtos agrícolas registraram, em média, barateamento de 13% no mercado interno.
O país também começa a experimentar um avanço inédito no crédito à população de baixa renda. Por fim, os programas federais de renda mínima, em franca expansão no período recente, estão produzindo um poderoso efeito nas economias locais. O sentimento naquela parte do país é de euforia. O movimento do varejo nas duas regiões é o principal indicador da animação econômica. Nos Estados do Norte, o comércio encerrou 2005 com crescimento superior a 15% no volume de mercadorias vendidas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No Nordeste, o índice foi de 16%, ainda mais expressivo. Não por coincidência, a região foi a mais beneficiada por programas como o Bolsa-Família — metade dos quase 10 bilhões de reais previstos para este ano irá para a população nordestina, segundo estimativa da consultoria MB Associados. Além disso, 50% dos brasileiros que recebem um salário mínimo por mês vivem no Nordeste — e foram diretamente beneficiados pelo aumento recente de 50 reais. É um dinheiro que vem sendo escoado para o consumo — de alimentos, de serviços e objetos de desejo, como aparelhos celulares.
Investimentos das empresas
O Nordeste é hoje o mercado de maior expansão para a telefonia celular pré-paga. Com o mesmo nível de renda, muitas pessoas estão tendo acesso a outras faixas de produtos, que antes não podiam consumir. A queda do dólar também teve o efeito de baratear produtos eletroeletrônicos, como TVs, DVDs e celulares, facilitando o acesso a esses bens. É exatamente essa demanda inflada que explica o salto de produção em muitas empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. Cria-se, assim, um ciclo virtuoso, que começa com mais renda, passa por mais consumo, mais produção e termina com mais empregos.
Daqui em diante, manter o crescimento dependerá de investimentos das empresas. Ainda timidamente, isso já começa a acontecer. De olho num mercado em franca expansão, empresas de bens de consumo, como Unilever, Procter & Gamble e Honda, e redes varejistas, como Wal-Mart e Lojas Renner, vêm tirando do papel projetos que colocam no topo de suas prioridades o atendimento aos consumidores de menor poder aquisitivo. Nas vendas de alimentos, material de construção e de limpeza, os consumidores das classes C, D e E — segundo a metodologia utilizada pelo IBGE — representam 70% do mercado brasileiro.
Profissionais de marketing
Investir nessas regiões pode ser bom para muitas empresas. Recentemente, a Nestlé anunciou a intenção de investir 90 milhões de reais em uma nova fábrica em Feira de Santana, na Bahia. A unidade produzirá macarrão e achocolatados. A multinacional suíça também lançou mão de um expediente no mínimo inusitado: contratou para sua área de marketing profissionais cuja renda familiar é semelhante à dos clientes em potencial, que muitas vezes não se identificam com a linguagem usada nas campanhas publicitárias tradicionais.
Mais adiantada no mesmo caminho, a Pepsico inaugurou em março uma fábrica de salgadinhos Elma Chips em Suape, porto do litoral pernambucano em torno do qual se localiza uma das mais promissoras microrregiões do Nordeste. Com investimento de 20 milhões de reais, a Pepsico pretende atender a uma demanda que cresceu 16% somente no ano passado. Vai produzir salgadinhos à base de milho, a preço unitário do tamanho exato do bolso do consumidor local, entre 50 centavos e 1 real.
Com informações do
Portal Exame